Arquivo do mês: junho 2021

Nem tanto nem tão pouco

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Divagando em pensamentos, enquanto aguardava o sinal abrir numa das esquinas da cidade do Natal, me peguei olhando para o nome estampado na fachada de um edifício residencial homenageando um renomado pintor francês. De repente passei a observar em volta e assim segui em frente, passeando em uma seara de fachadas com nomes ingleses, americanos do norte, franceses, italianos, espanhóis, chineses, japoneses, coreanos.

Riviera, Ahead, Garden, Firenze, Pallacios, Green, Majestic, Piaget, Pablo Picasso, Way, Ocean, Prime, Tower, Quartier e Village foram alguns que gravei, outros ficaram perdidos no entremeado da memória e retornei para meu barraco, na Rua dos Pajeús, lembrando do amigo Gerald Noirbenne, velejador francês que conheci no Centro Náutico da Bahia, em 2005.

Naquele tempo o píer do Centro Náutico baiano era um dos mais disputados portos seguros para veleiros estrangeiros em passagem pelo litoral brasileiro. Era gostoso assistir à chegada, a partida e interagir com as tripulações de cruzeiristas, muitas delas com várias voltas ao mundo. Franceses e espanhóis eram em maior número. No fim de tarde o taboado do píer virava um verdadeiro festival de idiomas onde a mimica era o recurso mais utilizado e assim todos se entendiam.

Era comum nos finais de semana a turma se reunir para organizar um churrasco no barco de alguém ou mesmo, quando conseguíamos a autorização da gerencia, na área de convivência da marina, que ficava no primeiro andar. Quanto a autorização, eu não entendia os motivos de algumas vezes ser negada, mas recebíamos o não sem nenhuma alteração no humor, afinal, levávamos a vida em um mundo e a administração da marina em outro. Como bem dizia um amigo: “Nunca espere consenso de ideias entre um navegador com muitos anos de mar e um urbanoide.”

Em um desses churrascos fui designado para ir com Gerald até o supermercado comprar carnes, cervejas, gelo e cachaça para as caipirinhas. Pegamos um ônibus em frente a marina e fomos ao Bompreço que ficava na Barra. No retorno, enquanto o ônibus subia por uma das ladeiras do bairro, Gerald virou para mim e perguntou: – Nelson, no Brasil não tem ninguém ou sítios importantes? A pergunta me pegou de surpresa, sorri meio sem jeito e perguntei porquê. – Ora, a maioria dos prédios por aqui tem nomes estrangeiros!Amigo, nem tanto nem tão pouco, mas gostei da sua observação e sinceramente não tenho como explicar, porque somos um povo inexplicável. Demos uma boa risada e mudamos de assunto.

Se hoje, em Natal, o velejador fizesse a mesma pergunta responderia com a frase de Luís da Câmara Cascudo: “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”.

Aliás, o grande Câmara Cascudo, historiador, folclorista, professor, jornalista e um dos maiores estudiosos da cultura de um povo, hoje tem um exemplar do livro “Dicionário do Folclore Brasileiro”, um dos mais raros da sua obra, excluído do acervo da biblioteca da Fundação Cultural Palmares, por motivos alheios a razão.

Eh, amigo Gerald Noirbenne, ligue não, somos mesmo um povo assim sei lá, caminhando sem rumo entre trancos e barrancos.

Quanto ao livro, Dicionário do Folclore Brasileiro, desde já disponibilizo a Fundação Palmares, minha singela estante de livros como local de descarte.

Nelson Mattos Filho

Sempre tem a saideira…

MEU ÚLTIMO BOAT VII

…é que nem cachaça

Se vai navegar abra do olho

anima_alturaOs sites que cuidam do tempo anunciam mar agitado no Sul e Sudeste, com ondas acima de 2 metros, neste domingo, 27/06, e durante a semana que segue. A animação do CPTEC/INPE, demonstra que o salseiro avançará ladeira acima no rumo do litoral nordestino e como tudo tem uma causa e um culpado, a fatura fica mais uma vez creditada na conta de Éolo, que anda meio azucrinado do juízo e manda ver na produção de ciclones. Dessa vez a balada ciclônica está a 1.800km da costa brasileira, porém, o batidão vai longe.     

Previsão pinel

1624731909754Não sei o que danado  os duendes que mexem nas engrenagens do tempo, em meu aparelho de celular, andaram fumando ou qual pau de mato seco eles meteram na fogueira, mas a verdade é que liberaram a informação que a tarde desse sábado junino, 26/06,  em Natal/RN, está um nevoeiro da mulesta. Graças aos deuses que cuidam do tempo, que não fazem gracinha, a temperatura está na casa dos 31º, o Sol está trabalhando com a fornalha a todo vapor e o Céu está bonito que só vendo, 

Pense num camarão!

CAMARÃO GIGANTE

O litoral da Costa Branca do Rio Grande do Norte, assim conhecido pela predominância de dunas e salinas que emolduram a região, capitaneada pelo município de Mossoró, está se configurando como produtor de seres marinhos agigantados. Em abril de 2021 um grupo de pescadores do município de Areia Branca fez festa ao capturar um atum azul com 412 quilos, troféu que daria pequena fortuna ao grupo, porém, o despreparo e o amadorismo fez ouro virar besouro e da pescaria restou apenas boas loas para incrementar o folclore do mundo da pesca. Agora foi a vez do pescador da praia de Tibau, Sr. Gabriel Silva, 80 anos, bater recorde na região ao arrastar na rede, dia 24/06, um camarão de 408g e 50 centímetros. Seu Gabriel afirma, entre risos, que bateu seu próprio recorde, porque em 1978 pegou um camarão um pouquinho menor. Agora lembrei da piada que termina assim: “…estou imaginando o tamanho da frigideira para o preparo desse camarão…”.

Eparrei!!

CICLONE BOMBA

A rapaziada que cuida dos moídos do Tempo anuncia  vento duro nas bandas do Sul maravilha, a partir desse 23/06, com a formação de um ciclone extratropical que vem soltando fogo pelas ventas e soprando o braseiro das fogueiras de São João com lufadas de mais de 100km/h. É vento seu menino, é vento! Para aqueles que pretendem dar uns bordos nas águas de Iemanjá acho bom tomar tento. Para quem vai ficar na segurança da terra firme, abra do olho, pois danado é quem brinca de tirar onda com cruviana.  

A civilidade, essa esquecida

CIVILIDADE


Padre João Medeiros Filho

Parece longe o tempo em que se cultivavam a civilidade e o respeito aos outros. Era comum ouvir os pais orientar seus filhos, valendo-se de conselhos e advertências. De modo análogo, instituições educacionais e religiosas enfatizavam processos de aprendizagem das normas de boa conduta e convivência. Isto não consiste simplesmente em ensinar etiquetas. Implica na aceitação do próximo e na consciência de que a liberdade de cada um não é absoluta. Com o decorrer dos anos, esses valores vêm perdendo sua importância, comprometendo os relacionamentos saudáveis entre os cidadãos. A qualidade das relações sociais de um povo é basilar para a presença do Bem ou do Mal. Por isso, restaurar e fortalecer a civilidade é necessário e urgente.

Aos olhos de alguns, tal abordagem pode parecer supérflua e na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se uma época em que as subjetividades e os direitos individuais reivindicam total autonomia ou soberania. Disto resulta uma cultura, na qual tudo o que não atende aos interesses individuais ou partidários é inaceitável. Com isso, cada um direciona seu comportamento, observando apenas as suas ambições e as de seus líderes, desconsiderando o pensar dos outros. Esse abandono da postura de urbanidade contribui para o primado do subjetivismo. A quem grita pelos princípios constitucionais de total liberdade de expressão, convém lembrar que os outros têm igualmente direitos, inclusive o de não ser molestado, agredido e contestar o que se veicula. Há meses, ouvimos o desabafo de um senhor: “Caminha-se para uma sociedade sem limites. O que dizer do projeto da família de alguns? Como calar diante de obras ditas artísticas, verdadeiro acinte ou achincalhe à fé dos outros?” Haver-se-ia de repetir o poeta Virgílio: “Quantum mutatus ab illo!” (O quanto as coisas mudaram). Hoje, em nome da liberdade de expressão, cada pessoa pretende considerar-se referência absoluta. A dignidade e o respeito a outrem são ignorados e rechaçados nas decisões.

A possibilidade de cada indivíduo ser livre para emitir julgamentos alimenta uma perversa anomia. É o que se verifica constantemente nas redes sociais. Com a ausência de regras e normas definidas, cada um passa a dizer ou escrever o que bem entende, sem parâmetros. Eis um caminho para que a arbitrariedade se instale, nutrindo agressividade e violência. Não cultivar posturas de respeito e urbanidade é destruir a percepção das diferenças e o equilíbrio da vida comunitária. Esse mal atinge não apenas certas pessoas ou segmentos da sociedade. Alcança muitos, desencadeando descompassos no âmbito da cultura e rupturas no tecido social. Isso parece bem enraizado na mentalidade de tantos “influencers”, governantes, parlamentares, homens públicos etc. que não prezam em ser exemplos de honestidade intelectual e lhaneza em seus pronunciamentos e debates. Não se contentam apenas em divergir. Importa desqualificar e destruir quem pensa diferentemente!

Diante da lógica das ideologias, torna-se difícil perceber o lugar da civilidade. Esta abrange desde os comezinhos gestos de delicadeza até às decisões capazes de tornar a sociedade mais humana e justa. Sem valorizar a urbanidade, todos continuarão convivendo com frequentes ultrajes, depredação moral e patrimonial. É uma ignomínia assistir o estilo de vida de certas autoridades – com excesso de privilégios e gastos abusivos, custeados pelos contribuintes – alimentando uma realidade distante da maioria dos cidadãos, que são largados à própria sorte. Tais representantes esquecem que foram escolhidos para servir ao povo e não se servir dele!

A civilidade incide também sobre o estabelecimento de prioridades coletivas, tais como, o uso honesto de recursos para promover o bem-estar de todos e o zelo pelo que é público. Isso significa comprometer-se com a ética e o equilíbrio da sociedade. Assim, será possível promover e formar cidadãos aptos a oferecer soluções às demandas de uma nação mais fraterna e solidária. Saber escolher pessoas dignas é fundamental para reverter o que hoje tanto se amarga. O Brasil precisa de respeito e urbanidade. O apóstolo Paulo, pregando aos cristãos de Corinto, foi peremptório: “Tudo me é permitido, mas nem tudo é lícito e edifica. Ninguém busque o seu próprio interesse, mas o do outro.” (1Cor 10, 23-24).

A Fortaleza resiste

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Na postagem O Templo e o Forte, de 31/05, comentei do sentimento de  inveja que me invade ao visualizar monumentos históricos apresentados nas imagens do Bing que abrem a telinha do meu computador. Na ocasião fiz comparação entre a preservação do Templo de Mussenden, na Irlanda do Norte, e o descaso, até então, com a Fortaleza dos Reis Magos, em Natal/RN.  O leitor Myltson Assunção enviou comentário informando que o Governo do Estado do Rio Grande do Norte reassumiu o poder sobre a magistral Fortaleza,  que passa por minuciosa reforma, e em breve o sítio histórico estará aberto ao público. Que assim seja!   

Comentário do leitor

DAVI PERRONI

Sobre o texto, Davi, um marinheiro, publicado aqui em 05/06, destaco o comentário do navegador baiano Sergio Netto, Pinauna.

“Em 1984 eu dei um curso de navegação astronômica na Barla e Sota, a loja de náutica de Willer Freazza. Dentre os alunos destacaram-se Davi Xará e Juvêncio Numaboa. Mas foi Davi quem mais aproveitou, tornou-se professor de navegação tendo formado muita gente na Bahia. Chegou mesmo a consertar erros de correção da marinha na prova de capitão amador. Depois do GPS tornou-se um especialista cuja competência você chegou a aproveitar, conforme o relato acima. Uma perda saudosa para a vela bahiana. Outra característica peculiar de Davi: ele não enjoava! Em regata, com o barco sacudindo, ele de cabeça para baixo, lambuzado de óleo diesel fazendo serviço no motor saia fagueiro e contando piada, do repertório sempre atualizado.”

Tem coisa que é assim

Garrafada-do-Norte-para-Engravidar

Na teima extremada das medicações que estamos vivenciando, em que assistimos doutores, afins e pitaqueiros trocando farpas e desaforos diante dos holofotes, sempre lembro da piada de um médico que foi visitar um paciente, muito debilitado, no interior.

Contam que o doutor ao acordar recebeu o chamado, deu um pinote da cama e sem nem ao menos tomar uma xicara de café, embarcou no carro e se mandou. Na pressa esqueceu de conferir o marcador de combustível e só deu por fé quando acendeu uma luz amarela no painel e ficou preocupado, porque era uma estrada deserta e não se via uma alma viva, nem morta, para pedir informação quanto ao próximo posto.

Depois de muito andar, com o carro preste a soluçar, apareceu a salvação em uma placa que anunciava 5 km para o posto mais próximo. “- Ufa! Mesmo que falte até lá, dá para ir a pé resolver a bronca.” Porém, ao se aproximar da pequena localidade notou que o comércio estava fechado e não havia ninguém nas ruas.

Ao chegar no posto, também fechado, coçou a cabeça, chamou o vigia e perguntou que horas o posto abriria, mas para seu desespero recebeu a informação que estava fechado pelo motivo da morte da filha do proprietário, uma moça de 15 anos, e a cidade estava toda de luto. O doutor perguntou qual a distância até o próximo posto e o vigia respondeu que era mais ou menos uns 80 quilômetros. “– Agora lascou tudo!”

Falou que era médico, estava atendendo uma emergência e tinha de seguir viagem. O vigia, vendo o aperreio do doutor, disse que se ele fosse na casa do proprietário e contasse a história, talvez ele mandasse alguém para abastecer o carro, mas achava quase impossível, porque a falecida era filha única e o homem estava arrasado. Pelo sim, pelo não, ele foi até a casa indicada, que estava apinhada de gente, e perguntou ao primeiro que encontrou quem era o proprietário. Apontaram para um homem aos prantos ao lado do caixão e com dó no coração, se espremeu entre os presentes e chegou junto.

Ao olha para a defunta, percebeu que ela não estava morta, estava tendo uma crise de catalepsia. Abraçou o pai choroso e cochichou em seu ouvido: – Sua filha não está morta! O homem deu um pulo, perguntou quem era ele para dizer aquilo e após as devidas apresentações, o doutor chamou o pai em um canto, diante dos olhares de curiosidade, deu o diagnóstico e perguntou se a menina tinha namorado. – Tem, porque? – Vamos tirá-la do caixão, levar para o quarto, junto com o namorado e deixar que ele faça amor com ela. – Como é seu cabra? Que Safadeza é essa? – Confie em mim, meu senhor, eu sei o que estou fazendo e o remédio para ela é esse! Na esperança de ter a filha de volta, o homem autorizou.

Retiraram a moça do caixão, levaram para o quarto e o zunzunzum a boca pequena tomou conta da cidade. O namorado com medo de “pegar” a defunta e também de enfrentar a ira do sogro, tentou fugir, mas foi contido, empurrado de quarto adentro, mas sem antes receber as orientações do doutor. – Pode mandar brasa!

Após 30 minutos de bem bom, o casal saiu do quarto rindo à toa e o que era velório virou festa. O pai da moça, antes de mandar matar um boi para a festança, autorizou abrir o posto e deu ordem para encher o tanque do carro do doutor, na ida, na volta, e tudo 0800. E assim foi feito!

O doutor, muito agradecido e ciente de ter feito a boa ação do dia, seguiu viagem e no dia seguinte ao retornar, de longe notou que o posto estava novamente fechado, ficou preocupado e quando chegou perto o vigia atalhou: – Doutor, pelo amor de Deus, corra na casa do patrão, pois ele morreu hoje pela manhã e mais de 50 amigos “já foram nele” e o homem não ressuscita.

Nos idos anos 80, estávamos conversando na calçada da Panificadora Santa Cecília, estabelecimento de minha família, no bairro do Alecrim em Natal, quando passa o vendedor de garrafada oferecendo um produto novo que servia para tudo e mais um pouco. Doutor Virgílio chamou o homem e perguntou se servia também para desenferrujar o “maquinário”. O vendedor, bem velhinho e arrastando os pés, não titubeou na resposta: “ – O seu eu não sei, mas o meu resolve e fico com a mulesta!”

Tá vendo aí, os remédios são assim, servem para uns, mas não servem para outros.

Nelson Mattos Filho