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34ª REFENO – “Aos homens do mar”

REFENO

Próximo sábado, 23/09, acontecerá a largada para a 34ª REFENO – Regata Recife/Fernando de Noronha. Com mais de 90 barcos escritos a prova promete ser uma das mais disputadas devido a lista dos barcos anunciados, entre eles o recordista da prova, com menos de 15 horas para cruzar às 300 milhas entre Recife e a Ilha Maravilha de Fernando de Noronha, em 2007, o catamarã Adrenalina Pura, que na época navegou defendendo as cores da Bahia e este ano volta revigorado defendendo a bandeira de Pernambuco. Por mais de 11 anos participei da prova a bordo do Avoante e dois outros veleiros de amigos e hoje fico na saudade e na torcida por todos que participam dessa prova que é a cereja do bolo de todo velejador brasileiro. Deixo aqui o meu abraço aos que fazem o Cabanga Iate Clube de Pernambuco, aos comandantes e tripulantes, presenteando-os com duas poesias, escritas pelo saudoso Doutor Perboyre Sampaio, outrora tripulante do veleiro potiguar Jazz II.

Vale registrar que a primeira poesia virou canção e elas foram escritas após receber o convite para participar da REFENO 2005. Até aí Perboyre nunca havia velejado.

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B.O.

BO

Um acidente entre uma balsa e um veleiro nas águas amazônicas me faz recordar vários outros que presenciei e tive conhecimento durante os anos que vivi a bordo do Avoante, descendo e subindo o litoral do Nordeste brasileiro.

O veleiro Matajusi, que fazia o rumo da volta, após participar do BRally Amazon, uma aventura de 500 milhas náuticas pelos rios e afluentes que banham a grande Floresta, foi abalroado por uma balsa, enquanto ancorado, em frente a uma marina, em Belém do Pará.

Pelas informações recebidas, graças aos deuses protetores dos navegantes, a “barruada” causou apenas danos materiais reparáveis, algumas trocas de farpas amaciados pela mata e um grande susto que quando lembrado provocará arrepios na espinha.

No final de 1998, ano em que fui picado pelo vírus que povoa as entranhas dos veleiros, em frente ao Iate Clube do Natal, havia um veleiro azul, de bandeira francesa, com uma enorme placa de ferro tapando um rombo na lateral do casco. Fiquei sabendo que o veleiro havia sido abalroado, durante a madrugada, por uma balsa que fazia a travessia de automóveis entre a cidade do Natal e a praia da Redinha. O acidente foi traumático, por uma fração da sorte não causou vítimas fatais e o veleiro só não foi a pique por agilidade dos envolvidos em direcioná-lo para as águas rasas da margem do Rio Potengi.

Aberto o inquérito pela Capitania dos Portos do RN, que atestou a culpa do comandante da balsa, a peleja levou anos – se não me engano, mais de dez anos – até ser desalinhavada e o reparo ser executado. Durante o longo período de imbróglio a empresa proprietária da balsa bancou o aluguel de uma residência, próximo ao clube, para a família francesa.

Nos preparativos de uma Refeno – Regata Recife Fernando de Noronha, o lendário catamarã baiano Adrenalina Pura, que até os dias atuais detém o recorde da prova, com pouco mais de 15 horas para navegar a distância de 300 milhas entre Recife e Noronha, estava todo serelepe, brilhante e embandeirado no fundeadouro do Cabanga Iate Clube de Pernambuco, quando uma lancha, ao fazer uma manobra de atracação, entrou como um míssil na banana de bombordo do Adrenalina, abrindo um rombo considerável no casco e tirando do barco baiano a chance de bater seu próprio recorde.

O comandante da lancha até tentou se desculpar alegando falta de freio, mas daí o frevo foi grande e os insultos podiam ser ouvidos muito além do Marco Zero. A turma do abafa entrou em ação, os guerreiros do Axé e os caboclos de lança do Maracatu se aquietaram, a coordenação da prova se apressou em adiantar o chopp e as nuvens de tempestade se dissiparam quando o batuque do bumbo anunciou a entrada no recinto dos bonecos de Olinda.

A turma da resenha, no palhoção do Cabanga, conta que certa feita um veleiro monotipo entrou feito um torpedo no casco de uma lancha – será que o caso do Adrenalina foi revanche? – e assim o velejador passou a ser conhecido como Torpedo e um sobrinho, dele, ainda menino, herdou a alcunha no formato diminutivo. Veja bem, viu doutor Torpedinho, apenas estou contando o conto de um “muído” contado. Mas se quiser zanga, lhe aguardo no sombreado de uma certa cabaninha em Enxu.

Um velejador potiguar comprou um trimarã, precisando de uns “ajustes”, e se danou na reforma. Meses depois quando colocou o barco na água para tirar a prova dos nove da reforma, convidou um colega para participar do teste. Ao iniciar a velejada o colega percebeu que a cabine reformada estava impedindo a visão da proa, o que imediatamente foi contestado sob alegação que era assim mesmo, que para olhar a proa bastava levantar e olhar ao longo dos bordos. Para comprovar o que dizia, ficou em pé e no segundo seguinte estavam os dois jogados sobre o convés, com os olhos arregalados, sem saber o motivo do estrondo e muito menos em que haviam batido.

Ao se refazerem do susto, desnorteados, viram que o barco estava trepado em uma boia encarnada do canal. Avaliaram o estrago, se desvencilharam e voltaram ao clube. O proprietário emburrado, soltando impropérios ao vento, e o colega dizendo: “Bem que falei que não dava para ver a proa”. As más línguas no palhoção contam que a Marinha batizou aquela sinalização como Boia de Cláudio. Não vi nada oficial, mas já que dizem…

Foi num moído assim que um gringo, ao se envolver em uma batida de trânsito numa avenida brasileira, desce do carro e diz: – Hello!! O brasileiro olhando o estrago em seu carro responde: – Relo nada, amassou foi tudo!

Nelson Mattos Filho

Corrigindo o rumo

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Pois foi, na hora de caçar a vela puxei a escota errada e só dei por fé quando o barco panejou e a tripulação, sempre alerta, gritou: – Comandante, qual o rumo mesmo?  No texto, O velejador que faz bumbo, o Gustavo, Guga, é o Peixoto, o Pacheco é o “Rato”, que não faz bumbo, mas assim como o outro é lenda viva do iatismo brasileiro. E sendo assim, a cabeça de vento desse escrevinhador trocou Peixoto por Pacheco, mas já desfez o rebuliço     

O velejador que faz bumbo

AVE RARAGUGA

Tem personagens no mundo dos veleiros que são impagáveis e suas estórias navegam por entre ondas de causos e lendas a alegrar bate papos, regados a cervejas geladas, nos palhoções dos clubes náuticos. No rol das boas estórias da vela de oceano, não podem faltar as estripulias do grande Guga, Gustavo Peixoto, comandante em chefe da nau pernambucana Ave Rara, barco que ele defendia e fazia voar baixo como nenhum outro.

Certa vez a flotilha da REFENO foi alertada que uma frota de navios de guerra dos EUA poderia cruzar a rota entre Recife e a Ilha de Fernando de Noronha, e os comandantes dos veleiros deveriam manter vigilância redobrada durante a prova. Porém, os navios da marinha brasileira, que acompanhavam a regata, não informaram, não sabiam ou não podiam, em que momento se dariam o rumo cruzado. A frota americana cruzava os limites do mar brasileiro em rumo batido para o Golfo Pérsico, com as baladeiras afiadas e azeitadas para trocar desaforos com os iraquianos, povo brabo que nem siri numa lata.

Naquele tempo, as exigências da Marinha, para os participantes da REFENO, não passavam de uma lista de recomendações, desejos de boa navegada e uns pra que mais dos defensores da natureza da ilha maravilha. Com as informações anotadas na cachola dos comandantes e tripulantes, a flotilha partiu do Marco Zero, no Porto do Recife, caçaram as velas e logo que deixaram a Boia Norte por bombordo, aproaram no rumo 60º e mandaram ver. – Guga, tá lembrando dos navios de Tio Sam? – Homi, esqueça isso e cace mais essa genoa, pois daqui a pouco quero tomar uma em Noronha!

No meio da madrugada Guga avistou luzes se aproximando por bombordo, mas manteve o rumo e ouviu o chamado pelo VHF, com ordem para se afastar do rumo dos navios da frota dos EUA. Sem pestanejar, pegou o microfone e disparou: – Se afastem vocês, pois estão no meu país e não vou mudar o rumo, não! Imediatamente um helicóptero deu um rasante ameaçador sobre o Ave Rara e quando acenderam um holofote para ver quem era o maledicente, só avistaram um dedão estirado.

Os porres de Guga na ilha são homéricos e numa noite ele chegou na frente da casa de Carlinhos, ponto de encontro da turma de Natal e onde sempre fazíamos churrascos comunitários, tomado de dores com alguma desavença no Bar do Cachorro. Com o álcool em nível elevado, ele nem conseguia completar as frases e como ninguém entendia patavina, ele começou a arrastar os pés para trás. Vendo a cena, o velejador Fernando Luiz perguntou a Carlinhos: – Porque ele está ciscando? – Sei lá, acho que ele acha que é um galo!

Joca, outra figura impoluta, conta que uma noite ele e Guga vinham da Baía Sueste, em direção ao Porto, quando passaram na frente de uma pousada chique, deram de cara com um casal bem-apessoado, que fizeram festa ao ver Guga e até convidaram para um drinque, que por incrível que pareça, não foi aceito. Ao se despedirem, Joca perguntou quem eram. – Estudaram comigo. Ele é cardiologista e ela é juíza federal. – Como assim, estudaram com você? – Joca, a vida é assim, tem gente que dá certo e tem gente que não dá. Pra mim deu certo, pra eles não! E assim, seguiram rindo noite adentro.

Certa noite na casa de Carlinhos, de onde se avista a mais linda paisagem do Porto de Santo Antônio, perguntei a Guga o que ele fazia quando não estava velejando: – Eu faço bumbo, velejar é hobby. – Faz bumbo? – Sim, fabrico bumbo para um monte de bandas de Pernambuco e de São Paulo. E agora estou montando o bloco “Tá podre, mas tá bom”, para participar do Carnaval de Olinda e azucrinar o “sistema”! – Eu posso fazer parte? – Claro que sim!

Numa regata Fernando de Noronha/Natal, a primeira após a inauguração da Ponte Newton Navarro, sobre o Rio Potengi, a comissão de prova, ao dar as coordenadas, salientou que as luzes da Ponte eram avistadas a partir de 15 milhas e, para quem se aproximasse de Natal, na madrugada ou a noite, não tinha errada. Como o Ave Rara sempre chegou em primeiro e durante o comecinho da madrugada, a tripulação não conseguiu visualizar a iluminação alardeada. No desembarque foram informados que a fiação havia sido roubada. No dia seguinte, na hora da premiação, Guga falou: “– A Ponte está apagada por um motivo justo: Distribuição de rendas!”.

O velejador Gustavo Peixoto, é um cara literalmente com os pés no chão e quando não está velejando ou fazendo bumbo, tem sempre uma latinha de cerveja ou uma dose de cachacinha na mão. É um cara do bem, de personalidade forte e extremamente sincero. Com Guga não tem meio termo e era pensando assim que ele assumia a cana de leme do Ave Rara, em Recife, e só desgrudava quando cruzava a linha de chegada no Boldró. Como ele dizia: “Sem tirar de dentro! ”.

Nelson Mattos Filho

Fita Azul

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“Em simbolismo, fita azul é o termo usado para descrever algo de alta qualidade. O uso veio da banda Azul, um prêmio concedido, por linhas de passageiros, a barcos que cruzam em menor tempo o Oceano Atlântico ou o primeiro barco a cruzar a linha de chega de uma regata, a famosa Blue Riband – Fita Azul. ”

Recorri ao Wikipédia para ilustrar a definição de Fita Azul no acirrado mundo do iatismo, mas não precisava, porque foi uma das primeiras coisas que aprendi, com o comandante Cláudio Almeida, quando entrei no mundo dos veleiros, tendo ele como professor.

Ao navegar por entre os veleiros da regata Fernando de Noronha/Natal ancorados em frente ao Iate Clube do Natal, em 1999, percebi que apenas um barco exibia uma fita azul tremulando no alto do mastro e perguntei a Cláudio o motivo. Ele disse que aquele tinha sido o primeiro barco a cruzar a linha de chegada, receberia um troféu, era o mais festejado, mas não significava que seria premiado na classe que participava. – Poxa, se ele foi o primeiro a chegar entre todas as classes, como não será o primeiro na classe dele? – Nelson, as regras de regata levam em conta uma série de fatores, medições e um dia você irá entender, mas o bom mesmo é competir.

Pois é, eu nunca consegui entender as regras de regata, mas também nunca fui um competidor apaixonado, apesar de ser feroz incentivador e ter participado de inúmeras. Usava as competições eletrizantes para aprender um pouco mais sobre regulagem de velas, conseguir o máximo de rendimento do barco, porém, no pódio, nunca alcancei o degrau mais alto.

O troféu que mais festejei foi o penúltimo lugar em uma REFENO – Regata Recife/Fernando de Noronha, Troféu Tartaruga Marinha, que além da enorme fuzarca na noite da premiação, tive aos meus 15 minutos de fama ao ser entrevistado pela TV Golfinho. Aliás, ganhei também o Tartaruga Marinha, no mesmo ano, na outrora regata Fernando de Noronha/Natal. – O Avoante é um barco lento? – É não, o comandante que era meio desligadão!

Voltando ao Fita Azul, o barco que mais vi ganhar a premiação foi o trimarã pernambucano Ave Rara, com o fabricante de bumbo, Guga, no comando. Mas foi na REFENO 2013 que percebi que a Fita tão desejada estava começando a desbotar, chamuscada pelas labaredas das fogueiras das vaidades.

Naquela edição da prova, o veleiro Magia V, comandando pelo Torben Grael, chegou em primeiro, mas a Fita Azul foi entregue ao Ave Rara, que chegou minutos depois. O argumento da comissão de prova foi que o veleiro pernambucano havia largado 30 minutos depois e por isso, entre contos, pontos e contrapontos, decidiram que era justa a premiação. No alto do pódio, Guga envergonhado pela decisão, recebeu a Fita Azul, fez um breve discurso de protesto e se dirigiu ao Torben para entregar o troféu que por direito lhe pertencia. E assim, uma Fita Azul, dividida ao meio, tremulou na ancoragem do Porto de Santo Antônio.

Nos dias de hoje, quando vejo a premiação de Fita Azul sendo distribuída indiscriminadamente entre as várias classes de veleiros de uma regata, com a intenção apenas de amaciar o ego de alguns, fico imaginando em qual quadrante de vento deixamos para trás a ética náutica tão cultuada pelos iatistas do passado.

Certa vez, em um bate papo sobre as tábuas da varanda do clube baiano Angra dos Veleiros, um amigo regateiro e medidor de veleiros, se esforçou para justificar que o novo entendimento, de uma Fita para cada classe, era um incentivo a mais para os competidores e era mais do que justo. Olhei para ele, pensei em responder, ele baixou a cabeça, para não me encarar, sorriu amarelo, e falei: – João, traga outra cerveja cu de foca!

Eh, Cláudio Almeida, jamais esquecerei seus ensinamentos, mas aquela Fita não é mais azul. Sou mais o troféu Tartaruga!

Nelson Mattos Filho

Há duas décadas…

VELEJADORES DEZEMBRO 2000

…um grupo se reuniu em frente a uma casinha de praia, debruçada sobre o mar do litoral Norte do Rio Grande do Norte, para posar para um retrato. A imagem, retirada do tempo para dar vida a uma saudade, ficou esquecida entre velhos álbuns, em algum recanto de despensas empoeiradas, e de tanto ser jogada aqui, ali, acolá, perdeu o brilho da cor e ganhou a magia luminosa e ofuscante de inesquecíveis momentos vividos….

Corria o ano da virada do milênio e eu completava dois anos engatinhando no mundo da navegação como feliz comandante de um Day Sailer, um veleirinho branco com nome poético, Laura Cristina, quando aportaram no rio Potengi os veleiros participantes da regata Fernando de Noronha/Natal, trazendo a bordo um grupo que deixou marca histórica na vela de cruzeiro brasileira e preencheu de alegria as dependências do Iate Clube do Natal.

Foram dias de intensa atividade social e encontros de bate papos e de maravilhosos ensinamentos náuticos. Durante aqueles dias conheci boa parte do litoral Leste e Nordeste do Brasil, mesmo sem sair do bem bom do palhoção do clube, porque o nível de conhecimento, a facilidade de comunicação e a fluidez da conquista daquele grupo era fantástico.

Certa feita, convidamos o grupo, 16 pessoas, para passar um final de semana em nossa casa de praia, na Praia do Marco, e após várias negociações para fechar uma data que desse certo para todos, porque alguns tinha manutenções a terminar a bordo, embarcamos em uma Kombi e dois carros alugados e pegamos a estrada.

O combinado era um final de semana, mas a turma gostou tanto do lugar, que ficou doze dias e se fosse pelo gosto, alguns tinham ficado por mais tempo. Naquele ano a Praia do Marco era um paraíso de poucas casas, onde podíamos dormir com as portas abertas e sem nenhuma preocupação com segurança. Naqueles dias, a nossa rotina era caminhar na praia, fazer churrasco, tomar cerveja, falar sobre navegação, barco a vela, mar, mais cerveja, boas risadas e tecer a colcha de retalho onde se agasalham bons e queridos amigos.

…vinte anos depois, durante um trágico e delicado momento do planetinha azul, Lucia reencontrou a foto e ao bater o olho na imagem, o filme daqueles dias maravilhosos começou a rodar em câmara lenta em minha cabeça de vento, realçando os velhos personagens de um dos mais sublimes grupos de velejadores que tive o prazer de conviver e por mais que o tempo tenha desenhado lacunas, barreiras e percalços ao longo da navegada da vida, tenho a mais absoluta certeza que cada um ali retratado sente-se parte de uma irmandade…

…E partir daquele início de milênio, minha vida tomou outro rumo….

Em pé, da esquerda para a direita: Atila Bohm, Nelson, Fernando Niedermeier, Miriam Niedermeier, Katie Niedermeir, Adriani Mudri, Tulio Mudri (in memoriam), Augusto (baleia), Regina e Walter Michel do Azular. Abaixados: Walter Garcia, Cristiane, Lucia, Alexandre do Azular, Cláudia Bohm, Érica Bohm, Mayara Garcia, Ana Paula do Azular e quem tirou o retrato foi o Erik Niedermeier.

Um brinde aos deuses dos oceanos, dos ventos, da natureza e a todos os deuses que fazem da vida um poço sem fim de água boa e que por encanto, regem e abençoam os mistérios e segredos que norteiam as boas amizades!

– Se eu daria um nome ao grupo? – Claro que sim, Grupo Tulio Mudri, uma criança apaixonante que observava o mundo com o olhar muito além da linha do horizonte.

Nelson Mattos Filho

Esportes em tempos de pandemia

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A Liga Mundial de Surfe anuncia que a edição 2020 está cancelada devido os desdobramentos da pandemia da Covid-19. Segundo Erik Logan, CEO da entidade que administra a Liga, se a situação sanitária no mundo permitir, a edição 2021 terá início em novembro deste ano, em Maui, com a disputa das mulheres, e os homens entraram na água em dezembro, em Oahu, mas nada é certo, apesar da organização acreditar que o surfe é um dos esportes mais adequados para as competições serem realizadas com segurança durante a era da Covid.

Passando a vista para observar decisões tomadas pelos dirigentes de outros esportes, vejo que o futebol forçou o avanço da linha de impedimento, os bandeirinhas fizeram ouvidos de mercadores e na midiática fama de esporte das massas, acomodou juízes, governantes e os milhares de pseudos analistas das teorias médicas nas arquibancadas e correram para o abraço da torcida.

Já os barqueiros do iatismo, estão com um olho no vento e outro pastorando as nuvens pandêmicas que escurecem o horizonte. As grandes competições internacionais e brasileiras estão com as velas recolhidas e muitos barcos já estão agasalhados e hibernando nos pátios dos clubes a espera do calendário 2021, porém, a Refeno – Regata Recife/Fernando de Noronha, apesar da ilha maravilha ser um habitat sensível e com sistema de saúde fragilizado, segue em rumo batido, nesse mar tempestuoso, para o tiro de largada, em outubro.

Ah, a foto é do campeão mundial de surfe 2019, o potiguar Ítalo Ferreira, criado e formado nas ondas de Baía Formosa/RN.

Cartas de Enxu 52

7 Julho (32)

Enxu Queimado/RN, 08 de outubro de 2019

“…não é só falar de seca, não tem só seca no sertão…”.

Pois é, caro amigo Bardou, assim cantou o poeta cearense enquanto olhava o açudão impanzinar, e hoje, vendo a seca medonha que se avizinha sobre a barra do nascente, estendendo tentáculos em brasa pelos cantos, recantos até se adeitar nas nuvens acolchoadas do poente da terra seca, coberta de uma mata ainda levemente colorida com as cores verdes das chuvas que já vão ao longe, reconheço como uma reza as palavras do poetinha cantador lá das bandas do Orós. Aí você diria: – Mas o que danado tem esse praieiro, aboletado em uma rede sob a sombra de uma varadinha de praia, para se avexar a falar de seca? Falo sim, meu amigo gaúcho, pois é nas paragens desse tiquinho de Nordeste, chamado Enxu Queimado, que se abrem as porteiras de um sertão brabo como espinho de jurema preta, afogueado feito rosto de vaqueiro valente, povoado de boi tinhoso, curtido no sol e no suor do sangue quente, mas entupido de um povo carinhoso que nem manteiga escorregando sobre miolo de pão quentinho.

Navegador, nesse 08 de outubro, que no calendário está marcado como Dia do Nordestino, depois de tomar umas goladas de café, acompanhado de uma pratada de cuscuz com ovo, peguei a estrada poeirenta e me danei no rumo de Caiçara do Norte, terra juramentada e afamada como sendo a capital da pesca artesanal desse Brasil brasileiro, na intenção de comprar uns quilinhos de camarões para Lucia produzir suas delícias gastronômicas. E deu tudo nos conformes, viu, mas ao longo da viagem me vi perdido em pensamentos diante da brabeza do Sol inclemente feito açoite de cipó de broxa. Seu menino, é tanta quentura que chega a tapar os buracos da venta e sem falar nos rodopios dos sacis que riscam o chão espalhando poeira amarronzada no meio do mundo. É bonito ver o ciscado, numa perna só, dos moleques travessos assustando os desavisados e fazendo rir os que reconhecem e respeitam suas estripulias. Tem até quem sinta o cheiro da fumaça do cachimbo e escute o eco dos seus risos. Eu até que tento, mas tem jeito não, fico só na beleza do rebuliço do vento sobre o chão de barro.

Amigo, e por falar em Saci e em pé de vento, digo que os alísios que varrem as praias desse litoral Norte, este ano estão meio desembestados e tem deixando muitos jangadeiros com as barbas de molho. E o mar? Vixi, tem pareia não! Rapaz, o senhor do tridente está mandando ver na festança e os carneirinhos estão tomando conta do oceano até o horizonte que a vista alcança. Éolo ligou os moinhos que sopram do Sul e Sudeste numa velocidade de fazer inveja a madame cruviana e Netuno, rei do reino do mar, puxou a prateleira de vinil e atochou rock pesado na vitrola. A brincadeira, para eles, está boa, mas para o povo do mar, a coisa está esquisita. Dia desses ouvi dizer que os comandantes das belonaves inscritas na REFENO 2019 estão apostando numa velejada gostosa e macia, de Recife até a ilha maravilha, dia 12/10, e tomara que eles estejam certos, pois como diria o velejador pernambucano Guga, talvez o maior colecionador de troféus da REFENO, comandando a fera Ave Rara: – Acho que vai ser punk!

E por falar em REFENO, este ano até que recebi convite, mas olhei para a sombra dessa cabaninha de praia, para a rede espichada na varanda, pedi conselho ao coqueiral, me confessei com os encantados que protegem os navegantes e depois de banhar a alma com umas doses de Rum, preferi ficar quieto e escutar apenas os moídos e festejos que os ventos oceânicos devem trazer de lá para cá. Se a brincadeira vai ser boa? Tenho certeza que sim, pois sempre é!

Eita, meu amigo, agora que estou me dando conta que já dei uma ruma de bordo nessa prosa. Comecei falando em seca, embrenhei pela floresta da caatinga, me deparei com sacis, cruzei a fronteira praticamente inexistente entre as cidades de São Bento e Caiçara do Norte, divididas apenas pelo passar da perna, cutuquei os encantados do mar, me vi diante dos assopros dos deuses dos ventos e temporais, Éolo e Cruviana, e até me avexei a caçar as velas das Naus dos iatistas que em breve cruzaram as águas mornas nordestinas, mas tudo bem, pois a intenção dessa missiva é mandar notícias daqui e entre um papo e outro tem um bocado de trilhas e veredas.

Luiz Achylles Petiz Bardou, amigo que recebi de presente do mar e que guardo com carinho no coração, já completou mais de uma década que você riscou traçado pelas cercanias dessa prainha dos domínios de Poti e já é chegada a hora de vir conferir o que um dia você viu. Venha meu amigo, venha ver a seca que canta, encanta, traz dor, lamento, alegria, esperança, resignação, fé, descrença e como num passe de mágica, transforma tudo em poesia.

Venha ver o mar, o mar do Nordeste, o mar dos alísios, o mar de dunas brancas, mar que encanta e por encanto, transforma tudo em melodia nos acordes de uma viola chorosa sombreada pelas palhas de um coqueiral.

“…se não é seca é enchente/Ai, ai, como somo sofredô/Eu só queria saber/O que foi que o Norte fez/Pra vivê nesse pena…” E assim vai Raimundo Fagner, o poeta cantador.

Nelson Mattos Filho

 

REFENO, celeiro de boas amizades

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A REFENO – Regata Recife/Fernando de Noronha, uma das mais gostosas provas do iatismo brasileiro, um grande encontro dos amantes da vela de oceano, mas antes de tudo, é nas dependências do Cabanga Iate Clube de Pernambuco que boas e sinceras amizades são forjadas e se perpetuam abençoadas por gotas de água salgada. As imagens que ilustram essa postagem, com personagens que fizeram a história da REFENO 2010 – uma prova que os deuses do mar fizeram questão de testar a capacidade dos comandantes em um mar de faroeste – fazem parte de um recheado acervo de memórias que guardo com muito carinho.  Lembranças e saudades de uma vida bem vivida ao sabor dos ventos e sob os ensinamentos do mar.   

REFENO – Registros retirados do tempo

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A 31ª REFENO – Regata Recife/Fernando de Noronha – vem aí, com largada programada para 12 de outubro, e fico aqui com minhas lembranças e saudades dos bons tempos em que o AVOANTE fez fila na raia do Marco Zero e aproou a Ilha Maravilha. As imagens, se a memória não me falha, foram registros da REFENO 2002 com personagens que navegaram na história da mais fascinante e desejada regata brasileira: Cláudio Almeida, Flávio Alcides, Marcos Tassino, Paulino, Marcos Camelo, Érico Amorim, Pedrinho, Lucinha, Agis Variane, Ceará, Lucia e, para não faltar o registro, Nelson.