Arquivo do mês: fevereiro 2021

Coisas de um deus mar

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Na última postagem, Coisa de gente grande, comentei sobre a Barra de Natal e por felicidade, hoje, ao curiar o perfil facebookiano do amigo e fotógrafo arretado, Adelino Neto, me deparei com o maravilhoso retrato da foz do Potengi amado. Uma imagem perfeita de uma das mais intrigantes barras desse Brasil sem eira nem beira, em um momento de amaciante vento Leste. Vento que estira sobre o mar papa-jerimum um tapete para acalentar e acariciar os valentes marinheiros de Poti. Não canso de afirmar que quem navega o oceano potiguar, está preparado para navegar em qualquer oceano do mundo. Amigo, Pombinha, senti falta de uma velinha branca compondo o quadro, mas tem nada não, na próxima, sente em uma mesa do velho Mercado da Redinha, peça uma porção de Ginga com Tapioca, patrimônio imaterial de Natal, prepare a máquina é não se avexe.   

Coisa de gente grande

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Vendo a imagem da peleja desse brutamonte na barra da Figueira da Foz, em Portugal, que segundo contam é a barra mais perigosa do mundo, viajei no tempo e parei diante da lembrança de uma velejada, em 2009, participando da saudosa Regata Fernando de Noronha/Natal, riscada, sem apelação, do calendário náutico brasileiro pela força de uma decisão autoritária e monocrática. Pois bem, naquele ano o mar entre a ilha maravilha e a capital potiguar estava sob efeito de uma gigantesca ressaca de Netuno. O Avoante, barquinho tinhoso que só vendo e acostumado aos amuos do rei, aprumou a proa e na maciota foi deixando esteira na montanha russa de ondas. Após 33 horas de velejada chegamos em frente a boca da Barra de Natal, que estava um verdadeiro salseiro com ondas de “faroeste” e forte vento sudeste. No momento que aproamos a primeira boia, encarnada, estava no comando o capitão Francisco Vasconcelos, então Capitão dos Porto do RN, que solicitou embarcar no Avoante no retorno ao continente. Ao ver o reboliço pela proa, o capitão olhou para mim e falou: “Comandante, que barra é essa homem? Isso é coisa de gente grande. Assuma aqui, chegue!”.       

Cartas de Enxu 83

12 Dezembro (52)

Enxu Queimado/RN, 24 de fevereiro de 2021

Eh, os caminhos de se caminhar são tantos e tão cheios de surpresas, que jamais adivinharemos o que existirá ao dobrarmos a próxima esquina, mesmo que todos os dias façamos o mesmo percurso.

E assim, as Cartas de Enxu chegam ao fim após 4 anos de contos, fatos, coisas e muitos moídos que marcaram o cotidiano em um dos mais bucólicos povoados praieiro do Rio Grande do Norte.

Queria chegar ao número 100, mas a vida mansa, preguiçosa e por vez laboriosa desse escrevinhador que se dividia entre apreciar o belo quadro natural exposto pela paisagem do coqueiral, com o mar servido de fundo, e a produção artesanal das melhores “pizzas do universo” – pois já disse aqui que criança não mente –, não deixaram cravar a meta. – Será desculpa? – E das esparradas!

O que seria mesmo a pretensão da tal meta diante de uma comunidade pesqueira tão verdadeiramente Brasil? Sempre disse aos amigos, que se refestelavam sob o assombreado da minha cabaninha de praia, que em Enxu Queimado eles estavam no Brasil real e muitas vezes eles achavam graça e brindávamos quando eu nominava o belo recantinho de litoral como, “República Independente de Enxu Queimado”.

O número 83 é o ponto final em uma sequência, mas não dará fim aos escritos dos causos e moídos trazidos e levados pelos alísios em estágios temporãos. Muita coisa boa, muito riso, muito choro, muitas saudades estão arquivadas em minha cachola e não pretendo que fiquem esquecidos sobre os escombros do tempo.

Como deixar passar em branco a estória libidinosa de um coco e uma carne de porco bem lisinha? Como esquecer a peleja do pescador contra sete surrupeios que embarcaram em sua jangada? E a agonia do morador que sempre que chegava em frente de sua casa, depois de uma bebedeira, pedia aos gritos pelos encantos da esposa? E o pescador que só ia pesca depois de ver do beiço da praia aonde estavam os peixes? E as paneladas de galinhas “roubadas”? Não, não posso deixar de lado a riqueza hilária da história de um povo.

Enxu Queimado, segundo uma faixa colocada no centro da comunidade, existe porque persiste, porém, não concordo com ela, apesar de ser favorável a luta dos que ali vivem, pelo reconhecimento e normatização territorial, porque sei que a bela prainha, que tem um lindo coqueiral como sua mais fiel impressão digital, existe pela beleza de seu mar, pela fascinante faixa de praia, pelas dunas apaixonantes, pelo seu povo alegre, acolhedor e festeiro, pela magia de suas ruas, becos e vielas, pela cor do seu céu, pela maciez dos seus alísios, pela riqueza da produção do seu pescado, pelo navegar de suas embarcações e principalmente pela nobreza do coração de seu povo.

Enxu Queimado requer apenas um pouquinho de atenção e muita responsabilidade nas ações dos seus governantes para que se torne, num futuro próximo, um novo porto para o mais fino turismo nacional. No pórtico de entrada em Pedra Grande, sede do município, está escrito, O Brasil começou aqui, é começou mesmo, mas felizmente não progrediu o necessário e ainda é uma terra em estado bruto. Hoje, depois de mais de 500 anos, bem que poderia se lapidar, retomando os passos do progresso, colhendo frutos que deram certo por aí e deixando de lado as ervas daninhas.

Deixo aqui o meu abraço a um povo acolhedor que há trinta anos recebeu a mim e a Lucia, com muito carinho, nos abraçou e nos fez parte de suas famílias quando decidimos, em 2016, estabelecer residência em Enxu e ter dado vida a Avoante Pizzas e Saltenhas, um empreendimento que se propôs a oferecer o melhor da gastronomia e atendimento diferenciado a pequena comunidade.

Aos amigos, aos endereçados das Cartas e aos leitores, agradeço a atenção e mais uma vez os convido a conhecerem um dos poucos paraísos litorâneos ainda existente no Rio Grande do Norte.

Seguiremos a sina das avoantes, aves migratórias, caminharemos por novos campos, seguiremos por novos rumos e levaremos a certeza da volta em alguma Estação Ano.

– Você já foi a Enxu? – Não! – Então vá!

Nelson Mattos Filho

Meditosos

AULA DE AUTOCONTROLE (2)

Ao ver na página do velejador Felipe Hamaraky a imagem de um monge budista dando um sonoro dedão a algum desafeto no meio da rua, não tive como não dar boas risadas e lembrei de uma peleja que tivemos em Salvador/BA com uma adepta dos segredos da meditação. Aliás, sempre fiquei com uma pulga atrás da orelha ao lidar com aqueles que se arvoram dos ensinamentos das coisas da fé, da alma e saem a pregar paz de espírito, amor, conciliação, bem querer e a dar as duas faces aos tapas e bofetões, mas isso para os outros, porque com eles nunca dá muito certo.

Não tenho certeza, mas como sou avexado a dar pitaco, aposto um pão doce com manteiga e um copo de ki-suco que o monge da imagem, que vira e mexe reaparece nas postagens facebookiana como “exemplo de ternura”, se pegasse de jeito o desafeto, do outro lado da imagem, ria dar uns bons sopapos meditosos.

Pois bem, tempos atrás, numa sexta-feira de Lua cheia sobre o mar da Bahia, combinamos degustar as cervejas cu de foca servidas pelo saudoso João, no micro e aconchegante barzinho da marina Angra dos Veleiros, no bairro da Ribeira, e assim foi feito.

A Lua preguiçosa em sua caminhada e o bate papo gostoso na boa varandinha estirada sobre o mar, davam o tom de uma noite que prometia boas energias, porém, sob o piso de madeira os duendes davam risadas e rabiscavam estripulias.

Entre uma cerveja e outra os assuntos corriam soltos embalados pelo vento noturno e foi aí que num redemoinho, alguém tirou do saco o tema meditação e após os presentes darem suas opiniões, eu, pela via contrária e doidinho para botar lenha na fogueira, pois sou mesmo chegado a ser do contra, tanto é assim que ao assistir, pela TV, uma partida de futebol entre Vasco e Flamengo, olho em volta para ver qual a maior torcida e me posiciono, como torcedor apaixonado, justamente na menor.

Pois bem, discordei quando disseram que no momento da meditação o praticante não pensa em nada, porque a mente entra em um vácuo. – Como assim? – Claro que quem medita pensa, porque na hora que a pessoa se volta para o seu interior está pensando e pensando muito! Rapaz, juro que escutei o riso dos duendes sob o tablado da varada e no instante seguinte a “meditante” disparou: – Você está me chamando de mentirosa? – Eu não, apenas dei minha opinião! Ela disse que há muito fazia meditação e sabia o que estava dizendo.

Vendo o ódio tomar forma no olhar da meditosa, pedi desculpas, disse que para mim era uma surpresa aquela sua confissão e pedi a João, que ria por trás do balcão, mais uma rodada de cerveja. Lucia, pressentindo que o caldo iria entornar, chamou para irmos embora, o que não concordei, porque deixar aquela Lua maravilhosa caminhar sem ser apreciada era uma heresia.

A meditante levantou da cadeira, olhou para Lucia e disparou: “Eu já estava me entendendo com Nelson e você vem se meter no assunto. Sabe de uma coisa, Vá tomar no centro do c…”. Temendo a reação de Lucia, os duendes se recolheram e ela sorrindo apenas disse: “Parabéns, pegou ar!” . A meditosa juntou suas coisas sobre a mesa, deu uma rabissaca e pegou o beco soltando fumaça pelas ventas.

Um frequentador do bar, sentado na mesa ao lado e observando o moído, comentou: “Vixi, esse povo que faz meditação é muito estressado”.

João, traga mais uma!

Nelson Mattos Filho

Marinha intercepta veleiro carregado de cocaína na costa de Pernambuco

GURUÇA

A Marinha do Brasil interceptou um veleiro/catamarã, bandeira brasileira, com 5 tripulantes brasileiros, a 140 milhas da costa pernambucana, carregado de cocaína e que tinha como destino a Europa. A abordagem aconteceu no último domingo, 14/02. A operação foi realizada em conjunto com a Polícia Federal e parceria com agências internacionais de combate ao narcotráfico. O barco, Guruça Cat, bastante conhecido no meio náutico, pertenceu ao casal Fausto e Guta – que divulgou nota, vide abaixo, em suas redes sociais –, velejadores brasileiros que tempos atrás deu uma volta ao mundo, porém, foi vendido há pouco mais de ano. Fonte: G1/PE

Acabamos de saber que o Guruçá Cat, veleiro catamarã que construímos com muito esmero e que nos proporcionou uma volta ao mundo velejando confortavelmente foi apreendido na costa de Recife lotado de cocaína com cinco tripulantes a bordo.

Gostaríamos de deixar claro que vendemos o Guruçá Cat há quase um ano e não sabemos quem eram seus donos.

Levamos uma vida honesta e honrada.

Um triste episódio para um veleiro querido por tantos brasileiros que acompanharam sua construção e aventuras.

Que as autoridades o leiloem o quanto antes para que os novos donos o tratem como ele merece.

Das coisas assim

1 Janeiro (90)

Ao avistar o filósofo do coqueiral, acocorado no beiço da praia a observar os sons, ritmos e trejeitos dos novos foliões de uma folia confiscada, fui até ele. Ao pressentir minha chegada, foi dizendo: “Marinheiro, poderia ser que o mundo sem a sociologia fosse o mesmo que é hoje, mas pelo menos saberíamos o rumo a ser seguido”. Olhei ao redor, fiz ligeira expressão de riso e, em silêncio, caminhei no rumo de volta para minha cabaninha.

Diário de um barco

03 - março (2)

Escarafunchando as gavetas encontrei esse texto, que me foi enviado pelo velejador baiano Davi Hermida, em 2013, e parafraseando o autor, que infelizmente não sei o nome, mas desde já parabenizo e peço desculpas em divulgar sem sua permissão, esse é um singelo presente aos amantes do mar.

DIÁRIO DE UM BARCO

Amanheci bem-disposto.

O sol tímido a princípio começava a esquentar meu convés depois de muitos e muitos dias de chuva fria e insistente.

Adoro essa sensação de bem-estar, de vida, de preguiça e contrastando boas navegadas.

Sou um veleiro.

Poderia ter sido uma traineira, uma escuna ou até mesmo um saveiro. Tive sorte de meu criador, meu primeiro dono querer a sensação de liberdade, de vento no rosto, de não barulho dos motores e principalmente da vontade de se desapegar do dia a dia nervoso dos grandes centros.

Depois que nasci nos meus 23 pés, sou pequenino, mas forte, e nem sou tão jovem assim, já completei a maioridade, tenho 23 anos. Nem me importo com essa história de faixa etária. Dizem por aí que as embarcações não têm idade, sua alma é eterna, vivem sempre na imaginação dos humanos.

Já morei em rios, canais, enseadas, pequenas baías, grandes baías e vários outros lugares. Um de meus donos certa vez me levou para um lago. Não deu muito certo. Não gostei daquela água doce. A densidade era diferente e tantas eu aprontei que me levaram de novo para o mar.

Fiquei em poitas soltas no oceano, amarrado em trapiches, em canais flutuantes, em diversas partes do mundo. Eu disse mundo sim. Sou pequeno e atrevido. Já singrei vários mares por esse mundo afora.

Hoje moro em uma marina. Tem seus prós e seus contras. Encaro como mais uma etapa de minha vida.

Quando morei próximo à foz de um rio, reclamava muito da correnteza que sobressaltava-me a noite inteira. Sempre passava fria em baixo do meio casco e por diversas vezes me desgarrei de onde estava fundeado. Não gostei desse tempo não!

Uma vez, fizeram uma reforma em mim em um país tão frio que as embarcações ficavam em seco na época do inverno. Não tinham para onde ir, era um saco…

Um barco fora da água é igual a um peixe. Morre de tédio e sem respiração.

Em outra oportunidade vivi em um local que ventava tanto que meu mastro sempre ficava vergado. Até sem velas ele vergava. Ao menos eu tinha essa sensação. Meu dono naquele período era um cara valente. Gostava de velejar. Dava o máximo de mim. E eu correspondia correndo ou velejando como preferirem de um lado para outro com um sorriso maroto em meus bigodes que eram feitos pelas ondas do mar.

Em outra ocasião, fiquei tão sujo, mas tão sujo e quase abandonado que era horrível olhar para os lados e ver belos iates limpinhos e reluzentes. Tinha vergonha. Minha barriga tinha tanta craca que os peixinhos vinham beliscar e me faziam rir muito. Barco também sente cócegas. Não dizem por aí que os velejadores quando querem vento coçam o pé do mastro? É verdade! Nós rimos tanto quando fazem isso que os deuses dos ventos vêm nos socorrer e mandam umas lufadas legais para continuarmos a velejar.

Nessa época de sujinho, meu proprietário não era mau sujeito não. Ele não tinha tempo nem dinheiro para contratar marinheiros para me limpar. No entanto era um conquistador.

Sempre haviam jovens belíssimas em meu interior. Ao menos interior ele mantinha limpo. O problema era que também apareciam algumas peruas que me furavam com seus saltos altos. Não tiravam o sapatinho de forma alguma. Aquilo me machucava. Eu também me vingava. Assim que elas cutucavam com o salto eu me inclinava de um lado para o outro bem rápido e elas caiam em meu convés.

Meu dono gostava. De vez em quando ele conseguia segurá-las antes de cair.

Hoje, como disse acima, moro em uma marina. É legal! Estou cheio de equipamentos novos, tenho até TV à cabo instalada. Posso ver a novela das 8horas. Estou limpinho. O marinheiro que agora me cuida, usa até aspirador de pó no meu piso. Ele fica uma fera com os gatos que teimam em dormir no convés e sujam tudo. As gaivotas são um caso à parte, já escutei ele resmungar que tem vontade de apertar o pescoço de todas elas pois fazem cocô em cima de mim.

Hoje tenho um monte de amigos em volta. São barcos antigos, novíssimos, de última geração. Tem barco que não se precisa nem mais navegá-lo. Ele se navega sozinho. Dizem que basta apertar um monte de botões que eles têm dentro. Eu não acredito!

Estou feliz! Mesmo que existam aquelas crianças mal-educadas que jogam pedrinhas em cima de meu casco. Os pais não fazem nada. Olham para um lado e para o outro e não tomam nenhuma providência. Dói gente, dói muito!

Minhas velas estão novinhas e minha relação com meu amo e senhor é meio de amor e ódio. Ele não tem “tempo”. Vem me ver somente aos finais de semana. Cuida de mim. Dorme comigo e às vezes veleja. Acho que ele tem medo de sair sozinho comigo.

Eu preciso velejar mais! Grito! E ele não me escuta. Preciso continuar minha jornada e seguir sempre em frente procurando novos lugares e mostrando aos meus ocupantes que a vida não é só trabalho.

Tem um mané, que dizem ser mecânico, que maltrata muito minhas entranhas. Quando ele chega tenho certeza que vou ter algum ataque de nervos. Ele mexe, remexe e sempre diz ao meu amigo que preciso trocar a rebimboca da parafuseta. Não sei o que é isso não! Fico preocupado! Será que é grave?

Caro diário. Vou me despedir por hoje. Esse é um pedaço da vida de um barquinho.

Tento levar meus amigos e ocupantes a salvo de um lugar para outro com muita segurança e carinho. Tento mostrar as pessoas que navegar é preciso, graças a Deus. Passo meus dias sonhando em pegar ondas gostosas e ventos bastante frescos.

Todas as noites sonho colorido. Vejo pessoas entrando e saindo de minhas dependências, colocando gelo nos compartimentos, abastecendo minhas despensas, pois assim tenho certeza de boas navegadas nesses mares de almirante levando também sonhos de pessoas que necessitam sonhar.

E vou parar mesmo. Chegou uma lanchinha que é uma gatinha aqui do meu lado e acho que piscou para mim.

Tchau!!! Fui!!!

Cartas de Enxu 82

1 Janeiro Fevereiro (206)

Enxu Queimado/RN, 07 de fevereiro de 2021

Meu caro, Adenor, como vão os moídos desse Verão, meio sei lá e sem muitas querenças, pelas terras dos tupinambás? Por aqui, aldeias dos potiguares, tudo vai indo como querem os desejos dos deuses da natureza, se bem que, nas ocas da pajelança, o caldeirão não para de ferver e quanto mais mexe, mais o pirão desanda. Mas fazer o que, num é não? Como diz nosso amigo “Pedim”, se guiando pelos ensinamentos de Chicó: “Num sei, só sei que é assim” .

“Má rapaz”, hoje dei por fé que já faz um tantinho de tempo que não me avexo a escrevinhar as cartinhas de Enxu, se bem que tenho desculpa a dar, mas são tão esfarrapadas que é melhor deixar quieto e seguir no seguimento. Segundo Lucia, o nome dessa doença do esquecimento se chama facebook ou whatsapp. Aliás, nem me atrevo a duvidar, mas me achei nas entrelinhas das palavras do jornalista Rubens Lemos Filho: “Texto é fruto de massa cinzenta, de criação, pensamento. Tratá-lo é missão, jamais mera tarefa”. Pronto, já tenho uma boa desculpa para minha falta de regularidade, se bem que, Rubinho é craque no time das letras e eu não pego nem o banco em time de várzea.

Adenor, não sei aí, terra de tambores e afoxés, mas aqui deram um escanteio no Zé Pereira, nos pierrôs e nas colombinas que não ouvimos nem o eco dos ensaios dos clarins. O virulento, que espalhou azedo no mundo, deu um cangapé tão desconcertante nos foliões que nem as Putas de Segunda se atreverão a botar boneco pelas vielas desse povoado. Ouvi dizer, a boca pequena, que vão empurrar tudo quanto é festança para os terreiros de São João. Se vai vingar eu não sei, mas se vingar, o fogaréu vai ser de torar dentro, com neguinho dançando descalço dentro da fogueira.

Mas vou dizer, o amuo da galera no beiço de praia está grande e não tem quem entenda o motivo do Barrosão ter ordenado armar o circo da política, em 2020, e dois pulos depois, seus pares no olimpo abençoarem o fechamento das passarelas de Momo. Isso num é coisa feita para confundir o cabeção? Claro que é!

Meu Carnaval vai acontecer do jeito que sei fazer e aprendi com Seu Nelson e Dona Ceminha, vai rolar na caixa uns frevos rasgados com naipes de metais e guitarras baianas, uns sambas de avenida, umas marchinhas, maracatus e axés da velha e boa Bahia, porém, tudo dentro do meu cercadinho e seguindo no passo macio de folião obediente as regras dos homens.

Na verdade, queria mesmo era vestir uma fantasia de papangu e sair por aí de beco em beco, de rua em rua, levando alegria e diversão de casa em casa. Sei que iria ser divertido, mas o perigo é dar de cara com a patrulha do sargento Marcelo e ouvir ele dizer assim: – Ei, papangu, tá pensando que vai pra onde? – Volte pra casa, cabra de peia!

Por falar nisso, lembrei de um médico natalense que, em um Carvanal das antigas, pegou uma colombina e, para passarem despercebidos em meio a folia, se fantasiaram de papangus e saíram num passo manhoso atrás de uma troça. Passo vai, passo vem e se achando bem escondido por trás do capuz de pierrô, alegrava a vida com fartas doses de whisky. Lá para as tantas, alguém cochichou em seu ouvido: – Tá por aqui, hein doutor! Ele sem se alterar, pegou no braço da colombina e no passo que ia, se foi.

Pois é, amigo, dizem que este ano não vai ter Carnaval, mas a vida, apesar dos pesares covidianos e da desfaçatez dos caciques, ainda nos permite chafurdar no bem bom sem olhar para trás e muito menos para a frente.

Meu pai gostava de dizer que um Carnaval perdido jamais seria recuperado. Mas ele era um folião nato e nem posso imaginar o que faria diante desse quadro de restrições pandêmicas. Só sei que no comecinho da manhã do sábado, ele pagaria o trombone de vara, que tocava como nenhum outro trombonista jamais tocou, e mandaria ver com o Frevo Vassourinhas. Eita que Seu Nelson Mattos faz falta, viu! Quanta saudade!

Adenor Mariano Junior, amigo que ganhei de presente dos amigos do mar, faz tempo que você não dar o ar da graça por essa Enxu mais bela. Digo que a estrada é a mesma, como é o mesmo o aconchego dos alísios sob a varadinha dessa cabaninha de praia. O mar que banha esse pedacinho de paraíso continua abençoado e nesse meio de Verão, as bicudas, cavalas e serras estão chegando gordas por demais.

Venha, amigo, e venha logo, porque muito em breve os ventos deverão mudar e com eles tudo muda, pois foi assim que aprendi nos escritos dos segredos do reino de Netuno.

Nelson Mattos Filho