Não é com palavras e nem com a Bíblia embaixo do braço que se consegue o passaporte para estar entre os primeiros a entrar no Reino de Deus. Para estar entre os primeiros, tem que servir a todos.
Sempre que ouço a frase, Jesus está voltando, dita com um fervoroso louvor, olho em minha volta e não consigo entender os motivos dos que assim alardeiam, não enxergarem que Ele nunca se foi e está aqui a observar nossos atos e ações.
Certa vez, conversando com uma amiga, falei que via Jesus nos pedintes, nos necessitados, nos bêbados e drogados estendidos nas calçadas, caminhando sobre os lixões, nos corredores e enfermarias dos hospitais, nas crianças e adultos maltratados e abandonados, na vítima da violência estendida no chão, nas árvores, nos pássaros, na magnitude das ondas dos oceanos, na magia da Natureza, mas não conseguia enxergá-Lo sob a sombra, os ritos, o ouro e nem na espetaculosa arquitetura que dá vida e ritmo as igrejas. E muito menos no fascínio que demostramos quando estamos diante da riqueza.
Um vídeo que circula na internet mostra um padre que se vestiu de mendigo e sentou na porta da igreja enquanto os fiéis chegavam para a missa dominical. Era a primeira vez do padre naquela paróquia e ninguém o conhecia, aliás, ninguém prestou atenção naquele pedinte maltrapilho. Quando todos estavam sentados, o padre, ainda com as vestes sujas, rasgadas e malcheirosas, adentrou a igreja e se dirigiu ao altar, beijou a Bíblia Sagrada, e olhando as expressões de reprovação dos fiéis e antes de dar início a celebração, despiu a fantasia, mostrando uma batina impecável, e anunciou que era o novo sacerdote. Bem que ele poderia terminar a missa naquele momento, dizendo: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”.
No final de 2018 até meados de 2020 perambulou pelas ruas, becos e vielas da comunidade de Enxu Queimado/RN, um senhor, andarilho, maltrapilho, maltratado, bêbado, dormindo sob marquises e que andava de porta em porta pedindo comida ou alguma sobra de álcool para aplacar sua fome e sede. Confesso e reconheço minha falta diante do Pai, nunca dei muita bola para seus pedidos. Por tantas vezes me culpei ao vê-lo passar diante de minha cabaninha, exalando forte mau cheiro, mesmo sabendo que na alma daquele homem estava a presença inconteste de Cristo. Quando o via passar, comentava com Lucia: – Jesus acabou de passar aqui!
E assim, “Jesus” viveu dias na pequena comunidade praieira. Sendo caluniado, violentado, pisoteado, chicoteado, negado, agredido verbalmente e numa noite de sombras, foi covardemente e cruelmente crucificado, jogando na beira da estrada para morrer à mingua. Mas Jesus não morreu. Jesus nunca morre. Ele sempre ressuscita para ver, com tristeza, que os homens O esperam, mas não o enxergam.
O “Jesus” de Enxu, sobreviveu a covardia, foi socorrido por um Anjo da Guarda, colocado sobre a maca fria de uma ambulância e levando para a capital para ser tratado. Se ainda está por aí, não sei, ainda mais diante da mortal pandemia covideana, mas torço que sim. Sobre seus algozes, ninguém jamais deu notícias ou se interessou investigar, apesar de contarem a boca pequena que muitos sabiam quem foram. Se um dia “Jesus” voltará a Enxu, talvez sim, talvez não, pois só quem sabe é Ele.
Quantas vezes recebi olhares furiosos ao dizer que via Jesus na pessoa dos bêbados, drogados e pedintes nas calçadas e canteiros das cidades. Assim como vejo Jesus nas imagens das crianças africanas esquálidas e desvalidas, como tantas mundo afora. – Não, Nelson, Jesus nunca foi um bêbado…! Pode até ser que não, mas o Seu coração acolhe a todos, serve a todos sem olhar a quem.
Ao avistar aquele homem, sentado sob um sombreado, observando o mundo, por um longo tempo e sem nada dizer, apenas observando, peguei a máquina fotográfica é registrei.
Jamais esquecerei!
Nelson Mattos Filho