Enxu Queimado, 30 de setembro de 2016
Meu caro Afonso, bem que a vidinha por aqui poderia ter seguido na mesma mesmice que você viu há uma semana, porém, a campanha eleitoral entre os vermelhos e os laranjas – é preciso dizer que por aqui laranja é a cor de um partido – andou mexendo com o ânimo dos eleitores e pelas delongas dos palanques, a coisa vai ser decidida no pau a pau. Um lado diz que é liso, o outro fala em dar lapada a torto e a direito, enquanto isso, o povo sai doido em um pula pula quase que sem fim. Tomará que chegue logo os finalmente para ver o resultado da prova dos nove. Meu amigo, por aqui chegaram notícias entristecidas que dão conta que pelos recantos desse Brasil sem rumo os caras estão matando um político e deixando outro amarrado para o outro dia. O que danado é isso homem de Deus? Será que já chegou o dito tempo do retorno, onde os homens se engalfinhavam até por um alegre bom dia? Está parecendo aqueles velhos filmes de Django. Pois é, a bala está comendo no centro e ainda não vi ninguém fazer um pantim para ir as ruas reclamar.
Amigo, pois não é que o violão que você me deu de presente está fazendo o maior sucesso entre os passantes. Rapaz, eu sento na varandinha da choupana e fico naquele moído do, pan, pan, pan/pan, pan, pan, pan/pan, pan e quando a turma passa, comenta: – Eita Nelson, tirando um som aí né? Eu, fazendo pose de quem já sabe, respondo: – Estou ensaiando uns acordes novos!
Sim, já ia esquecendo, pois não é que eu voltei a caminhar, e em plena sexta-feira. Onde já se viu alguém começar a caminhar numa sexta-feira? Pois começamos e tudo indica que já iremos parar amanhã. Tudo indica, mas não é certeza. Pelo menos as estatísticas dizem que sim. Qual estatística? Sei lá, mas deve ter algum estudo sobre isso por aí. Deixando de lado a matemática, eu adoro caminhar e pensar na vida, porque acho que tudo se acomoda em nossa cabeça enquanto caminhamos e os pensamentos ficam oxigenados e mais libertos – com essa agora lembrei do amigo Flávio Rezende. Até os médicos juram de pés juntos que não existe nada melhor para o coração do que uma boa caminhada diária. Eu também acho, mas a danada da preguiça não acha e quando dou por mim ela assume o controle, e eu é que não vou discutir com ela. Se ela quer assim, assim será!
Você viu falar que hoje é dia de uma tal Lua Negra? Pois é! Os cabocos não têm mais o que inventar no mundo aí se danam a pintar a Lua. Um dia é azul, outro é vermelha e agora é negra. Os homens das ciências lunares dizem que quando calha de ter duas Luas novas durante o mesmo mês, a segunda é negra, mas como ninguém enxerga mesmo a Lua nova, fica tudo como está e o dito pelo não dito. Já teve gente dizendo que quando isso acontece, e acontece a cada dois anos, a besta fera corre solta no meio do mundo e tem quem diga que até o chupa cabra dá as caras. Eu andei assuntando por aqui, porém, ninguém sabe desse assunto de Lua negra, por isso resolvi ficar quieto e vou tentar escutar se algum pocotó ecoará pela noite.
Amigo, a caminhada de hoje foi longa e aproveitando a maré baixa, que estava baixa mesmo, deu para pensar um monte de arezia. Você sabia que as paisagens das nossas praias estão mais desfocadas do que retrato de piquenique. Rapaz, as torres dos geradores eólicos já estão quase no beicinho da praia e do jeito que vai, basta Netuno acordar com o tridente virado para engolir tudo. Até as dunas móveis, outrora tão defendidas pela turma verde, já se foram dessa para uma melhor. Aliás, os informes jornalísticos dizem que pelos países primeiro mundista as torres já avançaram mar adentro e já devem estar servindo até de baliza para tirar carteira de marítimo. Pense aí o instrutor dizendo ao aluno: “Encoste o navio de ré entre aquelas duas torres”. Ei, se o cara não for bom não bota nem a pau!
– Você está rindo? Pois não ria não, porque daqui uns dias, quando acabarem as dunas e as caatingas do nordeste, você vai ver o cancão cantar nas hostes de Iemanjá. Vai ser tanto resmungo, tanto amuo, tanto arranca rabo da turma do verde, mas tudo vai entrar num ouvido e sair no outro, pois a turma do progresso é mais arroxada do que dindin. Duvida? Duvide não, pois está tudo aí para provar a verdade! Eu só fico pensando é na turma da vela. Você já pensou a peleja que será ficar dando bordo aqui acolá para se livrar daquelas palhetas gigantescas? E por falar em palhetas: Você sabia que uma pazinha daquelas, que gira nas torres eólicas, pesa mais de 7 toneladas? – E daí? Sei lá, mas eu soube e quis espalhar!
Pois é Afonso, os assuntos são muitos, mas se falar tudo, falta assunto mais para frente. Bem agora vou armar a rede na varanda e tentar ver a sombra dessa Lua negra.
Até mais.
Nelson Mattos Filho