Arquivo do mês: março 2020

Noves fora

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Se “mar calmo nunca fez bom marinheiro”, chegou a hora da prova

Reflexão

3 Março (70)

“Confie Sempre
Não percas a tua fé entre as sombras do mundo. Ainda que os teus pés estejam sangrando, segue para a frente, erguendo-a por luz celeste, acima de ti mesmo. Crê e trabalha. Esforça-te no bem e espera com paciência. Tudo passa e tudo se renova na terra, mas o que vem do céu permanecerá. De todos os infelizes os mais desditosos são os que perderam a confiança em Deus e em si mesmo, porque o maior infortúnio é sofrer a privação da fé e prosseguir vivendo. Eleva, pois, o teu olhar e caminha. Luta e serve. Aprende e adianta-te. Brilha a alvorada além da noite. Hoje, é possível que a tempestade te amarfanhe o coração e te atormente o ideal, aguilhoando-te com a aflição ou ameaçando-te com a morte. Não te esqueças, porém, de que amanhã será outro dia.”
 
Chico Xavier

Parem! Basta!

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Já deu e tenho certeza que ninguém em sã consciência está aguentado e aceitando toda essa politicagem barata e irresponsável dos ditos, ou que se acham, “homens” públicos dessa nação sem eira nem beira.

Senhores, o que deu em vocês? Estão pensando e querendo o que para estarem azucrinando o juízo de um povo? Parem de palhaçada, parem de vagabundagem, parem de covardia, desçam e desarmem esse palanque endiabrado de insanidades. Vocês são o mal e isso vale também para jornalistas, repórteres e empresas de jornalismo que se declaram e se acham os donos da cocada preta, apelidados de “grande imprensa”, porque de grande não tem é nada, a não ser a pretensão e o caldeirão onde bruxas e diabos mexem o caldo grosso da discórdia, que ao ser ingerido pelos humanos, transformam o mundo em uma terrível e indomável tempestade de bombas incendiárias.

Calem-se todos e deixem que os bons senhores da medicina, das pesquisas, da enfermagem e todos os demais profissionais da saúde, cuidem de nós, porque vocês, cabrueira desalmada que nem o mais feroz dos cangaceiros admitiria em seus bandos, vocês não sabem nada além dos desmandos. Vocês são mestres, formados nas universidades do inferno, na arte da desunião, da desinformação, no jogo da politicagem cruel, na fala sem nexo e desavergonhada, nas perguntas e respostas dúbias. Vocês não têm vergonha na cara, nem honram as calças que vestem! São letrados nos bancos escolares da maldade e passaram com nota dez nas provas de dissimular, ocultar e tergiversar.

Saiam de cena, porque o nosso país precisa se defender e se curar desse “mau chinês” e não será pelas falas, principalmente com palavras de lama ácida, que vocês arrotam a todo instante. Precisamos de serenidade, de paz, de sossego, de inteligência, de razão, de ética, tudo o que vocês não demonstram ter, simplesmente porque não aprenderam a ter. O Covid-19 não é o caos, o caos é vocês, pessoas delirantes que só visualizam o poder a qualquer custo. O que menos importa para vocês é o número de vítimas que o Novo Cornavírus pode atingir, porque vocês dançam e abrem champanhe diante do quanto pior melhor. Escuto suas palavras de alegria, vejo as feições de satisfação enquanto alardeiam o número de afetados e mortos. Para vocês, isso não representa nada, porque o horizonte que vocês vislumbram e se deleitam é outro.

Cale-se, Bolsonaro! Cale-se, Dória! Cale-se, Witzel! Cale-se, Flávio Dino! Cale-se Caiado! Cale-se, Luiz Inácio, que nem devia estar falando! Cale-se, FHC! Calem-se, juízes dos tribunais! Calem-se, tribunos das casas legislativa! Cale-se, Rede Globo, SBT, Band, CNN, Estadão, Folha, Veja, Isto E, Carta Capital, colunistas, jornalistas, blogueiros, influenciadores e todos aqueles que não sabem nada além dos pitacos. Vocês são o mal e é justamente de suas línguas amargas que o Novo Coronavírus se alimenta.

O terrível mal que a doença do Covid-19 está provocando na Itália, nos EUA, na Espanha, na China, em Portugal, na França, no mundo inteiro, precisamos saber, sim, mas com seriedade, sem histeria e sem alarmismo, coisas que vocês não toleram que seja. Sinceramente aposto todas as minhas fichas que a nossa classe médica, nossos pesquisadores, nossos cientistas e todos os valentes profissionais de saúde estão mais do que preparados para enfrentar a besta fera desse vírus, só não estão preparados para combater e curar a língua de falastrões do naipe de vocês.

Calem a matraca, cambada falastrões inconsequentes, porque se vocês fossem chineses já estariam trancafiados e a família sendo obrigada a pagar pela bala.

E por fim, calemos nós, alegres e espalhafatosos mamulengos do grande circo Brasil, que desejosos de um simples aceno, saímos a alardear e replicar a fala dos controladores das cordas.

Calo, eu, mas antes de fechar a boca e de batucar nas teclas, digo que não retiro uma vírgula do que está posto, mesmo que algumas delas estejam fora de lugar.

Nelson Mattos Filho

Dos encantos da magia

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E assim, o fim de tarde se fez belo sobre Enxu Queimado…

Olhos nos olhos, em preto e branco

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OLHOS NOS OLHOS, EM PRETO E BRANCO

Eh, Rubinho, lendo sua crônica da quarta-feira, 25/03, de um outono de nuvens escuras no horizonte, me vi empoleirado na arquibancada de um poema, sumariamente assassinado, torcendo pelo velho e outrora querido ABC, campeão dos campeões, e abestalhado diante da maestria dos craques das “seleções” de 1973 e 1976. Confesso que ninguém até hoje me convenceu, e duvido que um dia convencerá, que o negão Alberí, não foi melhor do que o negão Pelé. E nem pense de tentar me convencer o contrário, viu! Porém, minha paixão durou até o final daquele tricampeonato, em que o poeta falava de sonho e sangue, e por força do destino segui pelos caminhos aventureiros de flores e espinhos da adolescência e o Castelão ficou apenas nas boas lembranças.

Mas, Rubinho, não pense que meu coração não palpita quando escuto ruídos das conquistas do Clube do Povo, porém, são palpitações tão leves que muitas vezes tenho dúvidas se são pulos de alegria ou regulagens automáticas do maquinário que sustenta a vida. A verdade é que o ABC foi um rio que passou em minha vida e cada vez que escuto ou leio fatos e coisas sobre o clube preto e branco, mais respiro fundo e dou graças a Deus por te me retirado daquelas arquibancadas. Nunca pus aos pés no “cebolão” e do Fransqueirão, só conheço a fachada e a lagoa que se forma na estrada que passa em frente, mas de tanto ouvir falação, ultimamente me peguei a escutar os ruídos estranhos que ecoam das estruturas e a sentir o cheiro de enxofre que exala das profundezas do templo abecedista. Que saudade do velho Pruda!

Que pena, Rubinho, que pena que sob as colunas que sustentam o Fransqueirão não tenha mais resquícios do concreto que foi misturado com o suor de sangue de homens abnegados, entre eles Firmino Firmo de Moura, Ernani Alves da Silveira, Aluizio Gonçalves Bezerra, José Nilson de Sá e muito menos o rochedo de um Bira Rocha. O ABC que conheci, que torci, que chorei, que suei, que me cobriu de glórias e que você tanta ama, não existe mais, caro jornalista. Aquele ABC tinha um coração valente, uma alma altaneira, uma personalidade de gente grande, um time de campeões, dono de um futebol que olhava no olho do adversário e não baixava a cabeça diante da superioridade do time oponente. Era um time de feras, regido por um mostro sagrado chamado Alberí, o negão que quase fez o tricampeão Zagalo perder o restinho dos cabelos. – Aquele clássico contra o Mengão foi demais, não foi?

Que pena que o Mais Querido, dono de uma história tão rica, de uma história que se funde com a história do Rio Grande do Norte, um time outrora feito com o aço de músculos fortes, com a paixão sem medidas e sem reservas de pessoas como Joca e Luiz, respetivamente roupeiro e faz tudo, demitidos sumariamente em um ato desumano, homens que passaram a vida a dar brilho ao preto e ao branco da bandeira que hoje tremula entristecida em meio a uma frasqueira jovem que pouco conhece da sua história e hasteada por uma diretória que não lhe dá o mínimo de valor.

Meu caro, Rubens Lemos Filho, suas perguntas são pertinente: “Cadê o ABC? ” “Tem Conselho Fiscal? ” “Vão deixar por isso?” “Existe a conveniência da cumplicidade com os poderosos?”. Sinceramente, acho que você nunca terá respostas.

Grande abraço, espero um dia conhecê-lo e torço para que o seu ABC reencontre o caminho da glória, porque o meu, são águas passadas.

Nelson Mattos Filho

Boa noite!

3 Março (43)

“…e assim, um belo sorriso se abriu no manto negro do céu…., e que o amanhã se faça em serenidade…”

A verdade e a mentira

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Para ler enquanto o celular carrega, nesses tempos de Quaresma e quarentena

Sermão da Quinta Dominga da Quaresma
Padre António Vieira

 


 

Edição de base:
Sermões Escolhidos, São Paulo: Edameris, v.1 , 1965.

Na Igreja Maior da Cidade de São Luís no Maranhão. Ano de 1654.

Si dixero quia non scio eum, ero similis vobis, mendax (1).

                                                                § I

A verdade e a mentira: a verdade do pregador e a mentira dos ouvintes. As três espécies de mentiras com que os escribas e fariseus hoje contradisseram, caluniaram e quiseram afrontar e desonrar o Filho de Deus.

Temos juntamente hoje no Evangelho duas coisas que nunca podem andar juntas: a verdade e a mentira. E por que não podem andar juntas, por isso as temos divididas; a verdade no pregador, a mentira nos ouvintes; o pregador muito verdadeiro, o auditório muito mentiroso. Uma e outra coisa disse Cristo aos escribas e fariseus, com quem falava. O pregador muito verdadeiro: Si veritatem dico vobis (2); o auditório muito mentiroso: Ero similis vobis, mendax (3).

De três modos – que há muitos modos de mentir – mentiram hoje estes maus ouvintes. Mentiram, porque não creram a verdade; mentiram, porque impugnaram a verdade; mentiram, porque afirmaram a mentira. Não crer a verdade é mentir com o pensamento; impugnar a verdade é mentir com a obra; afirmar a mentira é mentir com a palavra. Tudo isto lhe tinha profetizado a Cristo seu pai Davi, quando disse: In multitudine virtutis tuae mentientur tibi inimici tui (4). De muitos modos mostrareis eficazmente a verdade de vosso ser, mas vossos inimigos vos mentirão também por muitos modos; mentir-vos-ão não crendo; mentir-vos-ão impugnando; mentir-vos-ão mentindo, como hoje fizeram. Disse-lhes Cristo que era Filho de Deus verdadeiro, a quem eles chamavam Pai sem o conhecerem: disse-lhes que os que recebessem e observassem sua doutrina viveriam eternamente, e aqui mentiram não crendo a verdade: Si veritatem dico vobis, quare non creditis mihi ( 5)? Disse-lhes mais, que Abraão desejara ver o seu dia, isto é, o dia em que havia de descer do céu à terra, e nascer homem entre os homens, e que, finalmente, o vira com grande júbilo e alegria da sua alma, e aqui mentiram impugnando a verdade: Quinquaginta annos nondum habes, et Abraham vidisti (Jo 8, 57)? Tu não tens ainda cinqüenta anos, e viste Abraão? – E o bezerro que vós dissestes que vos livrara do Egito, quantos anos tinha? Não era nascido e gerado naquele mesmo dia? O ditame com que o tivestes por Deus era falso, mas a suposição com que entendestes que em Deus podia haver duas gerações, uma antes e outra depois, era verdadeira. Respondeu Cristo: Antequam Abraham fieret, ego sum (Jo 8, 58): Antes que Abraão fosse, eu já era. – Mas este era, declarou-o pela palavra Ego sum: eu sou para que entendessem que era aquele mesmo Deus, que quando se definiu a Moisés disse: Ego sum qui sum (Êx 3, 14): Eu sou o que sou porque no eterno não há passado, nem futuro: tudo é presente. Enfim, mentiram afirmando a mentira, porque disseram que Cristo era samaritano e endemoninhado: Samaritanus es, et daemonium habes (6). E para mentirem duas vezes em uma mentira, repetiram a mesma blasfêmia ratificando o que tinham dito e alegando-se a si mesmos: Nonne bene dicimus nos ( 7)? Mal é dizer mal, mas depois de o haverdes dito, dizerdes ainda que dizeis bem, é um mal maior sobre outro mal, porque é estar obstinado nele.

Estas são as mentiras com que os escribas e fariseus hoje contradisseram, caluniaram e quiseram afrontar e desonrar ao Filho de Deus, como o Senhor lhes disse: Ego honorifico Patrem meum, et vos inhonorastis me (8). Mas, posto que a Sabedoria eterna fosse caluniada e injuriada por semelhante gente, nem por isto ficou afrontado nem desonrado Cristo, porque tudo o que disseram dele e lhe fizeram foi por inveja, por ódio, por raiva, por vingança, e quando as causas são estas, as injúrias não injuriam, as afrontas desafrontam, as desonras honram. Não está muito honrado Cristo? Dizei-o vós. Ora eu, que pregarei neste dia, em que tanto se espera o assunto dos pregadores? Hei também de dizer-vos uma grande injúria, uma grande afronta e uma grande desonra da vossa terra. Contudo, ainda que as verdades causam ódio, espero que não haveis de ficar mal comigo, porque hei de afrontar todos para desafrontar a cada um. O discurso dirá como. Ave Maria. Continuar lendo

Ensinamentos de um jangadeiro

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Diante da tempestade, temos que folgar os panos e seguir navegando com sabedoria, serenidade e determinação.

Cartas de Enxu 61

3 Março (34)

Enxu Queimado/RN, 24 de março de 2020

Eh, Cristiano, você viu? Levamos um chega pra lá tão violento que acho difícil continuarmos caminhando com os passos apressados em que vínhamos caminhando até então e custa-me acreditar que seremos pessoas melhores depois de atravessar esse turbilhão.

Amigo, ainda estão gravadas em minha cachola a troca de palavras que tivemos sob as sombras das madrugadas dessa Enxu mais bela, claro que as fartas doses daquele escotch maravilhoso, as taças de vinho, as cachacinhas paraibanas e as latinhas de louras geladas deram impulso ao papo cabeça de duas almas noturnas, que insistiam em contrariar o silêncio, mesmo em sussurros, que ecoava do coqueiral, na vã tentativa de resolver os problemas do mundo. Hoje observando o pandemônio que virou nosso planetinha, vejo que aqueles papos tortos, do começo de janeiro, já sinalizavam coisas estranhas.

Pois é, aquela Enxu que você conheceu, há pouco mais de dois meses, hoje é um povoado, assim como todos nesse mundinho metido a besta que apelidamos de Terra, acabrunhado, espantado e a espera de uma esperança que por enquanto é incerta, porque se depender da vontade dos “homens”, não teremos esperanças.

Mas, rapaz, não se avexe e nem se aperrei com as lamúrias escrevinhadas nesta missiva e nem pense que desejo azucrinar seus miolos com esse papo virótico que rodeia o planeta, pois acredito, diante do bombardeio de fakes, notícias fantasiosas, fantasiadas e afins, que não tenho mais nada a dizer, a não ser o que está posto. Porém, diante de tempos tão tétricos, fica difícil não falar de um momento tão cruel para a história da humanidade, até como forma de registro.

Paulista, hoje atravessei a vereda do coqueiral para ir até a beira mar tirar uns retratos e gostei do que vi e retratei, porque adoro apreciar o estirado de praia, para um lado e para o outro, sem um pé de gente e convidativa para caminhadas de reflexão. Rapaz, estava bonito e gostei de saber que a comunidade está empenhada em espantar a “besta fera” de volta para o buraco de onde ela saiu. Dizem que se o buraco for muito profundo, e encontrar luz no fim do túnel, é bem capaz da danada encontrar o caminho de casa. Será verdade?

Cristiano, tirando os nove fora e deixando a “peste de olhinhos puxados” de lado, essa prainha continua linda e assim que passar a borrasca, estará de braços abertos para acolher de bom grado os visitantes que por essas bandas se aventurarem, porque, como diz um amigo, aqui se dá cabimento a todo mundo. Só não sei se com as mesmas portas de agora, pois do jeito que a coisa está sendo pintada, é bem capaz que muitas delas estejam lacradas. Amigo, ainda não vi uma nota oficial, e sincera, para dar guarida aqueles que labutam nos caminhos do empreendedorismo, especialmente os que ralam e tocam a vida na informalidade. A ladainha que sai da boca de governadores e prefeitos, principalmente aqueles que se engalfinham em luta aberta e malcriada com o Planalto, é só fechação e quem reclamar leva chibatada no lombo.

Amigo, tenho sabença que a peste é perigosa e merece atitudes extremadas, mas você que é letrado na tabuada dos números, me diga como fechar a contabilidade do feirante, do vendedor de cachorro-quente, do pescador, do peixeiro, do vendedor de tapioca, do dono do boteco, do taxista, da manicure, do flanelinha, da lavadeira de roupa, da empregada doméstica, do garçom, do dono do restaurante, do vendedor de cocos, do menino do picolé, do lavador de para-brisa, do marceneiro, do músico das domingueiras, do padeiro, do sorveteiro, do camelô e mais uma danação de profissionais que atuam e dão vida as cidades? Para governantes, ministros, secretários, barnabés, deputados, senadores, vereadores, militares, juízes, promotores e demais agregados das tetas da viúva, a coisa é fácil e basta uma canetada para o salário integral ser depositado no bolso, sem faltar um centavo sequer. Para eles é fácil mandar fechar, prender e até sentar a borracha em quem não obedecer às regras do isolamento. Como foi fácil, e criminoso, durante vários e longos anos, abandonar a saúde pública a própria sorte da população. Sei não, amigo, vai ser difícil bater essa conta!

Cristiano Mendonça Ferraz Luz, paulistano arretado, amigo que boas amizades me deram de presente, desculpe essa cartinha tão cheia de azedume, mas esse momento em que vive o mundo tem nos deixado assim meio sei lá e olhe que estamos apenas no começo do sopro de vento para a formação da onda, que depois que estourar na praia, vem o repuxo.

Amigo, eu e a comunidade dessa vilazinha de pescadores, estamos fazendo nossa parte, só espero que a onda pestilenta, se chegar aqui, chegue feito marolinha.

Grande abraço!

Nelson Mattos Filho

Zanzibah – Parte III

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Antes de prosseguir no relato da viagem é preciso corrigir o rumo para realinhar a data da saída do portinho do Jaraguá, para o dia 06/03, sexta-feira, e não 07/03, sábado, como está escrito na Parte II. Pronto, com o pecado corrigido, vamos seguir.

Com a Lua crescente iluminando o céu de uma sexta-feira atribulada a bordo, deixamos para trás as águas mansas do fundeadouro do Jaraguá, na bela Maceió, e aproamos as sombras escuras do horizonte ainda sob os efeitos de um aparente vento Leste até que cruzamos a fronteira invisível da prova dos nove e ao mudar o rumo para aproar a capital do frevo, demos de cara com a verdade que vinha nos acompanhando desde a Bahia, tchan tchan tchan tchan…., Nordeste na cara! – Fazer o que? – Seguir em frente sem reclamar da vida! Mas peraí, acho que ninguém aguenta mais esse papo furado de velejador de só falar de mar, vento, céu, nuvens, lua, sol, estrelas. – Que tal falar de divagações? – Pois é, né, vamos lá!

Com o veleirinho singrando a escuridão da noite e após Lucia servir o jantar, me posicionei no cockpit para o turno de comando e repassar cada momento daquela navegada, conferido os acertos e aprendendo com os erros, porque é assim que atravesso os turnos de vigia. – De vigia? – Sim, vigiando as sombras da noite e a movimentação luzes e embarcações que por ventura surjam no horizonte, porque em um barco bem equipado, bem cuidado, com a manutenção em dia, tudo funcionando perfeitamente, principalmente quando traçamos uma rota segura e a todo momento, mesmo sem precisar olhar para o GPS, sabemos exatamente onde queríamos estar, a navegada se torna um prazer sem igual, ainda mais quando o piloto automático não nega fogo.

Foi assim, que repassando o “filme” da viagem senti saudade da avezinha oceânica que em um fim de tarde, entre a Bahia e Sergipe, pousou sobre o bote de apoio e após examinar a cara dos tripulantes, felizes com sua presença, foi se chegando, chegando e quando percebi, estava agachadinha ao meu lado, enquanto eu tirava uma soneca. Ela passou a noite ali, observando tudo e sempre aproada ao vento. Quando os primeiros raios do dia iluminaram o mar, ela alçou voou e se foi para mais um dia de pescaria. Sempre gostei de ter pássaros pegando carona a bordo, trazem bons fluidos e trabalham como mensageiros da natureza.

Mais uma olhada no manto negro da noite e ri sozinho da resposta que dei ao amigo Antônio Carpes, quando perguntou sobre o Zanzibah: “…barco acima da média, mas com o velho pecado de todo Delta 32: O banheiro! Meu amigo, se o cara for ao banheiro fazer alguma coisa, faça o que programou, porque se resolver mudar, não tem como, pois não dá nem para mexer e nem pensar muito. Ou faz, ou não faz e se nesse meio tempo quiser fazer mesmo, tem que sair e entrar novamente no modo que for a necessidade. Segundo um amigo, o projetista que desenhou o banheiro do Delta 32 deve ter tirado as medidas por ele, que deve ter o maior bi… do mundo, porque o mortal comum não consegue fazer o número um nem com reza braba: Quando chega próximo ao sanitário, bate a testa na antepara e o “maquinário” não alcança para mirar a caçapa. Se tentar fazer sentado, pior, pois tem que dá um retrocesso, sair do banheiro, pois não consegue mudar de posição, e quando senta no trono, bate com a nuca na antepara. Pense num aperreio e se tiver muito apertado já viu, né, vai esquentar o mocotó!

Pois bem, respondi tudo isso para Tonho, que é cabeleireiro, através de mensagem de áudio e o coitado inventou de escutar, a todo volume, enquanto cortava o cabelo de um cliente. Pense num moído dentro do salão, até ele conseguir baixar o volume, que nessas horas não tem quem consiga!

Foi com o olhar focado nos movimentos noturnos e o pensamento viajando pelo mundo que meu turno de “vigia” se passou e nem percebi quando adormeci. Ao acordar, Lucia estava vigilante, como sempre esteve. Aliás, quando navegando ela nunca dorme mais do que 15 minutos, mesmo que não esteja em seu turno de comando, e sempre que abre os olhos, passa a vista na imensidão do mar, aguça os sentidos para ouvir todos os sons do barco, manda – sempre manda – alguma ordem e volta para o berço para mais 15 minutos. Amo minha comandante!

Duas horas da madrugada e lá estou novamente alerta e agora em busca do brilho dos faróis, mas o clarão de Maceió ainda estava bem visível pela popa. – Vento? – Nem brisa, apenas o fascinante mormaço do mar!

Nelson Mattos Filho