Divagando em pensamentos, enquanto aguardava o sinal abrir numa das esquinas da cidade do Natal, me peguei olhando para o nome estampado na fachada de um edifício residencial homenageando um renomado pintor francês. De repente passei a observar em volta e assim segui em frente, passeando em uma seara de fachadas com nomes ingleses, americanos do norte, franceses, italianos, espanhóis, chineses, japoneses, coreanos.
Riviera, Ahead, Garden, Firenze, Pallacios, Green, Majestic, Piaget, Pablo Picasso, Way, Ocean, Prime, Tower, Quartier e Village foram alguns que gravei, outros ficaram perdidos no entremeado da memória e retornei para meu barraco, na Rua dos Pajeús, lembrando do amigo Gerald Noirbenne, velejador francês que conheci no Centro Náutico da Bahia, em 2005.
Naquele tempo o píer do Centro Náutico baiano era um dos mais disputados portos seguros para veleiros estrangeiros em passagem pelo litoral brasileiro. Era gostoso assistir à chegada, a partida e interagir com as tripulações de cruzeiristas, muitas delas com várias voltas ao mundo. Franceses e espanhóis eram em maior número. No fim de tarde o taboado do píer virava um verdadeiro festival de idiomas onde a mimica era o recurso mais utilizado e assim todos se entendiam.
Era comum nos finais de semana a turma se reunir para organizar um churrasco no barco de alguém ou mesmo, quando conseguíamos a autorização da gerencia, na área de convivência da marina, que ficava no primeiro andar. Quanto a autorização, eu não entendia os motivos de algumas vezes ser negada, mas recebíamos o não sem nenhuma alteração no humor, afinal, levávamos a vida em um mundo e a administração da marina em outro. Como bem dizia um amigo: “Nunca espere consenso de ideias entre um navegador com muitos anos de mar e um urbanoide.”
Em um desses churrascos fui designado para ir com Gerald até o supermercado comprar carnes, cervejas, gelo e cachaça para as caipirinhas. Pegamos um ônibus em frente a marina e fomos ao Bompreço que ficava na Barra. No retorno, enquanto o ônibus subia por uma das ladeiras do bairro, Gerald virou para mim e perguntou: – Nelson, no Brasil não tem ninguém ou sítios importantes? A pergunta me pegou de surpresa, sorri meio sem jeito e perguntei porquê. – Ora, a maioria dos prédios por aqui tem nomes estrangeiros! – Amigo, nem tanto nem tão pouco, mas gostei da sua observação e sinceramente não tenho como explicar, porque somos um povo inexplicável. Demos uma boa risada e mudamos de assunto.
Se hoje, em Natal, o velejador fizesse a mesma pergunta responderia com a frase de Luís da Câmara Cascudo: “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”.
Aliás, o grande Câmara Cascudo, historiador, folclorista, professor, jornalista e um dos maiores estudiosos da cultura de um povo, hoje tem um exemplar do livro “Dicionário do Folclore Brasileiro”, um dos mais raros da sua obra, excluído do acervo da biblioteca da Fundação Cultural Palmares, por motivos alheios a razão.
Eh, amigo Gerald Noirbenne, ligue não, somos mesmo um povo assim sei lá, caminhando sem rumo entre trancos e barrancos.
Quanto ao livro, Dicionário do Folclore Brasileiro, desde já disponibilizo a Fundação Palmares, minha singela estante de livros como local de descarte.
Nelson Mattos Filho