Tem notícias que quando chegam despertam na gente turbilhões de lembranças, mesmo que sejam notícias entristecidas. E foi assim quando soube, no comecinho deste junho pandêmico, da passagem para outro plano da amiga Lau, uma das poucas e felizes moradoras da Ilha do Campinho, na época em que por lá aportamos com o veleiro Avoante para uma temporada inesquecível, na enigmática e mágica Baía de Camamu/BA.
Lau e Breno formavam aquele casal que bem poderia ter servido como mote para a dupla Leandro e Leonardo compor a música entre tapas e beijos, ou mesmo servir de roteiro para algum filme, tamanho era a fúria do amor existente entre eles. Um amor cúmplice, intenso, arrebatador e temperado com nicotina, álcool, drogas, mar e rock and roll. Para eles a vida tinha um sentido amplo e extremamente irrestrito.
Convivemos com eles durante os primeiros seis meses de 2005, nós como sócios do restaurante e apoio náutico existente no Sítio Sabiá, eles como clientes durante o dia, e a noite, nas rodadas de bate papos na varanda da casa de Dona Aurora, regados a cervejas estupidamente geladas, acompanhadas de siris mole, agulhas fritas e lambretas.
Conversar com Breno era uma graça, porque na medida que o álcool subia a cabeça, ele que falava seis idiomas, começava a misturar as palavras e somente Lau para traduzir. O problema era que ela bebia no mesmo ritmo que ele. Nessas alturas, Aurora dava uma risada e comentava: – Pronto, agora só quem entende é Suvinil. Suvinil era o cachorro de Aurora, que ficava deitado e vez por outra levantava a cabeça e nos olhava como quem diz: Pense num papo de maluco.
Eles tinham boas história para contar sobre a vida que tiveram pelos mares do mundo, o trabalho de manutenção de embarcações que exerceram em várias temporadas no Caribe e até sobre a luta que travaram com um furacão que terminou ceifando o barco em que navegavam.
Aprendi muito com Breno e Lau, e o casal jamais deixou de ajudar e prestar solidariedade a quem procurasse as fascinantes águas do Campinho para ancorar. Bastava que um veleiro apontasse na curva de rio da Ponta da Ingazeira, para o casal ficar antenado nos movimentos. Breno era exímio conhecedor de veleiros e mesmo sem ir a bordo, dava a ficha técnica completa do projeto. Lembro que certa vez ancorou diante do Sítio Sabiá um belo Beneteau, de 50 pés, novinho em folha. Ele olhou, deu um gole na cerveja e disse: – Nelson, aquilo é um tupperware. – Como assim Breno? – Casco produzido em série, que eles colocam uma tampa apertada, que não entre água, para servir de convés. Lau deu risadas e completou: – Presta pra nada!
Outra vez, ancorou um veleiro de bandeira espanhola e de lá desembarcou um casal com cara de poucos amigos. Lau olhou a mulher de cima a baixo e fez uma careta. Breno, num espanhol fluente, nos apresentou, perguntou o nome deles e porto de origem. O papo entre eles corria bem até que Lau disparou: – A Espanha é legal, mas o governo tinha que ter matado todos os terroristas do ETA! Pronto, o tempo fechou. A mulher levantou, apontou para Lau, gritou em um dialeto espanhol, Breno devolveu os impropérios na mesma linguagem. A mulher ameaçou disparar uma metralhadora em todos que estavam ali, eu entre eles. O homem, tranquilo estava, tranquilo continuou tomando cerveja. Lau ameaçou chamar a Polícia Federal. O casal pagou a conta, retornou para o barco, com a mulher ainda gritando e fazendo gestos de cortar a cabeça de todos, levantaram âncora e se mandaram. Lau passou o resto da tarde reclamando e só acalmou quando chegamos à noite na casa de Aurora, que dava boas gargalhadas, pois já sabia do bafafá.
Breno faleceu em julho de 2007 após lutar contra um câncer na garganta, deixando sobre o Campinho uma aura de tristeza. Lau, depois de caminhar em passos errantes entre Campinho e Porto Seguro, por treze anos, olhou para o Céu e disse: Vou atrás do Breno!
E assim, o céu da Ilha do Campinho, o mais lindo céu que meus olhos já viram, ganhou mais uma estrela para iluminar suas lindas noites.
Nelson Mattos Filho