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Como diz o sertanejo: “O tempo tá bonito!”

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O tempo está meio se lá por aí e por mais que os institutos meteorológicos se esmerem para bem informar, os deuses da natureza dão risadas e aprontam peças que deixam os meninos que reparam as coisas do tempo com os cabelos em pé. Na minha Natal o calor está infernal, apesar de umas promessas de chuva anunciadas nas barras do nascente e do poente. Pras bandas da capitania do Senhor Bonfim, Iansã mandou bater os atabaques e ordenou o noroeste, vento malcriado, a botar para moer. A turma baiana já perdeu as contas de quantos noroestes entraram neste janeiro e estão de olhos aboticados no céu a procura do próximo. No Sudeste e descambando pros lados do Centro-Oeste, contam que a chuva está castigando com vontade. E assim vamos nos aproximando do reinado de Momo e só tomara que os clarins, pierrôs e colombinas acalmem a fúria de Iansã. Para esse final de semana, segundo o gráfico do CPTEC/INPE, o salseiro promete!   

Tempos de mudanças

NOROESTE EM SALVADOR 20DEZ23

A imagem dessa poderosa nuvem adentrando a Baía de Todos os Santos, na tarde de ontem, 20/12/23, é encantadora para uns e ameaçadora outros, porque mostra a chegada dos cavalos de fogo do noroeste, vento que é o terror dos navegantes baianos. Naveguei por mais de 10 anos pelas águas do Senhor do Bonfim e presenciei grandes tempestades do noroeste e na maioria das vezes, ao pressentir ou saber da proximidade do fenômeno, procurava ancoragens que não sofressem tanto com as consequências arrepiantes de sua força. Era um jogo de azar que por mais que procurasse me cercar de cartas marcadas, mais ficava a mercê dos amuos de Iansã. Por uma vez, por mero e irresponsável descuido, fui pego navegando no canal de acesso ao Porto de Aratu, e passei 15 minutos de maus bocados, me apegando com todos os santos que se aproximaram para ver o que se passava com aquele navegante desafortunado, mas o que eles queriam mesmo era saber se eu estava aprendendo a lição, mesmo tirando nota zero. Aliás, aprendi, mas fiquei com a orelha em pé, porque naquela semana, de começo de novembro, o noroeste já havia entrado uma vez, aquela era a segunda, e era sabido que o costume da fera era chafurdar por duas ou três vezes durante o ano, sempre entre dezembro e fevereiro. Mas as coisas mudam, num é não? E mudaram mesmo! O noroeste que castigou Salvador e a Baía de Todos Santos, na tarde de ontem, 20/12, foi o segundo em menos de 24 horas, duraram mais de hora, e as previsões é que vêm mais por aí. A Marinha do Brasil fez chamada de Alerta Vermelho para hoje, 21/12. Na minha cidade do Natal há vários dias o tempo está feio com nuvens carregadas. Para hoje, quinta-feira, o anuncio  é de temporal. Enquanto escrevinho essas linhas os trovões roncam lá fora e a chuva cai com vontade. Eparrei Iansã!          

Das entranhas das embarcações

01 - Janeiro (34)

Já que o tema dominou a cena brasileira nos primeiros dias de julho, levando reconhecidos jornalistas, analistas políticos e políticos não tão reconhecidos assim, a chafurdarem na fossa e de lá emitirem verdadeiros compêndios defecatórios, para não ficar fora de moda, vou chafurdar também.

Quando o assunto é vida a bordo de um veleiro as primeiras coisas que surgem na cabeça das pessoas é volta ao mundo, ilhas paradisíacas, ancoragens encantadoras, mar azul, praias de águas cristalinas, um belo e confortável barco e vida boa de sol e água fresca. Tudo emoldurado por paisagens de tirar o fôlego.

Relatos e livros que contam das aventuras e estripulias de velejadores mundo afora aprimoram tanto nas cores e floreios que os percalços e as hilaridades se perdem no rastro de espuma que se esvai na popa das embarcações. É tanta valentia, tanta esperteza, tanto heroísmo e tantas certezas, que algumas pessoas me perguntam se nessas viagens não acontece nada de errado. Pois é!

Lucia sempre diz que uma boa tripulação não é forjada em terra, mas no primeiro dia de navegada e não tem paisagem espetaculosa, mar de almirante e ventos de festa que abrande o gosto de azedo quando se instala a bordo e o comandante precisa ser muito arretado para contornar os amuos. – E quando o comandante é o azedo? – Bem, aí lascou tudo!

Diz a lenda que um certo navegador brasileiro que se fez no mar em viagens em solitário, no dia em que inventou de convidar uma tripulação para uns bordos nos mares gelados, se meteu num quebra-pau que até as focas se esconderam. Segundo as más línguas, até hoje os marujos se olham de través. Os motivos do barraco oceânico não sei e nem sei dizer se existiu de fato, apesar das candinhas afirmarem que viram a fumaça do arranca-rabo por além do horizonte. E foi justamente nesse ponto da conversa, numa mesa repleta de cascos vazios de Skol, que um amigo perguntou: “– Será que foi um peidinho?”

Não é fácil conciliar costumes, mal costumes, egos, manias, sonhos, condições financeiras, profissões diversas e as temíveis necessidades fisiológicas dentro de um ambiente restrito, desconfortável, que muitas vezes não chega a medir 15 metros quadrados de uso comum, com uma tripulação de duas, três, quatro, cinco, seis pessoas, numa velejada de uma milha ou mais. É preciso ir muito além dos limites da parcimônia, da boa vontade e da camaradagem. Por mais que os arquitetos navais se esmerem não conseguem acomodar diferenças e nem impedir que odores se espalhem no ambiente. – E quem danado impede? – Pois num é mesmo!

Dizem que certa feita um grupo se juntou para transportar um veleiro entre duas capitais do Nordeste, quando ao largo de Sergipe, após um farto almoço de caruru regado a cervejas geladas, um dos tripulantes foi ao banheiro e para seu desespero a massa azeitada de dendê foi tão abundante que a bomba de descarga não deu conta. Sem saber o que fazer diante da reclamação e da falta de ar dos parceiros, teve que meter a mão num saco e esvaziar o conteúdo literalmente no manual. Depois que terminou a faina, retornou ao cockpit todo faceiro e feliz, mas antes de sentar para relaxar, um colega disparou: – Ei, mão de cocô, pegue aí uma cerveja para mim! Faltou pouco para o tempo fechar.

Contam que um casal navegava entre o Rio de Janeiro e Angra dos Reis, quando diante da magia encantadora do crepúsculo, abriram uma garrafa de espumante e antes do brinde que selaria o momento, espalhou-se no ar um bodum que mais parecia vir das profundezas de uma catacumba. As velas afrouxaram, o barco saiu do rumo, o homem atordoado, perguntou para a namorada: – Você peidou? Ela no maior cinismo: – Eeeeu não! Ele tapou os olhos para não ficar cego e afirmou: – Você peidou, sim! Foi aí que ela, com a cara mais lavada do mundo, respondeu: – Meu amor, só estamos nós dois aqui, se não foi você, lógico que fui eu! E assim, deu uma risada e um delicioso gole no espumante. O namorado, com os olhos ardendo que nem pimenta, a muito custo conseguiu dar um bordo e retornou ao Rio. O namoro terminou aí e nunca mais se falaram.

Na Baía de Todos os Santos recebemos a bordo do Avoante uma amiga muito educada e no terceiro dia de navegada, começamos a notar que ela estava meio macambuzia e Lucia me chamou atenção que não tinha visto ela ir ao banheiro, mas não comentamos nada para não constrangê-la.

À noite, diante da exuberante ancoragem da Ilha da Cal, a amiga falou meio envergonhada que iria ao sanitário. Já prevendo a situação, botei um rock para tocar em meio volume, abri uma cerveja, sentei no cockpit e após um tempo sem nada de sons e odores vindos do sanitário, acenei para Lucia, que fez uma expressão de sei lá, e no instante seguinte ouvimos a sentença que trouxe a descontração que estava faltando aquela velejada: “– Homi, tá vendo que não vou dar cabimento a fiofó. Não quer cagar não cague! ”

Pois é, a bordo de um veleiro a vida segue em rumo normal e o importante é ser feliz!

Nelson Mattos Filho

Registros históricos de um mar de encantos

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Cascaviando nos arquivos empoeirados do computador, encontrei essas duas imagens, que sinceramente não lembro quem me enviou, de antigos mapas da Baía de Todos os Santos. Para mim, que durante tantos anos por lá naveguei, conhecendo palmo a palmo suas fascinantes ancoragens, aprendendo com seus segredos, colhendo amigos e se encantando com a riqueza histórica daquelas água, os mapas são de encher os olhos. Confesso: Sou apaixonado pelo mar da Bahia, seus mistérios e sua gente.

O buraco e a fonte

1Dia desses nos grupo de mídias sociais de velejadores baianos pipocaram imagens da Fonte do Tororó, uma das joias da Baía de Todos os Santos, em que se dizia que o local havia desabado, porém, a notícia logo foi desmentida. Segundo relatos, o desabamento se deu um pouco mais a frente da bela Fonte, hoje quase sem água. A Fonte do Tororó, debruçada sobre as águas do Senhor do Bonfim, é emoldurada por uma maravilhosa mata nativa e se apresenta com uma convidativa prainha de areias brancas. Por várias vezes o local serviu de ancoragem para o Avoante e em uma delas foi local escolhido para comemorar um dos meus aniversários. Ultimamente tenho escutado comentários de que a ancoragem não merece confiança, o que é uma pena. Hoje me apeguei com a notícia, no G1 Bahia, que uma enorme cratera está intrigando técnicos e ambientalistas, na mata no centro da Ilha, que não é mais ilha, de Matarandiba, localidade que abriga a Fonte. Os estudos indicam que a cratera cresce a cada dia e em sete dias já aumentou quase três metros. A área pertence a empresa Dow Química, que de lá extrai salmora de seis poços a uma profundidade de 1,2 mil metros. O buraco da Dow Química já está com quase 72 metros de comprimento por 30 de largura e quase 46 metros de profundidade. Agora eu pergunto: – Será que não poderiam aproveitar esse buraco para jogar dentro uma ruma de… Homi, deixe quieto! Como se diz na Bahia: Deus é mais!     

Lembram do naufrágio na Baía de Todos os Santos?

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Segundo entendimento dos nobres e respeitados ministros do Supremo, a justiça tem que andar lenta, gradual e quem quiser que esperneie, pois não foram eles que inventaram as leis e estas dão plena guarida de liberdade aos réus, até que se esgotem as disposições em contrário, ou, como dizem as más línguas, “o dinheiro necessário para a ação seguir em frente”. Vixi! Mas ainda bem que existe o desentendimento e é ele quem faz a justiça caminhar cambaleante que nem bêbado: Um passo pra frente, dois para trás, três pra frente e vez em quando um tropeção e assim vamos nós. Oito meses depois do naufrágio do barco de passageiros Cavalo Marinho I, que matou 19 pessoas numa manhã chuvosa na Baía de Todos os Santos, a polícia concluiu o inquérito do caso e indiciou, por homicídio culposo e lesão corporal culposa, o comandante da embarcação, o proprietário da empresa e o engenheiro naval que assinou o laudo atestando a navegabilidade do barco. A Marinha do Brasil e a Agerba (Agência reguladora que cuida também dos transportes na Bahia), foram isentadas de responsabilidade. Aos indiciados, resta esperar que o MP-BA analise as provas e os fatos, e leve, ou não, o caso as barras dos tribunais, onde a história é longa para uns e para outros nem tanto.  – Lembram do Bateau Mouche?Lembram dos intermináveis naufrágios com os barcos que fazem transporte na Amazônia?  – Lembram de alguns dos diversos acidentes  com vítimas fatais que acontecem sistematicamente em nossas águas, dois, inclusive, bem recentes nos mares do Sudeste? – E do acidente que mutilou o fantástico velejador Lars Grael? – Lembram? – Lembram também o que aconteceu com algum dos indiciados, ou réus? Pois bem, diz o ditado que quem morre é quem paga a conta. Que o Senhor do Bonfim, que a tudo observa do alto da Colina Sagrada, perdoe os nossos pecados.   

Minha primeira noite em mar aberto

IMG-20180222-WA0070A palavra hoje está com o velejador Anselmo Pereira, comandante em chefe do veleiro Solaris, contando um pouquinho – e deixando em mim uma imensa saudade – do que foi sua primeira navegada em mar aberto, nas águas abençoadas pelo Senhor do Bonfim, a bordo do veleiro Pappi. Vamos embarcar nessa aventura!

Nosso amigo, comandante Jorjão, veterano velejador, nos convidou a participar da regata Salvador/Ilhéus. Não nos sobrou muito tempo para os preparos, devido a semana muito corrida que tivemos, resolvendo alguns dos problemas no barco, mas aceitamos de imediato.

Sexta feira, 2 de fevereiro de 2018, a ansiedade transborda, para mim, uma experiência única, além de uma excelente aula prática. São quase sete horas da manhã, dia ensolarado a cara do verão da Bahia. Saímos de casa bem cedo, demos uma passada no mercadinho da ilha, para complementar umas coisas de cozinha. Chegamos ao Aratu Iate clube, antes das sete horas, o comandante Ferreira, já estava a bordo do seu veleiro PAPPI, um Delta 36. Eu e Sandra éramos seus convidados e sua tripulação.

Como de costume, fizemos as verificações dos equipamentos de navegação, maré, vento, cartas, condições meteorológicas e mantimentos. Nossa travessia era estimada em um dia, e uma noite até o destino. No retorno não tínhamos data preestabelecida, passaríamos alguns dias em Camamu, em Canavieirinhas, Morro de São Paulo, e arredores, os locais mais cobiçados da costa sul da Bahia.

Velas içadas, 07h20min saímos do Aratu com destino ao porto da barra. O mar estava calmo como uma lagoa, os barcos ainda dormiam imóveis agarrados as suas poitas e vagas, o silencio só era quebrado pelo barulho no nosso motor, e um bando de garças que passavam sobre os veleiros grasnando. As águas verdes esmeralda e cristalinas, o vento era apenas uma leve brisa fresca. Após atravessarmos o canal de Cotegipe deixando para trás, os gigantes navios atracados aos terminais, seguimos com a proa na barra. O grande espelho de água refletia a imagem dos morros dos subúrbios a nosso bombordo. Após cerca de três horas de navegação, chegamos ao ponto de partida, em frente ao Iate Clube da Bahia, próximo do farol da Barra, ali seria dada a largada. Após a chegada de todos, e informações necessárias, exatamente às 11h20minh foi dada a largada. Todos se apressaram em alinhar a proa, de acordo a sua rota e estratégia.

Coração a mil, avançamos em direção ao mar aberto, aos poucos, as águas mudam de volume e cor, mais intensas e intimidadoras. O vento aumentou a intensidade, tal qual a euforia da tripulação. Depois de muitos ajustes e reajustes nas velas, nos concentramos na rota. À medida que às horas passavam e nos afastávamos da costa, ficávamos mais rápidos. O moral da tripulação estava alto e animado com a aventura.

A cada instante que olhávamos para a cidade, era como se estivéssemos nos apegando ao último pedacinho de terra, sabíamos que em breve desapareceria completamente. Após umas cinco horas navegadas, olhei nostalgicamente para trás na esperança de ver algo entre as ondas, porém o que vi foi apenas um pontinho que aparecia e desaparecia no horizonte líquido. Agora em nossa volta, as águas do oceano, eram de um azul impressionante. Daí em diante começamos a relaxar e passamos a desfrutar da maravilhosa e suntuosa paisagem marítima. Os nossos concorrentes espalharam-se como patos na lagoa, cada um seguia para uma posição tentando ficar a frente. Para mim, participar já era bom, ganhar seria o máximo, mas, apesar do desejo, tinha consciência do degrau que aquela experiência me proporcionaria. O tempo passa como um filme em câmera lenta, o mar ficou maior, suas ondas se transformaram em gigantes azuis. Diante da majestosa força, me dei conta da nossa pequenez. O oceano é fascinante, mas, provoca certo frio na barriga. O valente PAPPI demonstra que é realmente um valoroso marinheiro, sua proa cortava as ondas como uma navalha, deixando para trás, uma trilha de espumas brancas sobre o profundo azul. Naquele momento, a confiança se torna um laço estreito entre o barco e sua tripulação. Antes do anoitecer, já no finalzinho da tarde, fomos premiados, uma família de golfinhos nos acompanhou durante um bom tempo, vieram nos dar as boas vindas. Tão rápido como apareceram, desapareceram na imensidão, e assim a noite abraçou o PAPPI, e sua audaz tripulação.

As tripulações eram compostas por três membros. No PAPPI, comandante Ferreira, eu e Sandra. No NABOA, comandante Jorjão, Kathia e Bené. As tripulantes femininas, além de nos ajudarem bastante em outras tarefas, nos proporcionaram saborear deliciosos pratos. Por exemplo, não sabemos como Sandra consegue fazer café, mesmo com veleiro em movimento ou adernado, certamente elas são marinizadas.

À noite a paisagem ficou surreal, céu e mar se confundem, dando a impressão que flutuávamos sobre as estrelas. Já navegávamos a cerca de dez horas. Na escuridão, tudo que enxergávamos eram as luzes de navegação dos outros barcos. O frio apertou, coloquei meu blusão, e assumi o comando dando um merecido descanso ao capitão Ferreira, muito embora, ele não arredasse o pé do cockpit nem por um segundo. Um verdadeiro Comandante! Por volta das 4 horas da madrugada, o mar se agitou um pouco, passamos pela retaguarda de uma pancada de chuva, mas foi muito rápido e o PAPI seguiu estável e incólume. Cerca das 04h30minh da matina, o dia se manifestava através da tênue luz solar. Nesse momento o vento simplesmente evadiu-se. O barco parou, são mil emoções. Tentamos diversas manobras possíveis, mas não conseguimos avançar… Será que o vento ficou chateado com alguma coisa? Literalmente ficamos à deriva. Já navegávamos por mais de dezessete horas, e os sinais da juventude acumulada já se manifestavam. A situação ficou bastante desagradável, e de certa forma um pouco arriscada. A agitação e os balanços desencontrados das ondas jogavam violentamente a retranca do mastro de um lado para outro.

Após cessarem todas as tentativas, chegamos ao nosso limite e precisávamos de uma saída, e a única alternativa naquele momento, seria ligar o motor, ou ficar, não se sabe por quanto tempo naquela situação. Em consenso com a tripulação, o comandante tomou a decisão: Ligar o motor e seguir em frente. Após uma hora navegando o cretino vento retornou, mas, já havíamos decidido. Com o motor ligado, cruzamos a comissão de regatas, e consequentemente fomos desclassificados como previsto, porém, com nossa honra intacta.

Ancorados e relaxados, mais tarde fomos recebidos pelos membros do Iate Clube de Ilhéus, onde saborearam uma bela feijoada, ao sabor de umas geladas, assistimos a entrega dos troféus aos vencedores. Entre eles, em primeiro lugar na sua categoria, como não poderia deixar de ser, o NABOA. Ao final das comemorações, o capitão Ferreira foi chamado pelos organizadores e lhe foi conferido o troféu honestidade. Ficamos felizes e cheirando as nuvens.

Após uma rápida visita a cidade, retornamos ao aconchego do PAPPI, e dormimos como anjos. Mas, nem tudo são flores… O dia ainda não havia amanhecido, acordamos sob uma tremenda borrasca, os sacolejos das agitadas águas do porto, quase me jogaram no assoalho. Firme e forte, o nosso otimista comandante Ferreira e seu guerreiro PAPPI, saímos em direção ao mar aberto, seguindo o NABOA. O comandante Ferreira, além de ser ponderado, tem uma característica que lhe é peculiar… Otimismo, isso mesmo, pra ele uma borrasca é uma garoa, uma ventania é uma brisa, ou seja, não tem tempo ruim. O comandante Jorjão possui outra característica também peculiar… Habilidade e conhecimento. Navegando em mar aberto, ou em rasos e estreitos canais, seu Delta 36, se torna uma extensão do seu corpo, é impressionante. Assim ambos provaram que, quem é do mar não enjoa. Assim, partimos para mais aventuras.

Anselmo Pereira 

Agradecimento

01 - Janeiro (188)

Não sou baiano, mas vivi nas águas da Bahia um sonho de vida, de aprendizados, de observações e me encantei por aquele mar tão cheio de segredos, mistérios e fé. A Baía de Todos os Santos é um mundo ainda a ser descoberto, um mundo de histórias onde a historia do Brasil é contada em prosa, verso, samba de roda e no graminho dos saveiros e seus mestre de sabedoria infinita. Um mundo dentro de um mundo em constante ebulição, mas incrivelmente ensopado de ternura. Quem vai ao mar da Bahia tem sim que seguir o aviso para sorrir, porque ali a vida é incrivelmente mais bela e feliz.

raimundoSexta-Feira, 23/03, não tive a oportunidade de assistir o Globo Repórter que falaria sobre a Baía de Todos os Santos, que naveguei e conheci como poucos, porém, me apressei em procurar na internet, já no sábado, 25, o vídeo do programa e me achei nas palavras, imagens e personagens tão bem, e carinhosamente, mostrado pelo excepcional repórter José Raimundo, um baiano  da gema que estava super a vontade na matéria e que faz pose na imagem ao lado de Dona Cadu, famosa ceramista de Maragogipinho. Tenho sim que agradecer ao Zé Raimundo, toda a equipe que o acompanhou e a Rede Globo, por nos presentear com uma reportagem tão arretada, que me trouxe boas recordações e saudades. O triste foi ver que o abandono dos patrimônios materiais e imateriais continua a caminhar a passos largos, coisa que sempre denunciei aqui.              

Votos renovados com o mar – IV

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Naveguei no mar da Bahia durante boa parte dos meus onze anos e cinco meses morando a bordo do Avoante e acho que tenho o direito de dizer que o mar do Senhor do Bonfim e seu séquito de Orixás é simplesmente fantástico, inebriante e que todos os elementos da natureza conspiram em favor do povo do mar, porém, existe sim um escabroso e indecifrável abandono das autoridades com aquele mundo tão fascinante. Não canso e jamais cansarei de afirmar que não existe no mundo um lugar melhor para navegar e curtir a vida de velejador cruzeirista, do que o mar cantado em verso e prosa por diversos compositores e escritores mundo afora, sem falar nos maiorais Amado e Caymmi. O mar azeitado de dendê, adocicado de cocadas, dourado com a crocância do acarajé e embebecido com o sabor inigualável do jenipapo, tem segredos e enredos infinitos, basta olhar para ele e ter a sensibilidade de pescar um pouco das essências que ali afloram. Escrevendo assim, muitos podem achar que sou mais um baiano bairrista, mas sou não, sou sim um apaixonado papa jerimum que tem o coração e duas belas joias, do melhor quilate, encravados no chão da filha de Oxum Mãe Menininha do Gantois.

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A noite corria alta e eu observava as sombras que dançavam sobre o manhoso Rio Paraguaçu. Das sombras ouvi ecos surdos de penosos lamentos do velho rio, denunciando a descortesia dos homens diante de sua grandeza e importância histórica. Dizem que os velhos reclamam de tudo e de todos, mas dizem também que a mocidade não gosta de ouvir verdades. Ouvindo aquele lamento surdo e quase inaudível, fechei os olhos e sonhei com as canoas de um tempo passado, carregadas de felizes e barulhentos Tupinambás. Como deve ter sido bom aqueles dias de índio de outrora, até o dia em que chegaram uns homens brancos, com vestimentas cravejadas de brilhantes e marcadas com o símbolo de uma cruz que a tudo proibia e condenava, e o que era bom se acabou.

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Dia claro, hora de levantar âncora e aproar o catamarã Tranquilidade para adentrar um pouco mais o Paraguaçu até o povoado de São Tiago do Iguape, uma lindeza de fundeadouro abençoado pela visão de mais uma belíssima igreja matriz debruçada sobre as águas. Jogamos âncora, porém, demoramos pouco, apenas o tempo de respirar o ar daquelas paragens e registrar mais uma vez nossa passagem por São Tiago, lugar que temos os bons amigos, Dona Calú, Seu Jarinho e o pescador Lito. Com a maré de vazante saímos do Paraguaçu para ancorar em Salinas da Margarida, outro fundeadouro bom demais da conta e onde passamos a noite.

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Se aproximava o dia da nossa despedida daquele mar de bondades e mais uma vez retornamos à Praia da Viração, que o comandante Flávio marcou em seu cardeninho de anotações como uma delícia de praia. Lucia, como sempre, preparou um almoço dos deuses e ficamos ali, olhando a paisagem e jogando conversa fora, como se o tempo não existisse, mas ele existe e tínhamos que seguir viagem. Para onde? Que tal ir até o Aratu Iate Clube para saborear aqueles pasteis fora de série? Boa ideia, vamos lá! Bem, os pasteis não degustamos, porque o Wilson estava fazendo manutenção no restaurante, porém, lá nos esperavam o Paulo e o Maurício, para festeja nossa estadia com uma rodada da mais gelada cerveja sob as cores do pôr do sol, que das varandas do Aratu é imbatível.

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Mais uma noite se passou e pela manhã voltamos para o local de nossa partida no Angra dos Veleiros, na Península de Itapagipe, bairro da Ribeira. Com as energias e os votos renovados no mar da Baía de Todos os Santos, festejamos a boa vida que tivemos naqueles sete dias a bordo do Tranquilidade, um modelo BV 43 construído pelo estaleiro maranhense Bate Vento. Como se diz na Bahia: Um barco da porra!

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No dia seguinte levamos o comandante Flávio e Gerana para um tour pela cidade de Salvador. Visitamos o Mercado Modelo, o Pelourinho, a Ponta de Humaitá, o Rio Vermelho, o Mercado do Rio Vermelho e o Farol da Barra. Turistar pela capital baiana é caminhar sobre a história de um Brasil mais encantador impossível. Apresentar aos amigos o mundo que tivemos a alegria de viver por tantos anos e que tantas alegrias nos trouxe, é para nós uma felicidade imensurável.

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Os nossos anfitriões do Tranquilidade voltaram para Natal e nós ficamos mais um dia para ver as duas joias que citei lá em cima. Nelsinho e Amanda, o melhor de toda essa viagem, em dezembro de 2016, foi poder mais uma vez abraçá-los e beijá-los. Que o Senhor do Bonfim sempre os proteja.

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P_20161214_102809“Nessa cidade todo mundo é de Oxum/…Toda essa gente irradia magia/…eu vou navegar, nas ondas do mar, eu vou navegar…”

Nelson Mattos Filho/Velejador

Votos renovados com o mar – III

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Na página anterior desse relato estávamos com o catamarã Tranquilidade ancorado em frente a Praia de Mutá, uma gostosa baía no canal interno da Ilha de Itaparica, e prontos para degustar umas garrafas de Muvuca, Saruaba, Tribufu e Retada, produtos da cervejaria ED3, de nomes bem abaianados e que levam prazer aos amantes de uma boa loura gelada. Tive o prazer de experimentar algumas garrafas das ditas cervejas logo no início da produção, no veleiro Guma, do casal Davi e Vera Hermida, e essa prova deixou um gosto de quero mais, porém, o tempo passou, mas a vontade não. Quando o comandante Flávio nos convidou para o passeio no Tranquilidade, no início de dezembro de 2016, disse que eu incluísse no roteiro a visita a cervejaria de Mutá, o que fiz mais do que depressa. E lá estávamos nós, desembarcando para a visita.

P_20161208_182654A ED3 teve início com o sonho de três casais, entre eles Almir e Simone, que queriam produzir cerveja para desfrute da família, que não é pequena, e do time dos amigos, que é maior ainda, porém, o que era sonho de bons bebedores, virou um excelente negócio, pois a cerveja logo no primeiro gole deixava no ar o sabor do sucesso. Hoje o maquinário cresceu, o galpão aumentou, mas o que continua o mesmo é o sabor das cervas e a acolhida maravilhosa com que os proprietários recebem os visitantes, com direito a roda de samba, bons papos e tudo mais. O difícil é querer deixar o galpão e voltar para o barco, mas depois que deixamos vazias algumas dezenas de garrafas, foi o que fizemos e ainda trazendo na garupa algumas caixas para festejar num futuro próximo. A direção da cervejaria está em vias de fato para colocar a praia de Mutá no roteiro turístico náutico da Bahia e com certeza os visitantes saíram encantados e bem animados.

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Após uma noite das mais tranquilas, acordamos cedo, levantamos âncora e prosseguimos em nosso roteiro pela Baía de Todos os Santos. Voltamos a Itaparica para reabastecer os tanques com água e rumamos para a praia de Loreto, outro fundeadouro inigualável, por trás da Ilha do Frade, e onde a vida a bordo é mais gostosa. Loreto estava coalhada de veleiros de amigos, que tomara não vejam essa minha declaração, pois ficarei com um débito impagável por não tê-los visitado, contudo, antes de receber a primeira cobrança, peço perdão pela falta grave e prometo não cometer outra, pois todos eles moram em nossos corações.

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O comandante Flávio e Gerana ficaram fascinados por Loreto e no dia seguinte, quando seguimos viagem, disseram que voltariam o mais breve possível, porque nunca imaginaram que ali existisse um lugar tão lindo e com uma natureza tão exuberante. Na verdade quando tracei o roteiro queria mesmo visitar lugares que sempre me acolheram bem, porque era o meu reencontro, depois de cinco meses afastado, com um mar que amo de paixão.

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De Loreto rumamos para a Praia da Viração, vizinho a Ponta de Nossa Senhora, do lado sul da Ilha do Frade. A Viração é de uma lindeza sem igual e para muitos é o Caribe na Bahia, com águas cristalinas, onde se avista a âncora no fundo do mar, e uma faixa de areias brancas emoldurada por uma mata em estado praticamente nativo. Viração é uma APA e como todas, tem regras que regulam sua visitação, porém, ainda se pode ver alguns deslizes da nossa falta de educação ambiental. A praia recentemente recebeu alguns créditos a mais de fama, por ter sido destino de constantes banhos de mar da presidente Dilma, em suas férias na capital baiana. A praia é linda sim, mas pouco frequentada pelos velejadores.

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Da Praia da Viração aproamos o Rio Paraguaçu e fomos jogar âncora em frente ao povoado de São Francisco do Paraguaçu e seu Convento enigmático. Era hora do pôr do sol e abrimos um vinho para comemorar o dia que se ia e festeja a noite que tomava espaço. Entre um gole e outro com o líquido de Baco, fiquei matutando nas várias visitas que fiz aquele rio histórico e nas páginas do Diário que preenchi denunciando o descaso existente em tão belo cenário. Tudo continua na mesma, ou pior, mais maltratado ainda. Durante nossa velejada vespertina não encontramos nenhum veleiro, apesar de sido em período de um longo feriadão. Se o Paraguaçu fosse em um país europeu, americano do norte ou mesmo em alguns países orientais, garanto que seria tratado com toda importância e zelo que merece. Infelizmente tratamos nossas riquezas naturais da mesma forma como tratamos todo o restante de nossas causas, sem o mínimo de interesse em ver os bons resultados. Temos leis para tudo e para todo gosto, mas nenhuma serve além de sua escrita. São feitas apenas com o intuito de acalmar ânimos e nada mais, pois em suas entranhas, propositalmente, faltam princípios.

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O Convento de São Francisco do Paraguaçu, assim como a grande maioria dos monumentos as margens do Rio Paraguaçu, está sob os domínios da lei do patrimônio histórico, acho que seria melhor que não estivesse.

E a noite cobriu o rio!

Nelson Mattos Filho/Velejador