“Cuidai para que ninguém vos iluda” (Lc 21, 8). Nesse tempos de promessas e rinhas eleitorais nada melhor do que se apegar e refletir nas palavras do Padre João Medeiros Filho, seridoense das paragens abençoadas por Sant’Ana, Mãe da Virgem Maria e avó de Nosso Senhor.
“O conto do vigário” é bem antigo. Pode-se encontrá-lo nos primórdios da história. Segundo estudiosos de literatura, faz-se presente na metáfora de Adão e Eva. É possivelmente a sua primeira manifestação. Considera-se como texto precursor a narrativa da serpente, induzindo Eva a comer do fruto proibido (Gn 3, 1ss). Outro relato bíblico (com algumas adaptações) nessa direção seria o episódio de Jacó, enganando o sogro Labão. Propôs a este que lhe desse os filhotes de cabras que nascessem malhados. Ele concordou, certo de que muitos teriam uma só cor. Jacó elaborou um plano. Pegou algumas varas de plátano, deixando expostas as partes claras e escuras e colocou-as perto das gamelas com água. Quando as cabras iam beber o líquido com os cabritinhos, Jacó aproveitava para tingi-los. Sua esperteza teria sido uma revanche contra o pai de sua esposa Lia, o qual não lhe dera em casamento a filha caçula Raquel, por quem era apaixonado. (Gn 30, 25 ss).
Na língua portuguesa há várias versões sobre a origem da expressão. Uma delas é brasileira. Origina-se na disputa de dois padres pela posse de uma bela imagem da Virgem Maria. Os presbíteros eram titulares respectivamente das paróquias de Nossa Senhora do Pilar e Nossa Senhora da Conceição, de Ouro Preto (MG). O primeiro sacerdote propôs ao colega amarrar a escultura sobre um burro. Onde este parasse, ali ela ficaria. Acontece que o pároco de Pilar era o dono do animal, acostumado com o caminho da igreja paroquial. Intitularam a história de “conto do vigário.”
Outras versões são mais antigas e vêm de Portugal. Existia um falsário, comerciante de gado, oriundo do Conselho de Ribatejo, denominado Manuel Peres Vigário. Os casos de dolo passaram a ser chamados “conto do vigário”, em alusão ao sobrenome do fazendeiro, mentiroso contumaz. Há outra variante, proveniente da região do Minho. O cura de uma freguesia costumava encomendar aos carpinteiros os bancos para a matriz. Na hora de pagar, o padre dizia-lhes: “Deus vos pague.” E assim enganava os artífices. Na aldeia, qualquer história semelhante passou a ser denominada “conto do vigário.” O apóstolo Paulo já advertia os cristãos de Éfeso: “Portanto, abandonando a mentira, cada um diga a verdade a seu próximo, pois somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25).
Com o decorrer dos anos, as ações dolosas vão sendo capituladas em lei. Na legislação brasileira preveem-se punições para os que cometem tais atos com o intuito explícito de ludibriar o próximo. Os comportamentos e hábitos sociais evoluem. E assim, criou-se entre nós outro tipo de “conto do vigário”, mais abrangente e deletério: o eleitoral. Este é sutil, sofisticado, arquitetado por especialistas, além de ser custeado com o dinheiro dos contribuintes (Fundo Partidário). Verifica-se tal postura em certos candidatos a cargos eletivos. No Brasil, vem se transformando em tradição. Dos relatos bíblicos, infere-se que conduta análoga existia na época de Cristo, a ponto d’Ele advertir seus discípulos: “Cuidai para que ninguém vos iluda” (Lc 21, 8).
Com a propaganda eleitoral em curso, não faltarão falas burlando os eleitores. Vários autores têm consciência de suas atitudes. Embora com exceções, não se constatam sanções legais aplicadas a essas práticas. À luz da ética e da justiça, trata-se de um dano social ou coletivo, além de ser uma inverdade, incluída no oitavo mandamento do decálogo judaico-cristão. Cabe lembrar as palavras do Evangelho: “Vós tendes por pai o diabo e quereis fazer os seus desejos. Ele é homicida e não permaneceu na verdade. Quando profere mentira, fala do que lhe é próprio, pois nele não há verdade.” (Jo 8, 44). Iludir e prometer o que não se vai cumprir, esconder objetivos impopulares são alguns dos engodos que costumam circular em programas e pronunciamentos de candidatos. “Mentir, mentir, alguma coisa ficará” (segundo Voltaire), parece ser o mantra preferido de muitos pretendentes a cargos públicos. O Brasil, um país de tradição cristã, demonstra ignorar as palavras da Sagrada Escritura: “Para mim não existe alegria maior: saber que meus filhos trilham os caminhos da verdade” (3Jo 1, 4).