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Ele está aqui

7 Julho (29)

Não é com palavras e nem com a Bíblia embaixo do braço que se consegue o passaporte para estar entre os primeiros a entrar no Reino de Deus. Para estar entre os primeiros, tem que servir a todos.

Sempre que ouço a frase, Jesus está voltando, dita com um fervoroso louvor, olho em minha volta e não consigo entender os motivos dos que assim alardeiam, não enxergarem que Ele nunca se foi e está aqui a observar nossos atos e ações.

Certa vez, conversando com uma amiga, falei que via Jesus nos pedintes, nos necessitados, nos bêbados e drogados estendidos nas calçadas, caminhando sobre os lixões, nos corredores e enfermarias dos hospitais, nas crianças e adultos maltratados e abandonados, na vítima da violência estendida no chão, nas árvores, nos pássaros, na magnitude das ondas dos oceanos, na magia da Natureza, mas não conseguia enxergá-Lo sob a sombra, os ritos, o ouro e nem na espetaculosa arquitetura que dá vida e ritmo as igrejas. E muito menos no fascínio que demostramos quando estamos diante da riqueza.

Um vídeo que circula na internet mostra um padre que se vestiu de mendigo e sentou na porta da igreja enquanto os fiéis chegavam para a missa dominical. Era a primeira vez do padre naquela paróquia e ninguém o conhecia, aliás, ninguém prestou atenção naquele pedinte maltrapilho. Quando todos estavam sentados, o padre, ainda com as vestes sujas, rasgadas e malcheirosas, adentrou a igreja e se dirigiu ao altar, beijou a Bíblia Sagrada, e olhando as expressões de reprovação dos fiéis e antes de dar início a celebração, despiu a fantasia, mostrando uma batina impecável, e anunciou que era o novo sacerdote. Bem que ele poderia terminar a missa naquele momento, dizendo: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”.

No final de 2018 até meados de 2020 perambulou pelas ruas, becos e vielas da comunidade de Enxu Queimado/RN, um senhor, andarilho, maltrapilho, maltratado, bêbado, dormindo sob marquises e que andava de porta em porta pedindo comida ou alguma sobra de álcool para aplacar sua fome e sede. Confesso e reconheço minha falta diante do Pai, nunca dei muita bola para seus pedidos. Por tantas vezes me culpei ao vê-lo passar diante de minha cabaninha, exalando forte mau cheiro, mesmo sabendo que na alma daquele homem estava a presença inconteste de Cristo. Quando o via passar, comentava com Lucia: – Jesus acabou de passar aqui!

E assim, “Jesus” viveu dias na pequena comunidade praieira. Sendo caluniado, violentado, pisoteado, chicoteado, negado, agredido verbalmente e numa noite de sombras, foi covardemente e cruelmente crucificado, jogando na beira da estrada para morrer à mingua. Mas Jesus não morreu. Jesus nunca morre. Ele sempre ressuscita para ver, com tristeza, que os homens O esperam, mas não o enxergam.

O “Jesus” de Enxu, sobreviveu a covardia, foi socorrido por um Anjo da Guarda, colocado sobre a maca fria de uma ambulância e levando para a capital para ser tratado. Se ainda está por aí, não sei, ainda mais diante da mortal pandemia covideana, mas torço que sim. Sobre seus algozes, ninguém jamais deu notícias ou se interessou investigar, apesar de contarem a boca pequena que muitos sabiam quem foram. Se um dia “Jesus” voltará a Enxu, talvez sim, talvez não, pois só quem sabe é Ele.

Quantas vezes recebi olhares furiosos ao dizer que via Jesus na pessoa dos bêbados, drogados e pedintes nas calçadas e canteiros das cidades. Assim como vejo Jesus nas imagens das crianças africanas esquálidas e desvalidas, como tantas mundo afora. – Não, Nelson, Jesus nunca foi um bêbado…! Pode até ser que não, mas o Seu coração acolhe a todos, serve a todos sem olhar a quem.

Ao avistar aquele homem, sentado sob um sombreado, observando o mundo, por um longo tempo e sem nada dizer, apenas observando, peguei a máquina fotográfica é registrei.

Jamais esquecerei!

Nelson Mattos Filho

Pronto, falei

janeiro a junho (495)

Tem coisas que por mais que procuremos saber a verdade, mais a verdade se afasta, porque as explicações que surgem não passam de achismos ou mesmo mentiras deslavadas, mesmo aquelas que saem da boca de “grandes” figurões ou técnicos afamados. Somos uma nação viciada na pouca verdade, na falta de ética, na mentira, na canalhice e o pior, baixamos a guarda, a vista e nos ajoelhamos diante de qualquer canalha que por ventura faça um ajuntamento dos nossos vícios e os abone em praça pública. –E a Lei? – Que Lei? – Não temos Lei, nem clara, nem obscura. O que temos é uma Constituição que de tanto ser rasgada, pisoteada, queimada, achincalhada, já não conseguimos juntar os pedaços para saber decifrar, a contento, os artigos. Vivemos num eterno mar de lama! Mar de lama? Vixi, agora que tomei ciência do tema que queria abordar nesse textinho malcriado. Queria falar do óleo. – Do óleo? – Sim, do óleo sem dono, sem origem, sem defensor, sem acusador e que vai se escafeder sem ninguém mais saber e ponto.

Pois bem, desculpe a maledicência do parágrafo aí de cima, mas tem coisas que vão se acumulando em nosso juízo e quando damos por fé, nos danamos a falar coisas sem coisas, temperadas com uma danação de impropérios que até Nosso Senhor sai de perto para não sair lambuzado. Eita, peraí que lá vou eu saindo do rumo novamente, mas agora vai!

Pois bem de novo, quando começaram a surgir as primeiras manchas de óleo pelas praias do Nordeste, um amigo sugeriu que eu escrevesse algo sobre o assunto, mas sinceramente não me vi com autoridade e nem bagagem para falar o que fosse, porque até ali ninguém sabia nada, como não sabem até os dias de hoje. Na verdade, o que se tem até o momento é um festival de desinformação e declarações estapafúrdias.

Assim como o verão da lata, dos contêineres, dos maços de dinheiro nas praias do Rio, que passaram como passam as chuvas, agora teremos o verão do óleo, aliás, tudo indica que a sangria irá estancar até o Sol fazer valer o colorido e a cerveja gelada tomar conta das praias, pois pelo preço que anda o petróleo por aí, não tem quem aguente bancar a sujeira por muito tempo, a não ser que seja para apertar o nó para algum sabido com cara de anjo poder desatar depois.

Aliás, ao meu ver, o óleo serviu para duas coisas: Uma para provar que somos bestas mesmos e a outra para provar aos crentes, descrentes, doutores, doutorandos e pitaqueiros em geral, que as correntes marinhas existem e nem tudo que se sabe das errantes navegações dos portugas é o que se sabe. Aliás, não sabemos nada e quando alguém me pergunta, apenas porque naveguei durante onze anos o litoral nordestino, para lá e para cá até perder a conta, se o Brasil foi descoberto pelo Rio Grande do Norte, respondo: Não boto fé nem aqui e nem nas praias do povo dos orixás, mas quem sabe no espaço que fica entre os canaviais, que nem existiam, das Alagoas e as florestas dos babaçus? – E os pataxós? – Pois é, né? – E o que danado tem a ver alho com bugalho, ou melhor óleo? – Vamos lá, as primeiras manchas surgiram nas praias do tal Consórcio Nordeste, entre Sergipe e Alagoas, subiu subindo labuzando quase tudo, ou melhor, onde as correntes e os alísios mandam e desmandam, somente quando pegaram uma refregazinha do lestão, fizeram o retorno é se bandearam para as bandas do Sul e aí já sabe, né. Chegou nos terreiros do Axé, o povo de lá fala e canta que só vendo e pronto, o sambão atravessou, o acarajé quis azedar, o caruru desandou e o mundo se danou a saber, mas nem Macron, nem Chico, nem Greta, nem ninguém quis melar os pezinhos de piche.

Nossa briosa Marinha de Guerra guarneceu os navios e saíram em busca de dar tiro mar afora, mas não encontraram foi ninguém, a não ser, ouviram falar que uns gregos haviam passeado pelo horizonte e por lá despejaram algo, mas nem algo mais se sabe, pois os cabras não amostraram o calcanhar.

Até os divinos supremos se apropriaram do óleo que ninguém sabe, todos viram, mas ninguém dá conta, meteu o que pode num caldeirão e sem mais por isso e pra que tudo, encobriram a vergonha, danaram-se a jogar merda no ventilador, liberou geral e quem quiser que vá reclamar ao bispo, que por sinal, abençoou a bagaceira e até gostou da catinga. – E os políticos? – Homem, tenha fé em Jesus! – O do Flamengo? – Não, rapaz, se bem que o cabra é bom, mas é no de Nazaré!

Pronto, meu amigo, falei do óleo, mas sinceramente, era melhor ter ficado calado! Mas antes do ponto final, vou lhe dizer que até esse dia 26 de novembro de 2019, a melequeira não deu as caras nessa Enxu mais bela, mas já chegou nas barbas de São Sebastião. – Prumode? – Prumode as correntes e os alísios, viu! 

Ah, a foto aí em cima? Sei lá, achei bonita!

Nelson Mattos Filho

Cartas de Enxu 42

3 Março (7)

Enxu Queimado/RN, 04 de junho de 2019

Bebete, ontem, terceiro dia do mês de junho, tivemos a grata alegria de receber em nossa cabaninha de praia os irmãos Flávio e Jorge Rezende, dois cabras arretados que só vendo e que prezamos a amizade desde os tempos de menino pelas ruas de um bairro delineado pelas belezas inebriantes e cheias de mistérios dos morros do Tirol, em Natal. Foi um dia dedicado as boas lembranças de um tempo que já se foi, mas que continuará eternamente materializado nos maravilhosos arquivos da saudade.

Como seria gostoso se pudéssemos voltar no tempo, pelo menos por um dia, para vivenciarmos momentos felizes ao lado daqueles que, entre uma brincadeira e outra, juramos amizades e assinamos tratados de jamais nos separarmos. Infelizmente a vida não tem replay e o que um dia se foi, se foi para sempre e só nos resta o abraço apertado e o calor do reencontro diante de rostos amadurecidos e feições azeitadas pelas tatuagens da vida.

Bebete, diante da deliciosa moqueca de peixe, servida na panela de barro, que é uma obra prima das receitas de Lucia, Flávio fez uma pergunta que deixou no ar uma resposta que não veio, ou não quis vir para não quebrar o encanto do reencontro e muito menos espalhar fragmentos de tristezas em um momento tão sem igual. Perguntei sobre pessoas, estradas e sobre as variantes do destino e antes de responder ele perguntou assim: – Béris – como ele carinhosamente me chama -, vamos tentar recapitular. – Em que momento da vida caímos no vácuo em que as amizades tomam caminhos distintos? Pois é, minha irmã, não lembramos. Só sei que os deuses que desenham e abençoam as amizades, mais uma vez mexeram os pauzinhos e estamos festejando. No meu entender não existe resposta para a pergunta de Flávio, porque amizades verdadeiras nunca se acabam e assim como as estradas, em algum momento elas voltam e se cruzar, quando não, mostram placas indicativas de onde tal estrada se encontra.

Pois é, Bebete, hoje retomo o caminho ao lado de queridos amigos, mas sem saber até que ponto caminharemos juntos, porque sabemos que inevitavelmente um dia estaremos diante de nova encruzilhada e não tem jeito, pois jamais conseguiremos caminhar com os passos do outro. Ontem estávamos sob a sombra de nossa varandinha, revendo o passado e vislumbrando embasbacados o horizonte que delineia o presente. Tomamos banho de mar como se ainda fossemos três crianças do bairro do Tirol. Tiramos onda um com o outro, rimos dos causos, dos apelidos, lembramos dos cheiros, e até recordei as brigas que tive com Hermann, Fobica e outros. Juro que eu não era brigão, mas também não levava desaforo para casa, mesmo que para isso tivesse que levar uns bofetes, e levei um bocado.

Mas minha irmã, vou deixar as recordações de lado para dizer que Jorginho e Flávio adoraram Enxu Queimado e não tem como ser diferente, porque isso aqui é lindo demais da conta. Eles vieram pagar a promessa que fizeram de me visitar e pagaram com gosto. Flavio agora é um retratista bom que só a bexiga e não pensou duas vezes quando Jorge fez o convite para virem até aqui. Sinceramente, acho que o filme que ele usa na máquina Cannon Rebel T6, deve ter uma danação de poses, pois o cabra não deu sossego ao botão do click. Quando não era ele, era Jorge e eu já estava com pena daquele botãozinho de click, que no final já estava rouco. Bete, eles sabem que um dia foi pouco e esticaram enquanto puderam. Quando chegou na metade da noite da Lua nova, e com duas pizzas no bucho, pegaram o caminho que leva até São Miguel do Gostoso, desapareceram nas sombras e o “retratista da alma” ainda nos presenteou com uns escritos que fez carregar os olhos de água.

Minha irmã, agora me diga, se num é bom rever amigos? Claro que é! Vez em quando, nas Cartas de Enxu, convido um para vir aqui, mas vou logo adiantando que amigo em minha casa não precisa de convite. Alguns já vieram, outros prometeram e tem aqueles que estão pelas veredas dos caminhos e ainda não deram respostas, ou não leram a Carta, mas sei que algum dia darão as caras e aí vai ser festa.

E por falar em vir aqui: Elizabeth Lopes Mattos Jordão, quando será que você e Amaro darão o ar da graça por essa Enxu mais bela? Sei que sua Maracajaú e a super pousada Ponta dos Anéis, não deixam vocês sossegados, mas sei também que vez por outra saem batendo pernas pelos recantos do mundo e numa dessas quem sabe vocês botam os mocotós para caminharem pelas praias mais ao Norte. Venha minha irmã, venha ver coisa bonita e se encantar com esse povoado praieiro. Venha que Lucia promete preparar uma moqueca de bicuda da melhor cepa atlântica.

Venha e venha logo, pois já vou armar a rede na varanda para você tirar um sono com o frescor dos alísios que sopram sobre as dunas.

Beijo.

Nelson Mattos Filho

Cartas de Enxu 37

8 Agosto (76)

Enxu Queimado/RN, 25 de abril de 2019

Caro Odilon, as coisas por essa Enxu mais bela estão indo daquele jeito que você viu quando esteve por aqui em 2018, na paz e caminhando em passos lentos, mas caminhando. É uma pena que nosso amigo Chaguinhas ainda não pisou os pés por essas areias de dunas brancas, mas tem nada não, porque um dia ele chega e quando chegar, você vai escutar o barulho daí de São Paulo, porque o coronel tem pareia não. No dia que ele vier, vou pedir para Dona Voreta e os filhos, que moram na rua por trás de minha casa, para colocarem protetores de ouvido. Pense num caboco barulhento!

Brodinho, lembra aquele papo-cabeça que você teve com Lindemberg, filho de Pedrinho, sobre Beethoven, na sombra da varada da nossa cabaninha? Caso você não lembre, vou avivar sua memória: Lindemberg, 4 anos de idade, disse que tinha um cachorro e ele se chamava Beethoven. Você perguntou se ele sabia quem foi Beethoven e ele reafirmou que era o cachorro. Foi aí que você descambou a falar sobre o famoso compositor alemão, um dos principais pilares da música ocidental e autor de nove sinfonias, sendo a Nona a mais famosa, que o consagrou no mundo e mais uma lista de qualidades do gênio alemão, que inclusive perdeu a audição na fase adulta, mas devido a sua fenomenal memória auditiva, conseguia criar as composições em sua mente e executá-las. Berguinho, escutou sua preleção, com aquele ar de quem estava entendendo tudo, e quando você terminou, ele disparou: – Já sei, Beethoven é um cachorro que canta! Naquele dia demos boas gargalhadas e dobramos a dose de cervejas geladas. Pois bem, o “cachorro que canta”, dias depois que você foi embora, saiu para um passeio na mata, foi mordido por uma cobra e bateu a caçuleta.

Eh, amigo, estava aqui pensado em como os interesses mudaram no mundo desde o final do século XX. Até lá éramos um povo entusiasmado com a história e tirávamos lições que norteavam a jornada a ser seguida, mas agora tudo é tão efêmero que dificilmente as preocupações, os interesses, as alegrias, as tristezas duram mais do que longas doze horas. Claro que não estou falando das ideias e fantasias de uma criança e seu “cachorro que canta”, mas sim da deformação que atinge a mente dos adultos. Perdemos o senso e tateamos desgovernados em meio a um oceano tempestuoso, onde a tempestade é criada por nós mesmos. A história que há muito vinha sendo jogada as traças, agora está recebendo toneladas de pás de cal. A história vive apenas de furtivos e festivo interesses de alguns espertalhões.

Brodinho, dia 22 de abril de 2019 marcou a data do 513º aniversário do descobrimento das terras de pindorama, mas a data não mereceu muitas deferências, a não ser, pequenas notinhas em cantinhos de páginas de jornais e míseros segundos nos noticiários televisivos. Se houve festejos, o que deve ter havido, nas paragens da baiana “Costa do Descobrimento”, não dou notícias, mas pelo meu Rio Grande do Norte e principalmente na esquecida e abandonada Praia do Marco, parede e meia com Enxu, lugar que alguns historiadores apostam fichas como sendo o local exato em que Cabral aportou com sua esquadra, não teve nem o pipoco de um traque sequer. E sabe o que é mais engraçado: Os municípios de Pedra Grande e São Miguel do Gostoso, divididos pela réplica amarela do Marco de Touros e sua igrejinha povoada de santos e fé, travam verdadeiras batalhas de bastidores para saber qual dos dois merecem estampar em seus pórticos o brasão do reino de Portugal. E sabe o que mais: As escolas da região ainda se avexam a ensinar uma história errônea, até agora sem muitos embasamentos, como sendo a mais pura verdade.

Odilon, alguns amigos que me identificam como navegador, sem saber, eles, que sou apenas um aprendiz de marinheiro, as vezes perguntam o que acho da peleja do Descobrimento, respondo que não aposto uma cerveja gelada nesse assunto, mas até comeria uma posta de peixe frito, para acompanhar a cerveja, em alguma mesa de bate papo onde a peleja fosse posta, pois no mar não tem estrada lógica e Netuno é mestre em desmontar verdades. Porém, tenho apenas uma ressalva nesse moído: Avistar prontamente, do mar, o Monte Pascoal é preciso que o caboco esteja há muitos dias de castigo na “casa do caralho”, pois se não for assim é um grande exercício de paciência. Aí você pergunta: – E o Pico do Cabugi? – Pois é, ele está bem visto e altaneiro a quem se aproxima da costa Norte potiguar, entre Guamaré e Touros, a partir das 20 milhas.

Pois é Odilon Gibertone Leão, entre cachorros que cantam e as estripulias além-mar de Seu Cabral, estou dando notícias daqui e convidando você e Dona Estela para virem armar novamente a rede sob a sombra da varanda dessa cabaninha de praia. Venha, homem de Deus, e venha logo, pois as chuvas caídas por aqui estão dotando a região com uma beleza ímpar. Venha ver a chuva e aproveitar para molhar o corpo com o sal refrescante do mar de Enxu.

Nelson Mattos Filho

Cartas de Enxu 35

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Enxu Queimado/RN, 12 de março de 2019

Olá, filhota, espero que essa cartinha chegue até você e a encontre em paz e com aquele sorriso lindo que me derrete de paixão. Bem que poderia ficar horas e horas ajuntando letras nesse teclado confidente, falando do amor que sinto e derramando loas e loas sobre a beleza que estonteia os olhos e enche de alegria o coração de um pai que está a milhas e milhas de distância. Mas não vou não, porque quero falar do cotidiano da vida vivida nessa vilazinha praieira que me acolhe e me dá carinho. Como você é linda e maravilhosa, Filha! Benza Deus!

Filha, o Carnaval por aqui foi bom, tranquilo e na paz que merece a festa de Momo, se bem que as músicas deixam a desejar, mas fazer o que se a batida é mesma de Norte a Sul. Andei lendo e vendo os moídos da sua Salvador amada e vi que a coisa por aí foi bem animada. Gosto de dizer que é preciso viver a Bahia para falar sobre ela. Eita terra boa e abençoada. Também, com todos os Santos no comando e um exército de Orixás dando proteção, não tem quem se atreva a meter água no azeite!

Aqui teve uns buchichos na beira mar, onde se apresentaram umas bandas tipo xerox. Digo assim, porque entrava uma, saía outra e o repertório era o mesmo. Não fomos nem um dia dar uma bisbilhotada no fuzuê, até porque a pizzaria estava funcionando a todo vapor e quando a labuta terminava, abríamos uma cervejinha gelada e cadê a coragem de sair. Tomara que Momo me desculpe por essa, mas foi assim. Papai gostava de dizer que ninguém podia perder um Carnaval, pois não recuperava mais nunca. Pense num homem arretado e que gostava de festa!

Filhota, as chuvas por aqui estão bem chovidas e a pequena floresta do quintal está rindo à toa e verdinha que só vendo. Tem acerola, pinha, graviola, pitanga, seriguela, laranja, coco, fruta-pão, caju, mamão – doce que faz inveja a açúcar –, berinjela, cajá, cajá-manga, banana e até uns pés de pimenta, para temperar moqueca e espantar mau-olhado. Tá pensando! Estou até pensando em virar exportador! Margareeeeth!

Loura Linda, diga aí se você já ouviu falar na palavra “serigóia”. Pois é, estava hoje na varanda e escutei alguém xingar outro de “serigóia” e me avexei a pesquisar no doutor Google para saber o que danado é isso, e no que cheguei mais perto foi da “sericóia”, que é a Saracura-três-potes, uma espécie de ave que vive em áreas alagadas do pantanal mato-grossense e também México e Argentina. Fiquei matutando como danado chegou essa sericóia por aqui e não sosseguei enquanto a danada não voltou. Pois num é que a pessoa tinha as pernas longas e era magra que só uma sericóia! Sei não, viu! Pedrinho de Lucinha certa vez me disse que no fundo do mar tem toda espécie de criatura igualmente em terra. Perguntei: – Pedrinho, e tem gente? – Tem veio, eu num mergulho lá! – Eh, tem mesmo! Qualquer dia vou perguntar se tem sericóia e parece que estou vendo a resposta!

Por aqui apelido é que não falta e tem cada um que nem nos melhores dicionários do mundo se consegue a tradução. Meu amigo Zé Mago, que agora ganhou mais um apelido, que depois eu conto esse moído, é quem mais bota apelido no povo. O cabra é bom de ajuntar letras e basta olhar para uma pessoa que o apelido já vem na ponta da língua. Dia desse chamei Zé Mago para um bate papo na mesa que tenho embaixo do pé de nim e pedi que destrinchasse os apelidos de Enxu. Foram tantos que enchi três folhas de caderno e só não enchi mais porque Zé recentemente teve um AVC e segundo ele, a doença fez a cabeça esquecer de uma ruma. Tem um, que foi goleiro do time, que tem dezenove apelidos e quando Zé irradiava o jogo, dizia tudinho numa tacada só.

Amandinha, Enxu Queimado é uma graça de se viver e um paraíso de encantos. É difícil encontrar um recantinho no litoral brasileiro mais gostoso do que esse. Tem suas necessidades, suas mazelas como em todo lugar, mas no final da conta o que sobra é uma riqueza enorme de grande. Só em ter paz e as pessoas poderem andar despreocupadamente a qualquer hora do dia ou da noite, já é uma riqueza que não tem preço. – Quer ver eu criar ciumeira e dar o que falar? – Gostoso fica aqui bem pertinho, mas nem de longe tem a gostosura que tem Enxu!

Amanda Isabella Palma Mattos, a Loura linda de Nelsinho, venha aqui filhota. Venha conhecer um lugar que dificilmente as pessoas deixam de se apaixonar. Venha ver as belezas encantadoras das dunas e do coqueiral que declama poesias ao vento. Venha sentir o frescor dos alísios do Nordeste que por aqui declaram amores ao mar. Venha se banhar em um mar de águas mágicas e caminhar em um infinito de praias de areias branquinhas e livres de poluição. Venha ver as jangadas em seus belos bailados. Venha ver a Lua mais bela. Venha filhota, venha viver um mundo que só tem em Enxu.

Beijo, Filha e não demore!

Nelson Mattos Filho

Escritos de uma segunda de Carnaval

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O Carnaval já vai alto pelas dunas e coqueirais de Enxu Queimado e pelo eco das músicas – músicas? – que invadem o povoado, poderíamos até dizer que é mais um Carnaval que se vai sem deixar saudades, mas aí seria demais, porque cada geração tem suas músicas preferidas, porém, nem todas tiveram a alegria de ter vivido os tempos dourados dos geniais compositores e letristas. Mas tem nada não, enquanto os gênios ficam esquecidos, sem querer, vamos cantarolando uma tal de Tu Tá na Gaiola, com “versos” que dizem assim: “…Ei, tu tá na gaiola….Cheiro de maconha boa….Várias piranha jogando….Ei, tu tá na gaiola….Vem sentando na piroca….Ei, tu tá na gaiola….Vai descendo a buc….tá na gaiola…”. Enquanto o tal Mc Kevin, emplaca sua loa de violação, as novinhas e os defensores dos direitos da mulherada, fazem coreografias em frente aos palcos e paredões Brasil afora! – E depois? – Ora, depois é outro dia!

Eita que esse mundão tá virado num traque e o Mc Kevin é apenas um tiquinho de nadica de nada em meio ao fogaréu da fuleragem e sua “música” foi feita apenas para um verão e ponto final e quem achou ruim, é porque nem advinha o que virá amanhã. Deus é mais, ou menos, já nem sei mais!

E por falar em fogaréu, os meninos das ciências do tempo anunciam que o mundo está bem pertinho de pegar fogo. Eles apostam que lá pras bandas de 2100 – bem pertinho, viu! – o Sol vai torrar o juízo de quase 50% da população do “planetinha azul”. Dizem que será uma onda de calor tão monstruosa que nem o “tinhoso” jamais imaginou. – Sabe em quem eles põem a culpa? – Pois é, em nós mesmo, mas nos acusam de uma forma tão relativista que a sentença entra por um ouvido e sai ligeiro pelo outro. Tomara que Santo Antão do ventilador ponha as barbas de molho e bote as ideias para funcionar, senão, os nossos netinhos tão ferrados, ou melhor, torrados. Mas vou logo avisando, viu Seu Sol: – Já deixei de usar os famigerados canudinhos, não jogo lixo na rua, não poluo os oceanos, nem os rios, gosto de cerveja gelada e de umas cachacinhas para esquentar o pé da orelha. “….tu tá na gaiola…” Homi, vai pra lá! Pense numa bixiga insistente!

E por falar nas coisas do tempo, pois num é que São Pedro resolveu abrir as torneiras do Céu durante o Carnaval. O Céu está bonito que só vendo e a chuva tem dado o ar da graça todos os dias. A mata da caatinga que cerca essa Enxu mais bela está uma boniteza sem igual. As borboletas fazem a festa em meios as flores do mato e a bicharada tem andado com riso de orelha a orelha. E os barreiros? Eita que tão de água de ponta a ponta. É tanta água que não chega um carro por aqui que não venha pintado de marrom. Já ontem mesmo, o amigo Lutero convidou para tomar leite no curral, diretamente do peito da vaca, mas foi logo avisando que a estrada estava difícil. Deixei quieto e guardei o convite para usar mais na frente. Tem tempo, tem tempo!

Mudando o ar da graça, nesses dias de reinado de momo tenho navegado pouco pelos portais de notícias e mais pelas estripulias das trincheiras das redes sociais, para saber os moídos dos pierrôs e colombinas e tenho comprovado que esses personagens não são mais os mesmos e nem deveriam ser, pois caíram no alçapão da gaiola e perderam o passo do frevo e das velhas marchinhas. Aliás, sempre que passo a vista pelas manchetes da grande mídia, me apego no mesmo mantra de mané luiz, que dá até uma dor de tanta falta de criatividade jornalística. Será que os velhos mananciais do jornalismo também entraram na onda da gaiola? Os caras estão batendo na mesma tecla e nem se dão por conta. Não tem ninguém pensando diferente e todos estão agindo que nem cartomante, tentando adivinhar o futuro pelas cartas, ou melhor, por colunas mais ideológicas impossível. Quer saber: Com toda milacria, as redes sociais estão mil anos à frente das redações e prontinhas para jogar a pá de cal sobre a carniça. – Quer apostar? – Aposte não, pois quem apostou perdeu a última eleição!

Pensa que esqueci do Mc Kevin, esqueci não, e nem posso, seus sucessos comandam os paredões. Se não gostou da Gaiola, que tal Sobe balão e Desce B…..? Isso mesmo, Desce B…..! E ele “canta” assim: “…No baile da Colômbia/Hoje eu como uma ninfeta/No baile da Colômbia/Hoje eu como uma ninfeta…”.

Mas tudo bem, o Carnaval está no terceiro dia e hoje em Enxu Queimado é dia do bloco As Putas de Segunda, mas antes que você fique imaginando o reboliço, digo que é um dos blocos mais tradicionais do lugar, onde donzelos se vestem de donzelas e saem pelas ruas espalhando alegria, paz e amor. – E a música? – Bem, a música não é preciso puxar muito pelo juízo para apostar no estilo do Mc Kevin!

E lá vem as Putas! “…tu tá na gaiola…/…e não para não novinha…”

Nelson Mattos Filho

Elementos em fúria e velhas recordações

imageA força das ondas nas Ilhas Canárias, arquipélago que é uma das joias do turismo espanhol, foi de fazer tremer o coração daqueles que moram em residências ou edifícios praticamente debruçados sobre o mar. Com o mar não se brinca, assim diz o ditado, e o que aconteceu na costa de Tacoronte, em Tenerife, dia 18/11, foi mais um exemplo que felizmente trouxe apenas danos materiais e desassossego. Ao assistir o vídeo da fúria dos elementos, lembrei de um caso acontecido na Praia do Marco, litoral do Rio Grande do Norte, nos idos anos 90. Naquele tempo eu era um dos poucos veranistas da praia e da varanda fiquei observando um dos vizinhos, durante todo o dia, construir uma barricada com sacos de areia diante de sua casa. Para mim, pitaqueiro dos bons, aquele serviço era em vão e no finalzinho da tarde levei uma latinha de cerveja gelada para ele, que aceitou de pronto, e ao sentar sobre a areia falei: Rapaz, acho que esse serviço não terá sucesso, pois você deveria estirar essa barricada um pouco mais para os lados, senão, o mar entrará por lá e vai acabar destruindo a casa. Ele deu um gole na cerveja, olhou para mim e antes de levantar para ir embora, disparou: – Amigo, obrigado pela cerveja, mas você não entende de nada. Passar bem! Fiquei ali na areia mais um pouco, apreciando o pôr do sol, e voltei para casa. Pela manhã o trabalho do vizinho recomeçou e nem prestei mais atenção. Logo após o almoço, armei a rede na varanda e fiquei escutando o mar de ressaca roncar lá fora. Em dado momento um barulho surdo irrompeu o mundo e ao levantar a vista, notei que a varanda do vizinho não estava mais lá e o vi sobre a areia com os olhos arregalados. Fui até ele para prestar solidariedade e ele perguntou: – Como você sabia? Respondi: – Como assim se eu não sei de nada? Nunca mais ele falou comigo.    

Cartas de Enxu 30

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Enxu Queimado/RN, 20 de agosto de 2018

Papai, dizem por aí que os dias festivo são cavilações comerciais para alavancar venda e tem até quem passe por eles, como se nada de mais estivesse acontecendo e ainda declaram em alto e bom som, que são dias como outro qualquer e não tem do que comemorar. Claro que quem pensa assim está com razão, porque cada um pensa como quer, mas dizer que os dias normais não merecem comemoração, aí não sei não, viu! Só em ter tido a graça de ter vivido mais um dia já é motivo de comemoração, pelo menos é assim que vejo a vida.

Pois bem, Papai, hoje para mim não é um dia normal, pois não comungo da ideia dos que assim acham, e nem acho que só temos uma data especifica para homenagear pai, mãe, avós, filhos, família ou amigos, porque são pessoas tão especiais que merecem homenagens todos os dias, principalmente aqueles que já partiram para a casinha branca do Céu.

Pai, sei que o senhor se lembra, mas não me custa repetir e repetirei quantas vezes for preciso, que um dia lhe escrevi uma cartinha confessando que durmo e acordo pensando naqueles últimos momentos que estive ao seu lado, dando tudo de mim para vencer a corrida de barreiras que se transformou as ruas e avenidas do bairro do Alecrim. O senhor tentando dizer alguma coisa e eu, na loucura de vencer a batalha, sem saber decifrar suas palavras. Talvez nem houvessem palavras, talvez nem existissem sons, talvez tudo não passasse da esperança da vitória que eu apostava a todo custo, mas seu olhar falava, como sempre falou, e naquele momento, justamente naquele momento tão crucial, tão aflitivo, tão pedinte, os últimos momentos de seu olhar, onde eu tinha por dever e obrigação escutar, não consegui ouvir. Me perdoa Pai! Quem sabe uma noite dessas, entre as fases de sono REM e NREM, o senhor venha sussurrar em meu ouvido!

Mas, Papai, não se aflija com os meus mais desejosos desejos, pois esta missiva é para falar das coisas desse paraíso praia que me acolhe carinhosamente sob a sobra de uma cabaninha de praia. Sei que o senhor sabe de tudo que acontece em meu redor, mas me deixe contar, pois vá lá que alguma coisa passou despercebido.

Os dias por aqui caminham na maciez dos ventos e das correntes marinhas. Os festejos do Dia dos Pais foi uma festança na beira mar, com direito a regata de paquete e umas bandas que tocam as mesmas músicas, parecendo um disco enganchado. Só não entendo porque não contratam somente uma banda e pedem para tocar o repertório de frente para trás e de trás para frente, pois seria bem mais divertido e mais barato. Mas tudo bem, a festa foi animada, sem confusão e no final salvaram-se todos.

Papai, os ventos de agosto estão de fazer inveja a qualquer Saci Pererê. Fico só na saudade das lembranças dos meus dias a bordo do Avoante, quando passava horas estudando rotas e roteiros para aproveitar o vento da vez. Os de agosto eram os ventos que rendiam mais estudos e era quando o Avoante mostrava toda sua valentia e destreza, pois ele adorava deixar esteiras sobre as águas frias de fins de inverno e eu amava a brincadeira. Por aqui o coqueiral tem comido tocha e quem quiser que se meta a besta em caminhar sob a sombra das palhas, pois vez por outra o vendaval faz um coco despencar no vazio para se espatifar no chão com um barulho surdo. Thumm!

O peixe da vez agora é o serra e os cestos tem chegado aos barracões cada vez mais abarrotados. A lagosta, que está com a pesca liberada até final de novembro, este ano por aqui está igualmente a orelha de freira, todos sabem que existe, mas poucos tem visto. Quando aparece umas lagostinhas, os preços estão que nem os salários dos STF, lá nas nuvens. O povoado está arrumadinho, mas bem que poderia estar melhor, mas como no mundo da política as coisas caminham lento, lento vamos andando até onde as pernas deixarem. A água chegou, mais não chegou e muito pelo contrário. O reservatório foi recuperado, cada casa tem seu registro, as bombas foram acionadas, o bem da vida jorrou uns dias pelos canos e de um dia para a noite, a fonte secou e não tem uma alma viva para contar a justeza do motivo. Onde a falta de informação é uma verdade, a verdade não se faz presente!

Papai, agora que me avexei que essa carta era para lhe homenagear, mas fiquei de teretetê contando os moídos, que me dei conta que o papel está findando e a homenagem não saiu. Mas é assim mesmo, num é meu Pai? As vezes a gente quer contar tudo de uma vez que esquece do principal. A saudade é imensa, o nó na garganta nunca sara, as lágrimas vez por outra lavam os olhos, o coração se aperta e quer sair pela boca, as pernas amolecem, os joelhos dobram, porém, as lembranças e os ensinamentos brilham mais forte e indicam o caminho a seguir.

Sim, meu Pai, já ia esquecendo de dizer que Ceminha está cada dia mais linda, apaixonante, amada e tenho a mais pura certeza que o senhor tem cochichado nos ouvidos do Nosso Senhor e da Virgem Maria, para mantê-la sob dobrada proteção. E Nanã! Eita que Nanã é valente, viu Pai!

Beijo

Nelson Mattos Filho

O Farol de Enxu

20180819_092454Na semana passada postei no facebook o retrato de uma das artes arteiras de Lucia, que fincamos na entrada de nossa cabaninha de praia, O Farol. Aí, o casal Alípio e Gil, navegadores arretados de bons, que cruzaram os mares do mundo a bordo do veleiro Bar a Vento, e que o mar nos deu de presente em forma de grandes amigos, pediu para incluir na postagem as coordenadas geográficas do “Farol de Enxu” e quando um velejador pede um waypoint e com vontade de traçar rota ligeira até o mesmo, aí vai: S 05º 04.296’ / W 035º 50.956’. Pronto, agora é botar a cerveja para gelar e esperar que a vela do Bar a Vento surja no horizonte.  

Cartas de Enxu 29

4 Abril (164)

Enxu Queimado/RN, 09 de julho de 2018

Mas Governador, porque danado você não veio a Enxu Queimado, homem de Deus? Se foi pelo motivo alegado, na entrevista a um blogueiro da região do Mato Grande, acho que foi fraqueza de sua parte. Onde já se viu um governador se intimidar com protestos, ainda mais protestos que impedem a passagem da mais alta autoridade de um Estado em viagem oficial para cumprir compromissos? Sei não viu! Se eram baderneiros, como você falou, mandasse a polícia desobstruir a via. Se eram moradores, reclamando melhorias prometidas e nunca realizadas, fizesse valer o bom diálogo democrático e desse por resolvido a peleja, mas não pisar no lugar, dando meia volta enquanto estava a mais de 60 quilômetros de distância, foi surreal. Será que o senhor estava de olho no regabofe da fama em São Miguel do Gostoso, para onde se dirigiu após decidir não vir aqui?

Mas tudo bem, ou tudo mal, sei lá, aquele 4 de julho era mesmo dedicado a São Tomé, o israelita, aquele que só acreditava vendo, e sendo assim: Eu não estava acreditando que o Governador do Rio Grande do Norte não viria a Enxu inaugurar uma obra tão importante para a população, tão significativa em termos de ganho para a saúde pública. Obra que esse pequeno povoado praieiro esperava há mais de 40 anos e que deve ter custado uma bagatela do orçamento do Estado. Pois é, o senhor não veio e água encanada de boa qualidade foi liberado sem o tradicional “batismo” oficial. Dizem que quem não é batizado vira pagão. Será que o senhor vai permitir que a água encanada de Enxu Queimado, liberada em 04 de julho de 2018, siga pela história com essa mácula? Água pagã? Faça isso não governador Robinson Farias, deixe de birra e venha cumprir sua obrigação.

Dizem que certa vez o presidente Juscelino recebeu uma sonora vaia ao chegar a uma cerimônia oficial, mas não perdeu a pose e nem sua condição de líder popular, que sabia decifrar a linguagem do povo, ao declarar: “feliz é a nação que pode vaiar seu presidente”. Bastou dizer isso para os aplausos comerem no centro. Governador, tem um ditado que diz que “triste é o poder que não pode”. Não o poder de fazer e meter os pés pelas mãos em atos escusos, mas o poder do bem fazer, de proporcionar melhorias, de caminhar de cabeça erguida em meio a população sem ser apontado por algum dedo acusador, de ter a alegria de prestar contas de seus atos e esses estarem limpos e transparentes. Pois é Governador, o presidente Juscelino Kubitschek, com maestria, mudou o rumo de um momento delicado, pois tinha absoluta certeza do poder que tinha. Não que a história do mito de Diamantina não tivesse fases obscuras, mas ele entrou para a história de cabeça erguida e desfazendo obstáculos.

Claro que o senhor lembra do episódio com o deputado Ulisses Guimarães, oposicionista e líder do MDB em plena ditadura militar, quando caminhava com o grupo de campanha pelo centro de Salvador/BA e deu de cara com uma barreira formada por soldados armados de fuzis e segurando cachorros. Sem aliviar os passos, Ulisses disparou: “Respeitem o presidente da oposição”. Sendo assim, empurrou o cano de um fuzil para o lado, abriu caminho e seguiu em frente com o grupo que o acompanhava.

Pois é, governador Robinson, fico aqui pensando na sua não vinda a Enxu Queimado com medo de enfrentar manifestantes, que nem eram tantos assim. O que terá passado por sua cabeça? Será mesmo que o senhor achava que a população dessa praia linda e maravilhosa iria rechaçar sua vinda, ainda mais sendo para dar vida a um sonho antigo? Os meninos que estavam na “barreira” têm suas magoas, mas não são meninos maus a ponto de pretender agredir um governador. No máximo o senhor levaria uma sonora vaia e quem sabe uma chuva de ovos, porém, isso faz parte do enredo dos regimes democráticos. Dizem, que não ouvi, que uma de suas promessas de campanha por aqui, foi que traria a água e faria o asfalto na estrada que liga Enxu a Pedra Grande, sede do município. A promessa da água está cumprida, mesmo sendo uma água pagã, mas o asfalto foi esquecido e é justamente aí que o bicho pegou, porque a estrada, que o senhor não viu porque desistiu de vir, está em estado lastimável, para não dizer outra coisa. Aliás, não viu a estrada e também não viu as belezas da região, não viu o maravilhoso parque eólico, a fábrica de torres, não viu a beira mar que precisa de ações urgentes, pois Netuno ameaça invadir com seus exércitos, não visitou uma comunidade alegre e em paz. Em paz sim, pois neste paraíso ainda não chegou a tal violência que assombra seu governo. Não sentou na beira mar, sobre uma jangada, para bater um papo descontraído com essa gente feliz. E o pior, não sentiu o sabor de uma suculenta posta do peixe serra, acompanhado de uma cerveja gelada. Eita que é bom demais, homi!

Venha governador Robinson Faria. Venha sem medo e inaugure a obra por seu governo construída. Se o povo tiver de cara feia, desça do carro, abra um sorriso e chame os meninos para uma conversa de pé de ouvido, que garanto que serás bem-sucedido.

Nelson Mattos Filho