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Lau, uma estrela

Lau - foto de guta favaro

Tem notícias que quando chegam despertam na gente turbilhões de lembranças, mesmo que sejam notícias entristecidas. E foi assim quando soube, no comecinho deste junho pandêmico, da passagem para outro plano da amiga Lau, uma das poucas e felizes moradoras da Ilha do Campinho, na época em que por lá aportamos com o veleiro Avoante para uma temporada inesquecível, na enigmática e mágica Baía de Camamu/BA.

Lau e Breno formavam aquele casal que bem poderia ter servido como mote para a dupla Leandro e Leonardo compor a música entre tapas e beijos, ou mesmo servir de roteiro para algum filme, tamanho era a fúria do amor existente entre eles. Um amor cúmplice, intenso, arrebatador e temperado com nicotina, álcool, drogas, mar e rock and roll. Para eles a vida tinha um sentido amplo e extremamente irrestrito.

Convivemos com eles durante os primeiros seis meses de 2005, nós como sócios do restaurante e apoio náutico existente no Sítio Sabiá, eles como clientes durante o dia, e a noite, nas rodadas de bate papos na varanda da casa de Dona Aurora, regados a cervejas estupidamente geladas, acompanhadas de siris mole, agulhas fritas e lambretas.

Conversar com Breno era uma graça, porque na medida que o álcool subia a cabeça, ele que falava seis idiomas, começava a misturar as palavras e somente Lau para traduzir. O problema era que ela bebia no mesmo ritmo que ele. Nessas alturas, Aurora dava uma risada e comentava: – Pronto, agora só quem entende é Suvinil. Suvinil era o cachorro de Aurora, que ficava deitado e vez por outra levantava a cabeça e nos olhava como quem diz: Pense num papo de maluco.

Eles tinham boas história para contar sobre a vida que tiveram pelos mares do mundo, o trabalho de manutenção de embarcações que exerceram em várias temporadas no Caribe e até sobre a luta que travaram com um furacão que terminou ceifando o barco em que navegavam.

Aprendi muito com Breno e Lau, e o casal jamais deixou de ajudar e prestar solidariedade a quem procurasse as fascinantes águas do Campinho para ancorar. Bastava que um veleiro apontasse na curva de rio da Ponta da Ingazeira, para o casal ficar antenado nos movimentos. Breno era exímio conhecedor de veleiros e mesmo sem ir a bordo, dava a ficha técnica completa do projeto. Lembro que certa vez ancorou diante do Sítio Sabiá um belo Beneteau, de 50 pés, novinho em folha. Ele olhou, deu um gole na cerveja e disse: – Nelson, aquilo é um tupperware. – Como assim Breno? – Casco produzido em série, que eles colocam uma tampa apertada, que não entre água, para servir de convés. Lau deu risadas e completou: – Presta pra nada!

Outra vez, ancorou um veleiro de bandeira espanhola e de lá desembarcou um casal com cara de poucos amigos. Lau olhou a mulher de cima a baixo e fez uma careta. Breno, num espanhol fluente, nos apresentou, perguntou o nome deles e porto de origem. O papo entre eles corria bem até que Lau disparou: – A Espanha é legal, mas o governo tinha que ter matado todos os terroristas do ETA! Pronto, o tempo fechou. A mulher levantou, apontou para Lau, gritou em um dialeto espanhol, Breno devolveu os impropérios na mesma linguagem. A mulher ameaçou disparar uma metralhadora em todos que estavam ali, eu entre eles. O homem, tranquilo estava, tranquilo continuou tomando cerveja. Lau ameaçou chamar a Polícia Federal. O casal pagou a conta, retornou para o barco, com a mulher ainda gritando e fazendo gestos de cortar a cabeça de todos, levantaram âncora e se mandaram. Lau passou o resto da tarde reclamando e só acalmou quando chegamos à noite na casa de Aurora, que dava boas gargalhadas, pois já sabia do bafafá.

Breno faleceu em julho de 2007 após lutar contra um câncer na garganta, deixando sobre o Campinho uma aura de tristeza. Lau, depois de caminhar em passos errantes entre Campinho e Porto Seguro, por treze anos, olhou para o Céu e disse: Vou atrás do Breno!

E assim, o céu da Ilha do Campinho, o mais lindo céu que meus olhos já viram, ganhou mais uma estrela para iluminar suas lindas noites.

Nelson Mattos Filho

Baía de Camamu, a realidade e o país da fantasia

Outubro (1)

Sou solidário na dor e na revolta, diante do sentimento de impotência, que deve estar sentindo a velejadora Guta, mas o que aconteceu com ela, na baía de Camamu/BA, é nada mais, nada menos, do que acontece diariamente no Brasil real, que é o Brasil infinitamente distante das páginas e retratos editados das mídias sociais. No país maravilha dos facebooks, instagrans, whatsapps e outras feitiçarias quaisquer, a realidade do que aconteceu a bordo do veleiro Guruçá representa apenas nada mais do que um dia, ou no máximo dois, de curtidas e comentários revoltosos e ponto. O áudio que hoje, 26/07, foi divulgado pela velejadora é o retrato mais fiel da realidade que vive o Brasil verdadeiro. Realidade em que figuram os personagens da justiça que emperra na hora que deveria andar, da delegacia que está fechada em horas inoportunas ou simplesmente não tem pessoal, nem material humano, nem carros, nem equipamentos para atender uma ocorrência. Do hospital que não atende por falta de medicamentos, equipamentos adequados, macas ou apenas porque o médico não quer atender naquela hora crucial para aliviar a dor e a alma daqueles que sofrem. O Brasil onde as autoridades impedem a divulgação das estatísticas e onde as estatísticas são manipuladas ao bel prazer das suas vontades. O Brasil do tudo pode e nada existe de fato, nem de direito, pois tudo é direito e nada é fato. O Brasil em que uma criança dos cafundós da floresta amazônica é barbaramente assassinada pela mãe e sua companheira e tudo continua como antes. O Brasil onde o assassino  confessa que matou apenas pelo prazer de matar, porque o que ele queria era ficar alegre, e ficou. O Brasil do tudo, do nada, do bárbaro, do sentimento de impotência, da desgraça, da graça, da esmola, do circo, dos aplausos, das vais, dos vivas, do futebol, do santo ofício, das necessidades. Brasil da falta de vergonha na cara. O Brasil que vota por um pedaço de pão e uma dose de cachaça, mas que não deve nada ao Brasil que vota por uma dose de uísque 12 anos e um jantar no mais caro restaurante do jet set. Amiga Guta, infelizmente sua dor é real, mas sua luta é inglória, e você irá perceber ao caminhar alguns passos até que resolva olhar para trás, pois ninguém, a começar pelas autoridades que deveriam lhe dar abrigo, marchará a seu lado por mais do que um ou dois quarteirões, pois no Brasil da fantasia não cabe a insensatez da realidade. Encerro esse texto inglório e revoltante com o comentário do velejador baiano Julival Fonsêca de Góis, na postagem, Triste sina de um país contaminado pela impunidade.          

Olá, caro Nelson, pena que após expressivo período de tempo sem nos falarmos, que agora voltemos a fazê-lo como dantes. De início, queremos dizer que sua ira é uma maneira injusta para com nosso poder superior: Guta, deveria, sim, ajoelhar-se sobre uma camada de sal grosso, sob sol escaldante de 45 graus, por horas seguidas parada como uma estátua sobre a cabine do veleiro, com o olhar voltado para os céus e de modo contrito orar, orar e orar agradecendo ao criador por ter saído viva. Não ela a primeira vítima “ingrata” e não será possivelmente a única. Situações idênticas acontecem em todos os quatro quadrantes brasileiros. E quando ouvimos nossos gestores responsáveis, todos são unanimes em dizer: “hoje como nunca, nosso governo tem diminuído a violência”. Falam assim cinicamente enganando-se a si próprios. Há poucos dias, um grupo de bandidos, em represália a uma determinação judicial, invadiu uma propriedade da VERACEL, produtora de eucalipto e sob os “holofotes” dos celulares, não se intimidavam em mostrar toda brutalidade de que são capazes, quando quebraram e queimaram veículos, por pouco não assassinando os seguranças empregados exatamente para protegerem o patrimônio alheio. E porque assim procederam? Exatamente pelo indiferentismo de nossas “aRtoridades” em casos semelhantes, a exemplo do bandidiso cometido ano passado contra investidores japoneses no município de Correntina, oeste baiano, quando tudo destruíram causando prejuízo superior a 60 milhões de reais, deixando centenas de famílias desempregadas e inibindo a que outros investidores pensem em novos projetos. Para não mais nos alongar, quando nos decidimos pela venda do SEDUTOR( já felizmente consagrada), a razão maior foi exatamente essa: ausência de liberdade par vivermos nossa velhice em paz ao sabor dos ventos. Esteja certo, que não fossem esses registros, nossas delegacias de policia, estariam criando dificuldades para a realização dos “BO”, imoral situação que segundo alguns, uma determinação de sua excelência, a excelentíssima autoridade maior do estado da Bahia, o Excelentíssimo Senhor Dr. Governador. Agora, uma pergunta que não “ofende”: É ele diferente dos anteriores? Não, não é! Porque todos tem sido farinha com “bolô” no mesmo saco! Calate-boca, Julival! É melhor parar por aqui. À senhora GUTA, nossa irrestrita solidariedade. Fraternalmente, Julival Fonsêca de Góes

Triste sina de uma país contaminado pela impunidade

Outubro (45)

Essa imagem é de uma das mais fascinantes ancoragens da paradisíaca Baía de Camamu, o canal entre as ilhas de Sapinho e Goió. Jogar âncora nas águas desse canalzinho delicioso é um desejo de boa parte dos velejadores de cruzeiro, não somente brasileiros, mas principalmente estrangeiros, que se encantam pela vida vivida quase em estado bruto da encantadora baía que é o principal cenário da Costa do Dendê. Essa imagem é de 2015, última vez que passei por lá, a bordo do veleiro Compagna, do comandante Braz, em viagem que teve a carioca Paraty como destino final. Sou declaradamente apaixonado pela Baía de Camamu, um lugar mágico, e adentrar navegando aquela indecifrável paisagem, que o Criador se esmerou em desenhar, não tenho palavras para definir. – Quer que conte uma tristeza? – Conto! Segundo informações colhidas nos grupos de mídias sociais de velejadores, foi no canal do Goió que nesta quarta-feira, 24/07, aconteceu mais um criminoso caso de pirataria no Brasil, quando dois bandidos invadiram o veleiro carioca Guruçá, do comandante Fausto, e agrediram a Guta, esposa do Fausto, crime que ela mesma relatou e você lerá logo abaixo. – Dizer o que? Diante da tristeza e perversidade do acontecido, que felizmente Guta escapou apenas com hematomas, físicos e na alma, e gritando sua dor e impotência aos quatro ventos, não tenho muito a dizer, apenas que enquanto, como cidadãos, somos reféns do caos, nossos governantes brincam de ideologias baratas, de fazer  beicinhos, de discutir bairrismos e de mexer cordinhas de marionetes. – Nós? – Seremos eternamente palhaços!

Estamos fundeados em Camamú -BA e hoje, após Fausto sair com o Xerife para uma caminhada, fui surpreendida por dois homens. Um ficou na canoa e o outro subiu à bordo, com uma faca na mão.
Quando percebi o perigo, infelizmente não havia uma arma na mão, pois eu teria tempo de reagir.
Fui dominada, amordaçada, presa pelos pés em uma cadeira e as mãos nas costas.
Eles perguntavam por dinheiro, só dinheiro, que estava em uma mochila, mas amordaçada, eu não tinha como responder e por isso apanhei.
No rosto, nas pernas, nas costelas e estômago.
Quando encontraram a bolsa, levaram o dinheiro que tínhamos à bordo e mais nada.
O cara da canoa dizia: Rápido, só pegue dinheiro.
Minha pressão caiu e desmaiei.
Quando acordei, meus pés estava roxos pelo aperto da fita na cadeira.
Tive que me machucar mais ainda para conseguir pedir ajuda pelo rádio VHF.
Gostaria de agradecer ao Barba Negra que me desatou, e a todo pessoal: Caboges, Strega, Beijupirá que foram carinhosos e cuidadosos comigo.
Estou toda dolorida e com machucados bem feios que não vale a pena compartilhar.
Toda a comunidade está se esforçando para encontrarem os bandidos, um paraíso como esse não pode ser contaminado com a impunidade.

O pequeno príncipe e a princesa do Campinho

O Príncipe de Maraú, que chamo de “príncipe de Onília”, é uma das muitas e boas histórias da enigmática Ilha do Campinho, recantinho apaixonante da poética Baía de Camamu. Este pequeno e belo documentário, publicado no YouTube, em março de 2010, carregou-me nas asas da saudades para relembrar o maravilhoso, mágico e encantado mundo que tive a alegria de viver por fascinantes cinco meses quando embarquei para morar a bordo do veleiro Avoante.  Tive a alegria de escutar dezenas de vezes, e gostaria muito de continuar ouvindo, a história do namorico da “baianinha” com o aviador, escritor, Antonie de Saint-Exupéry, contada pela própria Dona Onília sob a sombra da varandinha da casinha amarela debruçada sobre as águas macias do rio Maraú. Quanta saudade, querida e boa amiga. Agora me diga: Por acaso, a senhora já encontrou seu “pé de fumaça” aí no Céu? 

Sinais

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A natureza tem mistérios que não se explicam, e não venha de lá com as teorias das ciências e nem com os ditames das sagradas escrituras, porque nem um, nem outro chegam nem próximo dos segredos guardados a sete chaves. Agora, se você disser que o homem do campo e o pescador, povo danado de sabedor, tem a palavra certa, eu confirmo e dou fé. – Não entendeu? – Pois lá vai o moído!

Digo o que disse aí em riba, depois de ver a chuva cair, nessa quinta-feira, 17/05, nos terreiros de Enxu Queimado e ver nos noticiários que tem chuva molhando as areias do litoral e parte do Agreste potiguar. Aí Lucia perguntou: – Amor, você que viu a previsão ontem, essa chuva estava programada? – Se estava eu não sei, mas se estava, as lentes dos satélites dormiram no ponto. Após a pergunta de Lucia me avexei a curiar no site do CPTE/INPE, coisa que faço diariamente, e lá estava um amontoado de nuvens carregadas avançando sobre os domínios de Poti. – E ontem? – Bem, ontem, à noite, tinha umas formações sobre o oceano que banha o RN, mas com indicativos que continuariam passando ao largo. – E o vento? – O vento era e continua sudeste, que “teoricamente” empurraria as nuvens para os quadrantes do Norte. – Mais “minino”, quem danado sou eu para dar pitaco em coisa que não entendo? Mas foi assim e a chuva nesta quinta-feira está boa que só vendo. Só não sei se choverá onde precisa, pois dizem que pras bandas das florestas de caatinga do Seridó, a secura está de meter medo em bicho brabo.

Todo esse bolodório foi porque vi nuvens carregadinhas de chuva farta e, sabendo que nada havia sido “combinado” com os homens que anunciam as previsões, lembrei dos bate papos que tinha com Dona Aurora, sob as sombras das mangueiras debruçadas nas margens da Ilha de Campinho, Baía de Camamu/BA. Foi lá que em um belo dia, Aurora, com fala mansa e andar mais manso ainda, apontou para o brilho prateado do Sol, refletido sobre as águas, e anunciou que choveria no dia seguinte ou mais tardar no segundo dia, a partir dali. Pedi que indicasse outros sinais e ela disse que só mostraria no fim da tarde. Voltamos para sua casa, comemos uma moqueca dos deuses, cozinhada em fogo de lenha, preparada em panela de barro e terrivelmente apimentada. Proseamos e demos boas risadas com os babados do lugar e quando o Sol esfriou, caminhamos pela picada aberta por entre as árvores até as margens do rio. Quando o astro rei tomou rumo para desmaiar sobre o poente, com cores incrivelmente alaranjadas, Aurora falou: – Tá vendo Nelson, vai chover e muito, pois o Sol está muito puxado para o vermelho e aquele brilho que estava na água pela manhã já anunciava a chuva. Sorri por dentro e fiquei ali viajando em reflexões e pensamentos: – Dessa vez tiro a prova?

O Sol se foi, despedimos de Aurora e voltamos ao Avoante que descansava nas águas de um cenário paradisíaco. A Baía de Camamu é um paraíso! A noitinha, mirei o céu e fiquei maravilhado com o brilho intenso das estrelas. Era um brilho diferente e limpo. Parecia que as estrelas haviam sido polidas e mais vez me voltei em lembranças, dessa vez das palavras do velejador Bernard Moitessier, autor de uma bíblia para o povo do mar, intitulado “O Longo Caminho”. Moitessier, disse que aprendeu com os navegadores orientais, que quando as estrelas estavam muito brilhantes era sinal de temporal nos dias seguintes. Pronto, o firo estava fechado! – Choveu e choveu bonito por dois dias seguidos no paraíso!

Aí você pergunta: – Sim, e daí? – Pois bem, já que ajuntei um monte de história soltas e nem de longe disse o que queria dizer, vou arrematar para dar fim a prosa. Ontem, quarta-feira, 16/05, fui registrar em retratos a pescaria de arrastão das mulheres pescadoras de Enxu Queimado. Entre um foco e outro, observei que aquele sol de rachar moleira, refletindo na água os ensinamentos de Aurora e aquele céu azul com poucas nuvens, estavam trazendo recado. A pescaria das meninas ocupou minhas atenções e deixei para lá o recado da natureza. Na noite bem adiantada, fui para minha tradicional volta pelo quintal e notei que as estrelas de Moitessier estavam lá, brilhantes que só elas. – Vai chover, mas porque os satélites que estão lá em cima não dizem que sim? Choveu e com direito a relâmpagos e trovões, para ficar mais bonito!

Eh, Aurora, seus ensinamentos nunca esqueci e dificilmente esquecerei, como jamais esquecerei os dias maravilhosos que passei na Baía de Camamu, especialmente na sua Ilha de Campinho. Foi aí que escutei pela primeira vez a voz e vi o rosto da natureza. – Sabe de uma coisa, querida amiga? – Acho melhor não dizer o que ouvi, nem descrever os traços daquele rosto, pois vai que acreditam!

São 4 horas da tarde e o tempo anuncia mais chuva.

Os sinais, pare e observe os sinais!

Nelson Mattos Filho

Nelson e Lucia – amigos

nelson luciaA palavra hoje está com o amigo José Mauro, cabra arretado e dono de uma verve que só vendo, basta ver as letras que ele destrincha no blog Eu e o maldade, e foi lá que ele postou o texto e enfeitou com um retrato, dos bonitinhos aqui, tirado lá na fascinante Ilha do Sapinho, uma das joias encravadas na Baía de Camamu. Fala aí, , e obrigado pelas palavras abonitadas.

Isso deve ter uns 4 anos. Tudo em mim pedia por uma parada geral, por um desligamento do mundo. Alguém então me falou de Nelson, Lúcia e o Avoante. Um casal que vivia em um veleiro e que poderia nos acolher por uns dias à bordo.

Em um píer no bairro da Ribeira, em Salvador, embarquei no Avoante, uma embarcação pequena, mas valente, aconchegante como casa de mãe, para 4 dias de velejadas pela Baía de Todos os Santos.

Paixão à primeira vista. Pela vela, pelo veleiro, por Nelson e Lúcia e por aquela vida tão simples e diferente da minha e que eu nem sabia que existia. Dormir ao balanço do mar, olhando apenas o clarão das estrelas, foi algo que me tocou profundamente. E a partir dali o mar da Bahia virou meu destino sempre que a correria da vida em terra permitia. A ponto de eu mesmo comprar um veleiro e acalentar sonhos de libertação por quase um ano.

Certo dia, recebo a notícia de que haviam vendido o Avoante. Tinham vivido nele por mais de 10 anos, mas era necessário. Aquele não era apenas um barco, era um pedaço de suas almas, era o ente tangível que lhes ancorava um modo de vida.

A tristeza me bateu. Não conseguia ver Nelson e Lúcia em terra firme. Temi por sua felicidade, desconfiei que não conseguiriam mais se adaptar.

Hoje, vez por outra, entra uma mensagem de WhatsApp do “Comandante”, direto de sua casa na praia de Enxu Queimado, no litoral do Rio Grande do Norte. Às vezes é uma foto das delícias preparadas por Lúcia, às vezes um post do preservado e ativo Diário do Avoante (diariodoavoante.wordpress.com), ou às vezes apenas uma bela foto da natureza deslumbrante do lugar com um sincero “Bom dia, meu amigo”.

Nunca senti uma ponta de ressentimento. Nunca um tom de melancolia, nunca um maldizer a vida, sempre a mesma alegria, generosidade e simplicidade que conheci e aprendi a admirar a bordo do Avoante.

Obrigado por mais uma lição, além da vela, Comandante!

Zé Mauro Nogueira

Cartas de Enxu 15

4 Abril (145)

Enxu Queimado/RN, 14 de maio de 2017

Sabe Ceminha, se Deus me concedeu uma graça, essa foi ser seu filho e de todas as alegrias que já tive na vida, a mais maravilhosa é poder continuar te abraçando, acariciando seus cabelos e beijando seu rosto. Sei que não sou aquele filho tão presente, como a senhora queria, porque minha sede de aventura sempre me leva a apostar em rumos que transbordam em dolorosos lamentos em seu coração, mas sei que mesmo assim sigo abençoado, porque sinto a força de sua presença em cada passo que dou.

Ceminha, sei que poderia passar horas e horas escrevendo palavras de ternura e carinho e mesmo assim não falaria tudo o que sinto pela Senhora, justamente porque são palavras vindas de um poço de amor sem fim, mas não vou, pois preciso lhe contar coisas dessa vidinha que escolhi, sob as sombras dos coqueirais de uma Enxu mais bela.

Sabe Mãe, não é difícil e nem complicado optar pelas coisas simples da vida e isso eu aprendi quando aproei pela primeira vez meu Avoante para as águas da Baía de Camamu. Aquela entrada de barra meio enigmática, meio mágica, meio assustadora e bastante interrogativa, foi como a abertura das cortinas de um teatro encantado em que luzes, cores e cenário nos leva a um fascinante delírio de emoções. Aquele momento me transformou e nunca mais consegui ver o mundo através de outras lentes, outras cores, outros cenários e outras certezas, pois aquilo era a vida em seu mais lindo e fiel esplendor. Mas Camamu ficou para trás e um dia voltarei a navegar sobre os segredos de suas águas e com o sonho sonhado de por lá permanecer para sempre. Mas não se avexe minha Ceminha, pois isso são planos de um sonho de vida.

Hoje estou aqui, sobre as sombras da varandinha de uma cabaninha de praia, olhando o mundo pelas lentes com que vi pela primeira vez a linda baía mágica da costa do dendê e sabendo que, apesar dos pesares e das vontades dos homens, a simplicidade, a humildade, o bem querer e o amor, fazem parte de uma só força. – Sabe onde aprendi isso, minha Mãe? – Com a Senhora, com os seus atos, com seus princípios, com a sua ética, com a sua força de Mãe, com a sua determinação, com a sua amizade explicita pelos amigos, com a sua fé em Jesus Cristo e na Virgem Santíssima, com as honras com que recebes os que a procuram, com o carinho de seu olhar para com todos que a cercam, com seus ensinamentos, com a paixão com que abraça suas causas e com todos os doces e saudáveis frutos que a Senhora espalha ao seu redor.

Está vendo Cema, como é fácil deixar que palavras e emoções fluam quando queremos falar de Mãe? Basta deixar os dedos sobre o teclado que eles sabem direitinho juntar as letrinhas, sem esforço algum. O que eu queria mesmo contar era sobre a homenagem que recebi da vereadora Lucia de Pedrinho, assinada em baixo por todos os vereadores que compõem a Câmara de Vereadores de Pedra Grande, na gestão 2017 – 2020, me indicando para receber o Título de Cidadão Pedragrandense. Foi emoção sim, foi uma festa inesquecível, desejo participar de outras com o mesmo fim e queria muito que a Senhora e Tia Cecília estivessem ao meu lado naquela noite. Mas tudo bem, nem tudo que a gente quer a gente pode, recebi o Título, fiz meu agradecimento e voltei para minha cadeira para presenciar a glória e o reconhecimento de uma dama do amor ao próximo.

Cema, foi com lágrimas nos olhos que vi Dona Nerize, com seu andar vacilante, caminhar para receber seu título de cidadã. Ela é um anjo que foi indicada para servir e morar em Enxu Queimado e durante décadas faz a vida florescer sobre a comunidade. Mulher simples, de fala mansa, de mãos abençoadas e que estava, e está, sempre pronta para trazer ao mundo os bebes que ali nascem, unicamente com o propósito de fazer valer sua missão na terra. Basta vê-la caminhando pelas ruas e recebendo os pedidos de bênçãos de adultos e crianças e ela com a voz mais carinhosa abençoado a todos. Seu agradecimento na tribuna da Câmara deixou no ar a leveza e a grandeza de um coração de luz e paz. Foi difícil segurar as lágrimas, e não consegui.

Ceminha, como é gostoso viver em um mundo onde a realidade está ali nua e crua em nossa frente. Como é gostoso abrir os olhos e ver que o a vida continua linda, a paz continua a reinar, os pássaros voam soltos e as pessoas caminham despreocupadas nas ruas e a velha e linda parteira é a personalidade mais importante do lugar. Mas não era assim que deveria ser sempre?

Iracema Lopes Mattos, minha Mãe, minha Rainha, hoje, Dia das Mães, peço sua benção e lhe desejo muito amor, mas peço que me deixe também render homenagens a essa senhora que é Mãe de quase uma cidade inteira, Dona Nerize.

Nelson Mattos Filho

Agora vou pegar pesado

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Agora vou falar e quem quiser que diga que a Bahia é terra de moqueca, o que não duvido e não nego, porém, o que duvido mesmo é que exista uma baiana arretada para fazer moquecas melhores do que as de Lucia. A danada aprendeu os segredos que foram repassados por Dona Aurora, nêga velha da nação independente da Ilha do Campinho, na enigmática e fascinante Baía de Camamu, e entre toques e retoques, aprumou a mão para produzir as melhores moquecas do mundo. A imagem aí em cima é de uma moqueca de peixe, que estava boa que só a mulesta. Há quem diga que sou suspeito para falar e pode até ser verdade, mas que é assim é. Tenho dito!

De conspiradores e malucos

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Uma notícia que acaba de chegar por entre as marolas do grande mar virtual me remeteu a um episódio que se passou numa tarde ensolarada na Baía de Camamu em 2005, enquanto batíamos papo, regado a umas cervejinhas estupidamente geladas. Mas antes de contar o bafafá, vou comentar o que me fez lembrar o caso.

Os jornais online dessa quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016, dão conta que um casal de velejadores dos EUA pediu ajuda a Guarda Costeira na terça-feira, 16, enquanto navegava nas proximidades da costa cubana e foi resgatado por um navio da Disney que seguia para Miami, mas ao atracar no porto, o velejador foi preso pelo FBI sob a acusação de conspiração. As autoridades dizem que ele participou de um ataque aos computadores de um hospital em Boston, em 2014, e quando surgiu seu nome como um dos resgatados, não tiveram duvidas em colocar o homem atrás das grades.

No mar tem todo tipo de gente e os barcos a vela ultimamente tem servido para um bocado de maruagem. Não duvido nada se algum dia aparecer alguma autoridade querendo impor regras de fiscalização para todo veleiro que deixar ou chegar ao porto, nos mesmos moldes que acontecem com os navios.

Certa vez fui recriminado em um certo clube náutico por dar ouvidos e acolher de bom grado todo velejador de passagem pela cidade. Defendi-me com a alegação de ser também um velejador de cruzeiro e por isso saber das dificuldades que um viajante do mar tem por aí afora, onde nem sempre a recepção é amistosa. Claro que minhas alegações foram motivos de muxoxos, mas eram as mais verdadeiras e dificilmente aqueles que recriminam estão a fim de ouvir justificativas. Se o cara é gente boa ou não, até que ele mostre sua face sinistra eu estou pronto a ajudar.

A história do velejador conspirador puxou minhas lembranças para baixo daquela palhoça em Camamu, porque naquele dia ficamos cara a cara com uma valente e raivosa militante de um dos grupos terroristas que atuam na Espanha. Estávamos já na sei lá quantas cervejas, quando ancorou um veleiro de bandeira espanhola e de lá desembarcou um casal que se dirigiu para onde estávamos e sentou em uma mesa vizinha a nossa. Lucia, como boa anfitriã, convidou o casal a sentar com a gente, pois estávamos junto com o casal Breno (que Deus o tenha) e Lau e os dois sabiam falar fluentemente vários idiomas. O convite foi aceito de pronto.

Naquele tempo havia acontecido um grande atentado na Espanha e o Breno comentou sobre o ocorrido, condenando o grupo que havia assumido o ato terrorista. A mulher, que havia acabado de chegar, fechou a cara e o homem acendeu um cigarro e deu um sorriso pelo canto da boca. O Breno insistiu no tema e a Lau atiçou o fogo soltando impropérios contra os terroristas. Sem conseguir segurar à ira, a mulher levantou, deu um soco na mesa e gritou palavras em um dialeto espanhol que fez o Breno corar. A Lau, que não é de ficar calada, soltou os cachorros para cima da mulher e assim o bafafá foi aumentando e eu já começando a achar que teria que centrar fileiras na turma do deixa disso.

Breno levantou e apontou o dedo para o rosto da mulher e respondeu gritando no mesmo dialeto que ela falava. A mulher puxou o marido pela camisa, saiu gritando alguma coisa, fazendo gestos como se estivesse apontando uma arma em nossa direção e voltaram para o barco.

Perguntei ao Breno o que havia acontecido e ele disse que a mulher era militante ao grupo terrorista do atentado na Espanha e não admitia que ele e Lau incriminassem o ocorrido e que se tivesse uma metralhadora ali acabaria com a gente sem piedade. Breno ameaçou denunciá-los a Polícia Federal e assim o casal se retirou soltando palavras de ordem e fazendo ameaças.

Para aliviar a tensão, peguei outra cerveja e ficamos ali observando o veleiro dos estranhos, mas a Lau não sossegava o facho e de vez em quando soltava palavrões em direção ao barco. A noite chegou, o sono bateu, os ânimos acalmaram e fomos dormir o sono dos justos. No dia seguinte, procurei o veleiro do casal na ancoragem e nem sinal. Como não vimos o nome do barco e não perguntamos os nomes da dupla, pois o moído aconteceu rápido e não tivemos tempo para as apresentações de praxe, até hoje a história navega em minhas recordações e tremo só em pensar que podia ter sido metralhado por uma terrorista braba que só um raio.

Aí você pergunta: – O que danado isso tem a ver com o conspirador preso nos EUA? Eu respondo: – Sei lá, mas no maravilhoso cruzamento de informações que ocorre em nosso cérebro, muitas vezes alguns arquivos se relacionam sem que nem mais.

Nelson Mattos Filho/Velejador

O Noroeste

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Quem navega pelas bandas da Bahia, entre um bordo e outro, já deve ter escutado falar do vento noroeste que deixa o mar dos Orixás com forte sabor de pimenta ardida e que atinge facilmente velocidades de mais 40 nós. Os navegadores baianos falam do noroeste a boca pequena para não acordar a fera adormecida, mas sempre que se escuta trovoada pelos lados do quadrante norte, o que mais se vê é gente se apegando com todos os Santos em busca da proteção divina. Deus é mais!

Eu navego pelas águas do Senhor do Bonfim há um bom tempo e já presenciei a força desse vento na Baía de Camamu e em Salvador, mas nunca havia me enganchado com ele enquanto navegando e até achava que a fama de durão do bicho fosse mais assombro do que verdade, porque sempre apostei que quem navega entre o Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba – mar de gente grande -, estava vacinado contra um bocado de trapizomba. Pois num é que eu estava bem enganadinho da silva!

Uma coisa é você está com o veleiro ancorado – bem ancorado – e ver com olhos arregalados a chegada da fera e escutar incrédulo o bicho zoar nos estais. Nessas horas a gente não sabe se fica dentro da cabine, se fica fora, se pula na água, se vai ao banheiro ou se faz tudo ao mesmo tempo. São cerca de meia hora de reza braba e promessas que nem de longe lembramos depois quais foram mesmo, porque a cabeça e coração vão a mil. E quando a âncora da o primeiro sinal que vai garrar? Aí lascou tudo e ai daquele tripulante que se atrever a perguntar o que está havendo. Primeiro que a resposta não sai e segundo que é arriscado ele servir de depósito de impropérios saídos da boca de um comandante amalucado e sem controle da situação. É bronca, mas depois que a festança acaba e certificamos que continuamos ancorados, a primeira coisa que se faz é soltar um longo suspiro e correr para pegar uma cerveja bem gelada, que é para espalhar o sangue. O passo seguinte é colocar as ideias em ordem e escolher a melhor forma de contar para os amigos o que se assucedeu. Continuar lendo