Enxu Queimado/RN, 16 de abril de 2020
Eh, Doutor Cláudio, já vai longe aquele final de semana em que, em flotilha com o catamarã TikeTake, do casal Daniel (de saudosa memória) e Ângela Cheloni, adentramos o leito histórico do Rio Paraguaçu e ao avistarmos dois veleiros ancorados em um remanso do rio, Daniel apontou e disse: – Nelsão, vamos ancorar ali? Sem pestanejar, mudei o rumo e aproei a falésia que dava um chame acolhedor a pequena ancoragem. Passamos próximo a popa dos dois veleiros ancorados e jogamos ferro um pouco mais ao largo da margem. Pelo rádio, Daniel perguntou como era o nome do lugar e informei que o guia náutico, do Hélio Magalhães, indicava Enseada do Paraguaçu.
Nossos companheiros de flotilha desembarcaram e vieram até o Avoante saborear o almoço que Lucia acabava de preparar. Com a mesa posta no cockpit e bicando umas doses da mais pura cachaça mineira, avistamos mais um veleiro se aproximar da ancoragem, vindo do interior do rio, e jogar ferro ao lado dos outros dois veleiros e logo a comunidade cresceu com a chegada de mais dois veleiros. Comentamos que aquela ancoragem deveria ser boa, e era!
Após o almoço, desembarcamos e fomos explorar o pequeno povoado e cruzamos com um senhor que descia a trilha. Ele nos deu boas vindas, passou algumas informações sobre o lugar, falou de uma fonte onde poderíamos tomar banho e pegar água gratuitamente, apontou o veleiro em que estava, justamente o que avistamos chegar enquanto almoçávamos, e nos convidou para uma visita. Beleza, iremos mais tarde!
Pois e, Dr. Cláudio, enquanto assisto a chuva cair manhosa sobre as telhas dessa minha cabaninha de praia e avisto, sob a moldura do coqueiral, a velinha branca de um paquete que descansa sobre a duna, abri as frestas da janela da saudade e mergulhei nas águas abençoadas do Senhor do Bonfim, molhando os olhos, apressando o compasso do coração e avexando a alma com as boas lembranças da vida vivida.
Amigo, você que tantas dicas preciosas me deu sobre o mar da Bahia, que tanto carinho e atenção dispensou a mim e a Lucia, que nunca deixou de saber por onde navegávamos, corrigindo rotas, apontando desafios e sempre procurando saber se estávamos bem ou precisando de algo, que nos abriu as portas do Aratu Iate Clube, que nos apresentou a amigos especiais e que, assim como você e Anni, viraram irmãos de bem querer, que sempre abriu os braços e abrilhantou o rosto com o mais largo sorriso ao nos avistar. Agora lhe pergunto: – Quando você virá nos fazer uma visita, para pagar aquela que fizemos, em seu veleiro, na Enseada do Paraguaçu?
Venha, amigo, pois queremos rir com a alegria de Anni. Queremos saborear os bons papos sobre as coisas dos oceanos e lhe apresentar os segredos das águas e dunas dessa Enxu mais bela. Queremos lhe mostrar as cores dos alísios, que por aqui passam vexados, indicar o lugar para boas pescarias e quero ver você ensinar ao povo daqui a maestria do riscado de uma maravilhosa rota náutica, matéria que você é tampa de crush. Queremos que deguste uma panelada de escaldaréu na beira da praia, mas se preferir, Lucia prepara uma daquelas deliciosas moquecas, receita de Dona Aurora. Queremos festejar a amizade, a nossa amizade forjada com respingos de água salgada, sol e vento.
Cláudio Soares Dias, velejador arretado, só tomara que passe logo essa onda desavergonhada que nos pegou pelo través para que a vida e as boas amizades recomecem a circular livremente por aí. Sei que os tempos não estão fáceis e com a aproximação das chuvas invernosas dos juninos a vida não promete sossego, mas aprendemos no mar que os ventos mudam, e esse vai mudar. Apenas estamos navegando em orça apertada, com bordos sucessivos, mas o mar não está tão violento como se pinta. As ondas estão bem mais elevadas do que aquelas que estamos acostumados cruzar o oceano da Baía de Todos os Santos, porém, pelo caminhar das nuvens, estamos próximos da hora da viração e quando ela entrar, será só alegria e través folgado.
Caro amigo, o convite está feito e já, já vou ficar com o olho na estrada para ver se a poeira se alevanta com sua chegada. Vou pedir a Pedrinho para ir enamorando umas bicudas gordas e ficar pastorando as bichinhas para não irem para muito longe do pesqueiro, pois assim fica mais fácil dele colocar no anzol. Mas se preferir umas postas de Galo do Alto frito no dendê, vá falando que aqui tem só do bom. Lagosta não prometo não, pois o período é de defeso, mas quando entrar junho, eu boto fé.
Abraços, caro amigo, mas antes de colocar o ponto final, digo que o tempo hoje está bem chovido e a Lua minguante. Lucia manda um beijão para você e outro para Anni.
Nelson Mattos Filho