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Nem tanto nem tão pouco

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Divagando em pensamentos, enquanto aguardava o sinal abrir numa das esquinas da cidade do Natal, me peguei olhando para o nome estampado na fachada de um edifício residencial homenageando um renomado pintor francês. De repente passei a observar em volta e assim segui em frente, passeando em uma seara de fachadas com nomes ingleses, americanos do norte, franceses, italianos, espanhóis, chineses, japoneses, coreanos.

Riviera, Ahead, Garden, Firenze, Pallacios, Green, Majestic, Piaget, Pablo Picasso, Way, Ocean, Prime, Tower, Quartier e Village foram alguns que gravei, outros ficaram perdidos no entremeado da memória e retornei para meu barraco, na Rua dos Pajeús, lembrando do amigo Gerald Noirbenne, velejador francês que conheci no Centro Náutico da Bahia, em 2005.

Naquele tempo o píer do Centro Náutico baiano era um dos mais disputados portos seguros para veleiros estrangeiros em passagem pelo litoral brasileiro. Era gostoso assistir à chegada, a partida e interagir com as tripulações de cruzeiristas, muitas delas com várias voltas ao mundo. Franceses e espanhóis eram em maior número. No fim de tarde o taboado do píer virava um verdadeiro festival de idiomas onde a mimica era o recurso mais utilizado e assim todos se entendiam.

Era comum nos finais de semana a turma se reunir para organizar um churrasco no barco de alguém ou mesmo, quando conseguíamos a autorização da gerencia, na área de convivência da marina, que ficava no primeiro andar. Quanto a autorização, eu não entendia os motivos de algumas vezes ser negada, mas recebíamos o não sem nenhuma alteração no humor, afinal, levávamos a vida em um mundo e a administração da marina em outro. Como bem dizia um amigo: “Nunca espere consenso de ideias entre um navegador com muitos anos de mar e um urbanoide.”

Em um desses churrascos fui designado para ir com Gerald até o supermercado comprar carnes, cervejas, gelo e cachaça para as caipirinhas. Pegamos um ônibus em frente a marina e fomos ao Bompreço que ficava na Barra. No retorno, enquanto o ônibus subia por uma das ladeiras do bairro, Gerald virou para mim e perguntou: – Nelson, no Brasil não tem ninguém ou sítios importantes? A pergunta me pegou de surpresa, sorri meio sem jeito e perguntei porquê. – Ora, a maioria dos prédios por aqui tem nomes estrangeiros!Amigo, nem tanto nem tão pouco, mas gostei da sua observação e sinceramente não tenho como explicar, porque somos um povo inexplicável. Demos uma boa risada e mudamos de assunto.

Se hoje, em Natal, o velejador fizesse a mesma pergunta responderia com a frase de Luís da Câmara Cascudo: “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”.

Aliás, o grande Câmara Cascudo, historiador, folclorista, professor, jornalista e um dos maiores estudiosos da cultura de um povo, hoje tem um exemplar do livro “Dicionário do Folclore Brasileiro”, um dos mais raros da sua obra, excluído do acervo da biblioteca da Fundação Cultural Palmares, por motivos alheios a razão.

Eh, amigo Gerald Noirbenne, ligue não, somos mesmo um povo assim sei lá, caminhando sem rumo entre trancos e barrancos.

Quanto ao livro, Dicionário do Folclore Brasileiro, desde já disponibilizo a Fundação Palmares, minha singela estante de livros como local de descarte.

Nelson Mattos Filho

Comentário do leitor

DAVI PERRONI

Sobre o texto, Davi, um marinheiro, publicado aqui em 05/06, destaco o comentário do navegador baiano Sergio Netto, Pinauna.

“Em 1984 eu dei um curso de navegação astronômica na Barla e Sota, a loja de náutica de Willer Freazza. Dentre os alunos destacaram-se Davi Xará e Juvêncio Numaboa. Mas foi Davi quem mais aproveitou, tornou-se professor de navegação tendo formado muita gente na Bahia. Chegou mesmo a consertar erros de correção da marinha na prova de capitão amador. Depois do GPS tornou-se um especialista cuja competência você chegou a aproveitar, conforme o relato acima. Uma perda saudosa para a vela bahiana. Outra característica peculiar de Davi: ele não enjoava! Em regata, com o barco sacudindo, ele de cabeça para baixo, lambuzado de óleo diesel fazendo serviço no motor saia fagueiro e contando piada, do repertório sempre atualizado.”

Partiu o homem, ficou a lenda

EDSON DE DEUS E GÉUPASSAGEIROS DO VENTONos anos 90 o velejador baiano Edson de Deus embarcou a esposa Gerusia(Géu) e as filhas, Maria Luiza e Elizabethe, no veleiro Aleluia, e se mandou para um giro pelo Atlântico Norte. A aventura redeu um livro maravilhoso e que serve de fonte para muitos que sonham com a vida a bordo de um veleiro, e aqui está um deles. Passageiros do Vento é uma obra fascinante que não pode faltar em nenhuma biblioteca náutica. Conheci Edson, pessoalmente, em 2005, na Ilha do Campinho, Baía de Camamu. Ao avistá-lo caminhando pelas areias da praia da ilha, convidei para ir até o Sitio Sabiá, pois desejaria que ele autografasse o livro, que tinha comprado anos antes e já havia lido umas três vezes. Ele sorriu meio envergonhado e disse: – Pode ser agora? – Pode, mas preciso ir até o Avoante buscar o exemplar. – Sem problema, pois assim vou buscar a Géu para autografar também! o Aleluia passou alguns dias ancorado no Campinho e retornou a Salvador. Tempos depois soube que Edson havia vendido o barco e refleti quando ele disse, “Marinheiro fica velho”. A última vez que nos vimos foi em 2014 no calçadão da Ribeira, em frente a marina Angra dos Veleiros. Ao passar por mim, falou: – Ainda no mar, Avoante? Tenho acompanhado seus escritos. Respondi: – Você é um dos grandes culpados! Ele sorriu e se foi. O Passageiro do Vento, Edson de Deus, partiu para os oceanos do Senhor, no sábado, 05/06/2021, data que ficará marcada pela tristeza no calendário náutico do Senhor Bonfim.       

Davi, um marinheiro

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A primeira vez que o vi foi no verão de 2005, na Baía de Camamu/BA, como imediato do veleiro Nó Cego, do comandante Zacarias. Chegaram durante o finalzinho da tarde e jogaram âncora sob as cores mágicas do pôr-do-sol, que naquelas paragens é de magnitude ímpar. Após a faina de bordo, desembarcaram e foram papear na cabaninha do restaurante do Sítio Sábia, até que o peso das 60 milhas de velejada, de Salvador a Ilha do Campinho, se apresentasse. Naquela noite vi que estava diante de um homem apaixonado pelo mar.

Na manhã do dia seguinte, enquanto caminhava pelo píer, percebi que ele se apressou em pular dentro do bote de apoio, amarrado na popa do veleiro, e saiu a toda no rumo de um rapaz que nadava da praia em direção aos barcos na ancoragem. O vi embarca o rapaz no bote e desembarcá-lo a bordo de um veleiro mais a ré, mas não percebi se comentou alguma coisa com os tripulantes do barco do rapaz.

Ao retornar ao Nó Cego, me viu no píer e mudou o rumo. – Você viu o que ia acontecer? – Não, apenas me chamou atenção a sua pressa. – Percebi que o rapaz estava cansando e me apressei para evitar uma tragédia! – E ele estava cansado? – Ele disse que não, mas estava, porque suas braçadas não davam impulso para frente e ele estava se afastando lateralmente. Naquele local a correnteza é traiçoeira nessa maré de fim de vazante, mas safei a onça dele e não contei ao pai. Achei melhor assim.

Na hora do almoço contei o ocorrido para Juvêncio, proprietário do Sítio Sabia, que disse entre risos que Xará era assim mesmo, pronto para ajudar quem quer que fosse e no mar estava sempre alerta. Contou também que ele participou do projeto das BAN’s – Bases de Apoio Náutico, ficadas a cada 20 milhas do litoral da Bahia, sendo o Sítio Sabiá uma delas, e que foi o idealizador do Guia Náutico da Bahia, livro com dezenas de rotas e waypoints, para alavancar o turismo náutico. O Guia foi lançado em vários idiomas, fez, e ainda faz, sucesso, mas as BAN’s, depois de vários anos de bons serviços, naufragaram no maledicente costume político de desmontar as boas coisas implantadas pelos antecessores.

Regamos e mantivemos boa amizade e sempre que nos encontrávamos ele queria saber das minhas navegadas, se eu tinha novas rotas, se estava precisando de alguma informação e até se tinha alguma modificação a fazer no Guia Náutico, porque fiz e refiz seus traçados em várias ocasiões e sempre em segurança. Como se diz: Naveguei as rotas traçadas e indicadas por ele, de olhos fechados.

Certa vez, navegava a bordo do catamarã Tranquilidade, de Natal para Salvador, quando o comandante Flávio Alcides, falou da intenção de conhecer a Baía de Tinharé e perguntou se poderíamos ir até lá. Falei que sim e que iriamos tomar umas cervejas geladas com ostras cruas, em Canavieirinhas, mas tinha um problema: Eu só conhecia a navegação até o município de Cairu. Na ocasião navegávamos ao largo do litoral sergipano e quando alcançamos o sinal de celular, liguei para Xará e perguntei se poderia me enviar a rota. Ele perguntou qual o modelo do GPS de bordo e disse que enviaria o arquivo para meu email, com as instruções para inserir no cartão de memória do aparelho. Assim foi feito!

Um ano depois, nos encontramos na marina Angra dos Veleiros e ele falou: – Nelson, foi bom você ter me perguntado sobre a rota até Canavieirinhas, pois fiz dois ajustes, que há tempos deveria ter feito. Não era nada que comprometesse a segurança, mas estava me deixando encucado

Em 2016 ligou perguntando se eu estava no Angra dos Veleiros, respondi que estava no Aratu Iate Clube. Disse que iria me ver. Chegou com um chip na mão, pediu meu GPS portátil, retirou o chip e inseriu o dele. – Pronto, agora você está mais bem equipado. Esse programa é novo e tem tudo o que você precisa para navegar pelo litoral brasileiro. Aproveite!

A última vez que nos falamos, por telefone, ele estava montando um grupo de WhatsApp, Escola de Sagres, e queria me incluir, mas para isso eu teria de enviar a foto da carteira de capitão amador, porque o grupo era exclusivo para capitão e ele precisava ter o registro de todos. Falei que não estava com ela em mãos e garanti enviar assim que retornasse para casa. – Nelson, você é o primeiro do grupo e a garantia será pelo fio do bigode.

Davi Perroni, Xará, professor, partiu na madrugada do sábado, 05/06/2021, para navegar nos oceanos do Céu. Ao receber a notícia lembrei da última conversa, peguei a carteira de capitão e disse baixinho: – Desculpe, caro e bom amigo, garanti que iria enviar e você nunca me cobrou.

E o mar da Bahia ficou um pouco mais triste!

Nelson Mattos Filho

Registros históricos de um mar de encantos

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Cascaviando nos arquivos empoeirados do computador, encontrei essas duas imagens, que sinceramente não lembro quem me enviou, de antigos mapas da Baía de Todos os Santos. Para mim, que durante tantos anos por lá naveguei, conhecendo palmo a palmo suas fascinantes ancoragens, aprendendo com seus segredos, colhendo amigos e se encantando com a riqueza histórica daquelas água, os mapas são de encher os olhos. Confesso: Sou apaixonado pelo mar da Bahia, seus mistérios e sua gente.

Zanzibah – Parte II

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Enquanto o Zanzibah cruzava as águas da Baía de Todos os Santos, buscando a luminosidade avermelhada do Farol da Barra, eu aproveitava o conforto do piloto automático para ficar à espreita com os sentidos antenados em pressentir a movimentação das sombras da noite, porém, era como diz o ditado, um olho no peixe outro gato, pois não tem como navegar as águas encantadas da terra de todos os santos, emoldurada por uma rica biblioteca ao ar livre, da mais pura história de um povo varonil, e ficar indiferente. Navegar no mar da Bahia é show! Certa vez, na Ilha de Itaparica, em conversa com um velejador alemão, que já havia dado várias voltas ao mundo, ele apontou um veleiro que se dirigia para o canal interno da Ilha e disparou: “Quer saber? Não existe, no mundo, lugar melhor para velejar do que a Baía de Todos os Santos…”. Não sou bairrista, não sou baiano e nem conheço os mares do mundo, mas não duvido e boto fé nas palavras do alemão.

E foi nesse cenário de reciclagens e lembranças que cruzamos a Boca da Barra de Salvador, agradeci os lampejos do belo farol e posicionei a proa do Zanzibah para navegar entre o estreito canal entre o Banco de Santo Antônio e a praia da Barra, mas uma novidade me deixou encucado e até hoje fico a me perguntar: Onde danado foi parar a boia luminosa, lampejo amarelo, que outrora estava ali para orientar os navegantes quanto a ponta Norte do famoso banco de areia? Será que me confundi? Não, não pode ter sido! A boia não estava lá, porque passei próximo do ponto, diminui a velocidade, olhei em volta e nada da danada. Bom, deixa pra lá e vamos seguir viagem!

Desde que enveredei pelos caminhos do mar fiquei condicionado a acompanhar as previsões do tempo, na esperança de me antecipar aos amuos da natureza e ter com isso navegadas sem muitas surpresas. Mas confesso que nem sempre a coisa funciona como prometem os satélites, gráficos e os analistas, e é daí que temos de tirar da cartola a paciência e fazer uso dos ensinamentos aprendidos na lida náutica, entre eles, que previsão é apenas previsão. Ao observar os gráficos para os dias dessa navegada entre Salvador e Recife, vi que seria de vento Nordeste e, em certas horas do dia, suaves refrescos de Leste. Nada mal, pois bastaria motorar até a ponta de Itapuã e dali abrir as velas e curtir o momento. Ora, estávamos saindo a noite, período de tradicionais ventos brandos, ou nenhum, na Bahia, mas tudo bem, estenderíamos o uso do motor até o dia amanhecer e assim que entrasse a viração, velas ao vento.

O dia amanheceu, foi passando, passando e nada do Leste dar sinal de vida e o planejamento de chegar a Recife depois de 60 horas de navegada foi sendo refeito, outro dia chegou e nada do nordestão abandonar o posto. – E o mar? – Bem, o mar era de amante de almirante! – Como assim? – Rapaz, é aquele mar que mais parece um tapete persa de tão macio. Mar feito para fazer todos os desejos da amada. – E não poderia ser mar de esposa de almirante? – Pode ser, né, mas as vezes o cara quer descontar algumas pelejas caseiras e sendo assim, quanto pior, melhor!

Foi somente no terceiro dia de navegada, já no litoral de Alagoas, que o Leste resolveu retornar das férias de verão. Desligamos o motor e apaguei a luz encarnada que vinha acesa em minha cabeça, pois dificilmente conseguiríamos motorar até o Porto de Maceió com a quantidade de diesel que restava. – E não se veleja com vento Nordeste? – Claro que sim, mas com quatro ou cinco nós de vento, para empurrar um barco de cinco toneladas, ninguém merece, né!

Em Maceió, porto que adoro e onde temos grandes e bons amigos na Federação Alagoana de Vela e Motor – FAVM, nosso tripulante, Jorge Rezende, desembarcou e voltou para Natal de ônibus, na mesma noite em que chegamos, porque o tempo que ele havia reservado para a viagem havia se esgotado. Jorginho foi um excelente parceiro, um exímio pescador, excelente papo e fez os dias de vento nordeste ficar mais divertidos a bordo. Sem nosso tripulante, Lucia preparou o jantar e desmaiamos na cama nos embalos das águas mansas do porto do Jaraguá.

Pela manhã, com a ajuda providencial dos amigos Plínio Buenos Aires, Ângela Cheloni, Paulinho Cerqueira e Pinto de Luna, conseguimos que o barqueiro Jó viesse nos dá apoio para comprar diesel e depois seguir viagem. Manobra feita, barco abastecido, agradecemos ao Jó e ao tocar na chave para ligar o motor, nada. Resultado: Entrada de ar! Tentei os truques básicos e nada. Mais uma vez, pedi ajuda aos amigos para me indicarem um mecânico, acionei também a turma online do grupo Velejar, e no finalzinho da tarde chegou um marinheiro da força tarefa da FAVM para colocar ordem na máquina.

Dezoito horas, do dia 06/03, sexta-feira, tomamos o rumo da capital do frevo. – Vento? – Nordeste soprando a 4 nós!

Nelson Mattos Filho

Lembram do naufrágio na Baía de Todos os Santos?

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Segundo entendimento dos nobres e respeitados ministros do Supremo, a justiça tem que andar lenta, gradual e quem quiser que esperneie, pois não foram eles que inventaram as leis e estas dão plena guarida de liberdade aos réus, até que se esgotem as disposições em contrário, ou, como dizem as más línguas, “o dinheiro necessário para a ação seguir em frente”. Vixi! Mas ainda bem que existe o desentendimento e é ele quem faz a justiça caminhar cambaleante que nem bêbado: Um passo pra frente, dois para trás, três pra frente e vez em quando um tropeção e assim vamos nós. Oito meses depois do naufrágio do barco de passageiros Cavalo Marinho I, que matou 19 pessoas numa manhã chuvosa na Baía de Todos os Santos, a polícia concluiu o inquérito do caso e indiciou, por homicídio culposo e lesão corporal culposa, o comandante da embarcação, o proprietário da empresa e o engenheiro naval que assinou o laudo atestando a navegabilidade do barco. A Marinha do Brasil e a Agerba (Agência reguladora que cuida também dos transportes na Bahia), foram isentadas de responsabilidade. Aos indiciados, resta esperar que o MP-BA analise as provas e os fatos, e leve, ou não, o caso as barras dos tribunais, onde a história é longa para uns e para outros nem tanto.  – Lembram do Bateau Mouche?Lembram dos intermináveis naufrágios com os barcos que fazem transporte na Amazônia?  – Lembram de alguns dos diversos acidentes  com vítimas fatais que acontecem sistematicamente em nossas águas, dois, inclusive, bem recentes nos mares do Sudeste? – E do acidente que mutilou o fantástico velejador Lars Grael? – Lembram? – Lembram também o que aconteceu com algum dos indiciados, ou réus? Pois bem, diz o ditado que quem morre é quem paga a conta. Que o Senhor do Bonfim, que a tudo observa do alto da Colina Sagrada, perdoe os nossos pecados.   

Minha primeira noite em mar aberto

IMG-20180222-WA0070A palavra hoje está com o velejador Anselmo Pereira, comandante em chefe do veleiro Solaris, contando um pouquinho – e deixando em mim uma imensa saudade – do que foi sua primeira navegada em mar aberto, nas águas abençoadas pelo Senhor do Bonfim, a bordo do veleiro Pappi. Vamos embarcar nessa aventura!

Nosso amigo, comandante Jorjão, veterano velejador, nos convidou a participar da regata Salvador/Ilhéus. Não nos sobrou muito tempo para os preparos, devido a semana muito corrida que tivemos, resolvendo alguns dos problemas no barco, mas aceitamos de imediato.

Sexta feira, 2 de fevereiro de 2018, a ansiedade transborda, para mim, uma experiência única, além de uma excelente aula prática. São quase sete horas da manhã, dia ensolarado a cara do verão da Bahia. Saímos de casa bem cedo, demos uma passada no mercadinho da ilha, para complementar umas coisas de cozinha. Chegamos ao Aratu Iate clube, antes das sete horas, o comandante Ferreira, já estava a bordo do seu veleiro PAPPI, um Delta 36. Eu e Sandra éramos seus convidados e sua tripulação.

Como de costume, fizemos as verificações dos equipamentos de navegação, maré, vento, cartas, condições meteorológicas e mantimentos. Nossa travessia era estimada em um dia, e uma noite até o destino. No retorno não tínhamos data preestabelecida, passaríamos alguns dias em Camamu, em Canavieirinhas, Morro de São Paulo, e arredores, os locais mais cobiçados da costa sul da Bahia.

Velas içadas, 07h20min saímos do Aratu com destino ao porto da barra. O mar estava calmo como uma lagoa, os barcos ainda dormiam imóveis agarrados as suas poitas e vagas, o silencio só era quebrado pelo barulho no nosso motor, e um bando de garças que passavam sobre os veleiros grasnando. As águas verdes esmeralda e cristalinas, o vento era apenas uma leve brisa fresca. Após atravessarmos o canal de Cotegipe deixando para trás, os gigantes navios atracados aos terminais, seguimos com a proa na barra. O grande espelho de água refletia a imagem dos morros dos subúrbios a nosso bombordo. Após cerca de três horas de navegação, chegamos ao ponto de partida, em frente ao Iate Clube da Bahia, próximo do farol da Barra, ali seria dada a largada. Após a chegada de todos, e informações necessárias, exatamente às 11h20minh foi dada a largada. Todos se apressaram em alinhar a proa, de acordo a sua rota e estratégia.

Coração a mil, avançamos em direção ao mar aberto, aos poucos, as águas mudam de volume e cor, mais intensas e intimidadoras. O vento aumentou a intensidade, tal qual a euforia da tripulação. Depois de muitos ajustes e reajustes nas velas, nos concentramos na rota. À medida que às horas passavam e nos afastávamos da costa, ficávamos mais rápidos. O moral da tripulação estava alto e animado com a aventura.

A cada instante que olhávamos para a cidade, era como se estivéssemos nos apegando ao último pedacinho de terra, sabíamos que em breve desapareceria completamente. Após umas cinco horas navegadas, olhei nostalgicamente para trás na esperança de ver algo entre as ondas, porém o que vi foi apenas um pontinho que aparecia e desaparecia no horizonte líquido. Agora em nossa volta, as águas do oceano, eram de um azul impressionante. Daí em diante começamos a relaxar e passamos a desfrutar da maravilhosa e suntuosa paisagem marítima. Os nossos concorrentes espalharam-se como patos na lagoa, cada um seguia para uma posição tentando ficar a frente. Para mim, participar já era bom, ganhar seria o máximo, mas, apesar do desejo, tinha consciência do degrau que aquela experiência me proporcionaria. O tempo passa como um filme em câmera lenta, o mar ficou maior, suas ondas se transformaram em gigantes azuis. Diante da majestosa força, me dei conta da nossa pequenez. O oceano é fascinante, mas, provoca certo frio na barriga. O valente PAPPI demonstra que é realmente um valoroso marinheiro, sua proa cortava as ondas como uma navalha, deixando para trás, uma trilha de espumas brancas sobre o profundo azul. Naquele momento, a confiança se torna um laço estreito entre o barco e sua tripulação. Antes do anoitecer, já no finalzinho da tarde, fomos premiados, uma família de golfinhos nos acompanhou durante um bom tempo, vieram nos dar as boas vindas. Tão rápido como apareceram, desapareceram na imensidão, e assim a noite abraçou o PAPPI, e sua audaz tripulação.

As tripulações eram compostas por três membros. No PAPPI, comandante Ferreira, eu e Sandra. No NABOA, comandante Jorjão, Kathia e Bené. As tripulantes femininas, além de nos ajudarem bastante em outras tarefas, nos proporcionaram saborear deliciosos pratos. Por exemplo, não sabemos como Sandra consegue fazer café, mesmo com veleiro em movimento ou adernado, certamente elas são marinizadas.

À noite a paisagem ficou surreal, céu e mar se confundem, dando a impressão que flutuávamos sobre as estrelas. Já navegávamos a cerca de dez horas. Na escuridão, tudo que enxergávamos eram as luzes de navegação dos outros barcos. O frio apertou, coloquei meu blusão, e assumi o comando dando um merecido descanso ao capitão Ferreira, muito embora, ele não arredasse o pé do cockpit nem por um segundo. Um verdadeiro Comandante! Por volta das 4 horas da madrugada, o mar se agitou um pouco, passamos pela retaguarda de uma pancada de chuva, mas foi muito rápido e o PAPI seguiu estável e incólume. Cerca das 04h30minh da matina, o dia se manifestava através da tênue luz solar. Nesse momento o vento simplesmente evadiu-se. O barco parou, são mil emoções. Tentamos diversas manobras possíveis, mas não conseguimos avançar… Será que o vento ficou chateado com alguma coisa? Literalmente ficamos à deriva. Já navegávamos por mais de dezessete horas, e os sinais da juventude acumulada já se manifestavam. A situação ficou bastante desagradável, e de certa forma um pouco arriscada. A agitação e os balanços desencontrados das ondas jogavam violentamente a retranca do mastro de um lado para outro.

Após cessarem todas as tentativas, chegamos ao nosso limite e precisávamos de uma saída, e a única alternativa naquele momento, seria ligar o motor, ou ficar, não se sabe por quanto tempo naquela situação. Em consenso com a tripulação, o comandante tomou a decisão: Ligar o motor e seguir em frente. Após uma hora navegando o cretino vento retornou, mas, já havíamos decidido. Com o motor ligado, cruzamos a comissão de regatas, e consequentemente fomos desclassificados como previsto, porém, com nossa honra intacta.

Ancorados e relaxados, mais tarde fomos recebidos pelos membros do Iate Clube de Ilhéus, onde saborearam uma bela feijoada, ao sabor de umas geladas, assistimos a entrega dos troféus aos vencedores. Entre eles, em primeiro lugar na sua categoria, como não poderia deixar de ser, o NABOA. Ao final das comemorações, o capitão Ferreira foi chamado pelos organizadores e lhe foi conferido o troféu honestidade. Ficamos felizes e cheirando as nuvens.

Após uma rápida visita a cidade, retornamos ao aconchego do PAPPI, e dormimos como anjos. Mas, nem tudo são flores… O dia ainda não havia amanhecido, acordamos sob uma tremenda borrasca, os sacolejos das agitadas águas do porto, quase me jogaram no assoalho. Firme e forte, o nosso otimista comandante Ferreira e seu guerreiro PAPPI, saímos em direção ao mar aberto, seguindo o NABOA. O comandante Ferreira, além de ser ponderado, tem uma característica que lhe é peculiar… Otimismo, isso mesmo, pra ele uma borrasca é uma garoa, uma ventania é uma brisa, ou seja, não tem tempo ruim. O comandante Jorjão possui outra característica também peculiar… Habilidade e conhecimento. Navegando em mar aberto, ou em rasos e estreitos canais, seu Delta 36, se torna uma extensão do seu corpo, é impressionante. Assim ambos provaram que, quem é do mar não enjoa. Assim, partimos para mais aventuras.

Anselmo Pereira 

Combate a pirataria

03 - março (47)

Elogiável e pertinente a atitude da diretoria do Aratu Iate Clube, timoneada pelo comodoro Wilder Gouveia, assumindo a bandeira para proteger os associados depois de alguns assaltos a embarcações ocorridos nas águas da Baía de Todos os Santos e que deixou em polvorosa a comunidade náutica baiana. Após algumas reuniões com os órgãos de segurança pública e Capitania dos Portos, uma lancha da Polícia Militar que estava parada por falta de manutenção, na marina de Itaparica, foi recuperada e realiza patrulhamento nos principais destinos de ancoragem. Claro que isso não é suficiente para barrar a bandidagem diante de uma baía tão grande, mas é um começo e a ideia deveria ser seguida por outros clubes. A regata Aratu/Maragojipe, que será realizada no fim de agosto, terá segurança durante o percurso e também na ancoragem em Maragojipe, tudo para manter o brilho de uma das maiores regatas do Brasil e a de maior tradição na Bahia. Um clube náutico tem como missão principal desenvolver os esportes aquáticos e dar apoio incondicional ao navegante. Aquele que se furta dessa missão perde o rumo. Parabéns Aratu Iate Clube!     

Agradecimento

01 - Janeiro (188)

Não sou baiano, mas vivi nas águas da Bahia um sonho de vida, de aprendizados, de observações e me encantei por aquele mar tão cheio de segredos, mistérios e fé. A Baía de Todos os Santos é um mundo ainda a ser descoberto, um mundo de histórias onde a historia do Brasil é contada em prosa, verso, samba de roda e no graminho dos saveiros e seus mestre de sabedoria infinita. Um mundo dentro de um mundo em constante ebulição, mas incrivelmente ensopado de ternura. Quem vai ao mar da Bahia tem sim que seguir o aviso para sorrir, porque ali a vida é incrivelmente mais bela e feliz.

raimundoSexta-Feira, 23/03, não tive a oportunidade de assistir o Globo Repórter que falaria sobre a Baía de Todos os Santos, que naveguei e conheci como poucos, porém, me apressei em procurar na internet, já no sábado, 25, o vídeo do programa e me achei nas palavras, imagens e personagens tão bem, e carinhosamente, mostrado pelo excepcional repórter José Raimundo, um baiano  da gema que estava super a vontade na matéria e que faz pose na imagem ao lado de Dona Cadu, famosa ceramista de Maragogipinho. Tenho sim que agradecer ao Zé Raimundo, toda a equipe que o acompanhou e a Rede Globo, por nos presentear com uma reportagem tão arretada, que me trouxe boas recordações e saudades. O triste foi ver que o abandono dos patrimônios materiais e imateriais continua a caminhar a passos largos, coisa que sempre denunciei aqui.