Enxu Queimado/RN, 19 de agosto de 2019
Sabe, Maurício, hoje, na paz do luar que derrama fios prateados sobre a noite dessa Enxu mais bela, me peguei fazendo uma retrospectiva de vida e desatei a lembrar dos bons momentos vividos a bordo do veleiro Avoante, subindo e descendo o litoral do Nordeste, plantando, regando e colhendo amizades. Em uma das passagens da fita, veio a imagem de um tripulante, que estava fazendo um dos nossos charters pelos encantos e segredos da bela e colorida Baía de Todos os Santos, e as palavras por ele proferida enquanto degustávamos um vinho, saboreando um risoto de limão siciliano, na enigmática ancoragem do Saco do Suarez, por traz da Ilha do Bom Jesus dos Passos e de frente para a mata atlântica que cobre a Ilha do Frade, ancoragem que segundo contam os livros de história, os holandeses se esconderam durante 60 anos dos olhos e ouvidos dos portugueses, até que em um 2 de julho a brincadeira acabou e até hoje o baiano festeja.
“Nelson e Lucia, vocês não vendem charter e nem curso de vela, vocês vendem sonhos e uma maravilhosa história de vida”. Pois é, Maurício, durante o resto da noite e boa parte da madrugada, a frase cutucou meu juízo e no silêncio e na paz daquela ancoragem tão mágica, adormeci, os circuitos internos do cérebro levaram a frase para o arquivo e assim ela permaneceu esquecida até que hoje, uma velinha branca de paquete cruzou o pedacinho de mar que vislumbro dos domínios de minha varandinha de praia, e pronto, estou aqui a matutar. Pois num é que dia desses, Gilberto da Farmácia, um amigo cultivado sob os alísios que sopram por essa paragens, disse que adorava vir aqui para entabular um conversê, porque, segundo ele, os horizontes se abriam em sua frente. Agora danou-se, um disse que eu vendia sonhos e agora o outro diz que vendo horizontes. Sei não, viu! Rapaz, aqui eu vendo é pizza e saltenhas, e segundo uma criança que passou na calçada, a melhor pizza do universo.
Maurição, pois num é que a tal retrospectiva me fez ver coisas que diante do moído da vida urbana deixei esquecer. Durante onze anos tive uma casa com a varanda de frente para o nascente, o poente e de cara para todos os ventos que se arvorassem a soprar. Foram dias de intensa conjugação com os elementos da natureza e seguindo os ditames de deuses encantados. Por mais que me fizesse de rogado, jamais pude deixar de sorrir e pedir bênçãos diante da magia e das cores do pôr do sol, que nunca se apresentou igualmente o anterior. Via o pôr do sol como um grande livro de páginas infinitas, de versos e crônicas em escritos, desenhos e cores que jamais se repetirão. Hoje, meu amigo, mesmo sabendo da bela maquiagem que as dunas de Enxu produzem para o final da tarde, não consigo tempo para assistir os últimos passos diários do astro rei. Quando consigo, tenho o mesmo deslumbramento e a mesma emoção de sempre, mas sinto minha alma entristecida. Maurício, será que a vida urbana consome a alma das pessoas?
– E a Lua? Pois é amigo, a Lua daqui é linda como a Lua dos outros lugares, mas também não a tenho diante dos meus olhos e nem mantenho a intimidade que tive noutros tempos. Conheço os passos do seu caminhar, sei os segredos de suas cores, consigo sentir seu cheiro e as vezes escuto seus lamentos, mas perdi a intimidade. Aí você pergunta: – Como assim? – Você mora em um paraíso, em uma praia linda, com paisagens belíssimas, com um mar encantador, diante de um coqueiral deslumbrante, cercado de pessoas maravilhosas e sob o teto de uma aconchegante cabaninha praieira, o que falta mais? Pois é, tenho sonhos, horizontes, amigos, família presente e unida, mas falta a intimidade com os elementos da natureza, com a Lua, com o Sol, com os ventos, as correntes marinhas, as ondas, as nuvens, as gotas de sal sobre a face, o balanço do oceano, as vozes do mundo, os sons que ecoam do fundo do mar. Falta o calor do abraço de um mundo que sei que está bem ali, mas um pouco distante demais da mão. Eh, amigo, acho que é isso, a vida urbana consome a alma da gente e fecha os nossos olhos para as maravilhas que somente a natureza pode dar.
Maurício Silva Rosa, você que um dia viveu conosco alguns dias a bordo daquele belo veleirinho avoado, avoando lentamente pelos mares do Senhor do Bonfim, sentindo a natureza correr nas veias e piscando os olhos diante da paisagem desnudada a cada fração de milha navegada, sabe das lamurias que me trazem essa incrível e saudosa retrospectiva, mas não se avexe com essas linhas escritas, porque tudo passa entre um balanço e outro da rede. Além de que, os encantos dessa prainha paraíso é um fabuloso remédio para aplacar minhas saudades.
Amigo, agora me responda: Será que eu ainda consigo vender sonhos ou os tais horizontes que encantam Gilberto? Não, Maurício, não vendo sonhos, nem horizontes, quero mais é dar alegria e mostrar para aqueles que se interessam, que o mundo pode ser melhor, infinitamente melhor, do que este que estamos vivendo. E para isso, nada melhor do que ir ao pomar e colher uma muda de bons amigos.
Venha aqui, amigo, e venha sem pressa, porque embaixo dessa varandinha cabe uma montanha de boas conversas.
– O vinho? – Claro, tem vinho!
Nelson Mattos Filho