Arquivo do mês: dezembro 2020

Diário de um avô de primeira viagem (02)

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“…Compositor de destinos/Tambor de todos os ritmos/Tempo, tempo, tempo, tempo…/És um dos deuses mais lindos…”

A cidade de Salvador/BA pareceu amanhecer mais bela naquela sexta-feira, 04/12/2020, e o frescor de um vento manhoso trazia o perfume da maresia da linda praia de Itapuã, mas talvez tudo não passasse das visões e sentimentos criados na cabeça de um avô com o espírito preste a ganhar um brilho definido.

Não, não eram sentimentos, nem visões criadas na cabeça de um avô, a cidade abençoada pelo Senhor do Bonfim tinha motivos para se enfeitar com sua roupagem mais bela e usar as mais perfumadas e delicadas fragrâncias.

Ela estava me esperando, mas num cochilo cheinho de manha, de quem sabia ser o centro das atenções e o motivo das pulsações alucinantes do coração de um avô que veio lá dos aceiros de um rio do norte, louco para pegá-la no colo e dar uns cheiros sufocantes. Ao escutar minha voz, abriu um olhinho e fez carinha de degonsa. Deu até para ler seu pensamento: – Já chegou, foi? – Demorou, viu! Pronto, abriu a boquinha, em busca do seio da Mãe, mamou e dormiu novamente.

Mas foi um cochilo de treta, de quem dominava a todos naquela sala e iria dominar dali por diante. Eu sabia, mas fiquei no meu cantinho, pacientemente a esperar. Ao abrir novamente os olhinhos, num espreguiçamento apaixonante que só vendo para crer, me procurou com o olhar, mirou para o chapéu, que eu havia comprado na estrada e fiz questão de ir vê-la com ele na cabeça, e comentou telepaticamente: – Esse meu avô é marmotento, mas é lindo! hshshshs... Eu também ri e ficamos assim, naqueles primeiros marcadores do território do amor, naquele chameguinho de uma paixão que durará a eternidade, tudo em meio a aura de um silêncio complacente e mágico.

O dia não passou rápido e nem lento, foi uma sexta-feira de celebração de um dos mais belos mistérios da vida. Maria Giovana estava ali na minha frente com coração em pleno estado de pureza, a mente recebendo os primeiros arquivos da emoção, a mãozinha a procurar entender a magia do contato e os ouvidos registrando os primeiros sons. Coisas que nortearão sua longa caminhada pelas veredas da vida. Mas é preciso confessar: Nesse dia não a peguei nos braços. – O motivo? – Sinceramente não sei responder, mas acho que a troca de olhar, a conversa telepática, a falta de jeito de um avô abobalhado. Sei lá, só sei que foi assim!

O sábado foi mais um dia lindo e no café da manhã Lucia sentenciou: – Deixe de coisa, que hoje você vai pegar Maria Giovana no colo, viu! E parece que ela tinha combinado tudo com Amandinha, pois assim que entrei no apartamento a loura linda foi logo dizendo: – Pronto, pai, passe álcool nas mãos e pegue ela aí! A novinha que estava cochilando, ou se fazendo para enganar o avô, abriu os olhos, encarou os meus e ficamos ali por um bom tempo, a sorrir e sem dizer uma só palavra, porque, simplesmente, por mais que tentasse elas não saiam. Só consegui dizer, a muito custo: – Minha netinha, como você é linda!

O domingo completou três dias de muito amor e todos dedicados a Maria Giovana e ao tio mais fofo e mais amável do mundo, Nelsinho. Pela manhã e à tarde eram dedicados a Maria e o finzinho de tarde e começo da noite a Nhunhu. Hoje posso afirmar que foram os dias mais felizes da minha vida e senti que todas as forças da natureza estavam aliadas ao nosso redor a nos abençoar.

Mas para tirar a prova dos nove de tanto amor infinito, precisaria voltar para meu cantinho, na beira do mar, para sentir a dor alegre da saudade. Dar tempo ao tempo para ele escrever os segredos da nossa história que se descortinarão no horizonte quando o tempo for propício. Como escreveu o poeta, saravá, Vinícius de Morais: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Quando levantei para ir embora, ao chegar na porta, Giovana cochichou: – Vovô, bem que você falou, naquela carta, que minha Mãe era linda, que meu pai me amaria muito e que meu tio Nelsinho era o tio mais fofo e apaixonante do mundo. São mesmo vô! Vô, um beijo e não demore a voltar, para que eu não viva na saudade!

No rádio do carro, Caetano cantava assim: “E quando eu tiver saído/Para fora do teu círculo/Tempo, tempo, tempo, tempo/Não serei nem terás sido…Ainda assim acredito/Ser possível reunirmo-nos/Tempo, tempo, tempo, tempo/Num outro nível de vínculo…”

Lá no alto da Colina Sagrada, o Senhor do Bonfim prestava atenção a tudo e até sorriu quando pedi bênçãos para aquela família, pois já estavam, há muito, sob Sua proteção.

Vovô Nelson

A estrada esquecida

7 Julho (21)

Na penumbra da varandinha da minha cabaninha de praia, enquanto observo a Lua passear em um céu limpo de nuvens, vez por vez dou uma curiada nas folhas virtuais do noticiário para me assuntar e, entre tantas, vi que um deputado estadual desse Rio Grande do Norte pede urgência na recuperação das estradas estaduais e de pronto lembrei do, inseguro, maltratado, mal sinalizado, sem um mínimo de fiscalização, trecho da RN 120, que faz a ligação dos municípios de Parazinho, Pedra Grande, São Bento do Norte e Caiçara do Norte, com a BR 406, uma rodovia de vital importância para a economia do Estado. Via que trafega, além da riqueza turística de uma das mais belas regiões do RN, toda a infraestrutura física e de pessoal que dá vida a um dos maiores parque eólico do Brasil, se não o maior. Porém, ao ler a solicitação do deputado, que visa apenas beneficiar as estrada da região Oeste, me entristeci pois ainda não será dessa vez que a RN 120 sairá do ostracismo, apesar da riqueza que por ela trafega. Uma pena, mas é assim!      

Natal/RN, 421 anos

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Parabéns, Natal, “…cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos…”. Ah, Noiva do Sol, como seria bom se seus senhores lhe amassem um tantinho, só um tantinho, assim!

Já é Natal

Poderia falar de oceano, de ondas vindas de além-mar, poderia falar de jangadas, de pescadores e dos alísio de cá, mas como diz o poeta, que o Menino Jesus abençoa,  “mesmo longe do oceano, tem galope a beira mar”. E na toada da poesia de Antônio Marinho, repentista de primeira grandeza, desejo a todos um Feliz Natal!

As origens da festa do Natal

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A palavra desta quarta—feira, 23 de dezembro, antevéspera do Natal, fica com o Padre João Medeiros Filho,  sacerdote norteriograndeque, Mestre e Doutor nas áreas de Teologia, Filosofia e Comunicação, autor de mais de vinte obras publicadas, além de artigos para jornais e revistas por esse mundão de Nosso Senhor. Li o artigo no jornal Tribuna do Norte, de 22/12, e pedi permissão ao Padre para dividir com os leitores do Diário do Avoante. Ele humildemente disse que não precisava dessa autorização, agradeceu e nos abençoou.  

Segundo historiadores, a celebração do Natal remonta ao ano 440, quando o Papa São Leão Magno instituiu a missa “In Nativitate Domini”. Não há registro exato da data do nascimento de Jesus. O dia 25 de dezembro é a cristianização de algumas festas romanas e gregas. Em Roma, eram tradicionais as “Saturnaliae” (Saturnais), em homenagem ao deus Saturno. De acordo com a mitologia, tendo ele sido destronado por Júpiter, fugiu para a Ausônia (Itália). Ali, reinou durante a idade áurea do Império Romano. Em memória desse reinado benéfico, celebravam-se no início do inverno as Festas Saturnais. Pode-se verificar que em tais comemorações havia aspectos análogos à celebração do Natal cristão. Nas Saturnais, suspendiam-se as atividades e serviços públicos (hoje recesso natalino), declarações de guerra, execuções de penas (indulto de Natal) e os amigos trocavam presentes. As árvores eram enfeitadas para que brilhassem (árvores natalinas). Cantava-se e dançava-se em agradecimento a Saturno, divindade da fartura e da vida.

Havia paz e fraternidade. O poeta latino Virgílio aludiu a essa época: “Eis que a Justiça está de volta com o reino de Saturno.” As Saturnais pretendiam lembrar o estado paradisíaco, obter proteção para os campos e os habitantes. Além dos festejos citados, na ocasião havia uma grande ceia, em que todos fraternalmente se colocavam à mesa. A refeição tinha por objetivo mostrar que todos os seres humanos são iguais e os bens da terra lhes pertencem. As igrejas cristãs ensinam que Jesus veio instaurar um reino de Amor, Justiça e Paz. O Filho de Deus se encarnou para proclamar a nossa fraternidade e sentar todos à mesma mesa (Eucaristia) para um banquete oferecido por Deus. Para os cristãos Jesus é o maior dom divino para os homens e seguindo o seu exemplo, há a oferta de presentes. A partir do Édito de Milão, os romanos foram se reunindo, não mais para celebrar uma deidade frágil, mas o Deus Eterno.

Na mitologia grega, Hélios (o deus Sol) é filho de uma virgem chamada Téia. Ele, conhecedor das mazelas do mundo, era a divindade da luz, capaz de trazer vida, curar, queimar e cegar. Consoante a lenda, recebeu de Netuno a cidade de Corinto, onde era adorado por seus habitantes. Estes propagaram por toda a Grécia a festa de Hélios. No solstício do inverno – entre 22 e 23 de dezembro, no hemisfério norte – os coríntios costumavam celebrar a festa do Sol, quando se cantava e pedia que ele não se afastasse da terra e ali não dominassem as trevas, encobrindo as cidades. Em geral, tal festividade tinha o seu ápice no segundo ou terceiro dia, ou seja, em 25 de dezembro.

A Igreja, partindo dessa tradição, começou a celebrar Aquele que é a Luz do Mundo, “Sol da Justiça e da Paz”, preconizado pelo profeta Isaías (Is 32, 1). Segundo a crença helênica, os rigores do inverno deveriam ser amenizados com a proteção do Sol (Hélios). E segundo a concepção do cristianismo, o gelo da insensibilidade, do egoísmo e ódio será eliminado por Aquele que aquece os nossos corações. “Sol divino, aquecei as nossas almas”, reza-se na Sequência da Missa de Pentecostes.

Virgílio já proclamava: “Quando o sol se põe, viaja para as entranhas da noite escura”. Assim, Cristo ausentando-se de nossas vidas e da sociedade, haverá trevas. Narram os relatos da Paixão do Senhor: “Quando Ele expirou, a terra cobriu-se de trevas” (Mt 27, 45). O Filho de Deus apresenta-se a seus contemporâneos como Luz: “Eu sou a Luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas.” (Jo 8, 12). Carl Gustav Jung remete o simbolismo de Hélios ao próprio Cristo: “O sol nasce cada dia, é imortal, retrata a força suprema do espírito e da alma, a verdade e o amor.” O Filho de Deus é imortal e nossa fortaleza, como afirma o apóstolo Paulo: “Tudo posso Naquele que me fortalece” (Fl 4, 13). Ele assim se define: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Jesus é inegavelmente a ternura divina, como descreve o evangelista João: “Deus é Amor” (1Jo 4, 8).

Padre João Medeiros Filho

E foi assim que vi a grande conjunção

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Não poderia deixar passa a oportunidade, única para mim, de observar a aproximação dos planetas Júpiter e Saturno, em órbitas tão próximas, e para isso, no finalzinho da tarde desta segunda-feira, 21/12, me posicionei na varanda da casa do casal Pedrinho e Lucinha, localizada no alto de uma das belas dunas da praia de Enxu Queimado/RN, fiquei pacientemente a esperar e me divertido em um longo bate papo sobre dinossauros com Lindenberg, o filho figuraça, de 7 anos, do casal. – Berguinho, porque essa cara de choro? – Tio Nelson, minha mãe perdeu um dinossauro raro da minha coleção. Um dinossauro tão raro que somente eu tinha. Vi na televisão que não existe nem um osso desse dinossauro e eu tinha um. – Como foi isso, rapaz? – Eu guardei meus brinquedos, bem guardadinho no quartinho, e minha mãe perdeu! – Bem guardadinho, Berguinho? – Bem guardadinho, pois eu cuido bem dos meus brinquedos! – Sei! – Pois foi, ela botou na máquina de lavar e perdeu! E assim o papo seguiu até que as cores do por do sol tomaram conta do céu é lá fui registrar os últimos momentos do crepúsculo até que chegasse a hora do grande espetáculo planetário.

IMG_0098 (2)O retrato do por do sol até que não está dos piores, mas o registro da aproximação de Júpiter e Saturno ficou um Deus nos acuda, mas está aí a melhor imagem que consegui – ficou ruim, num foi? – e já posso contar a Maria Giovana, a netinha mais linda e amada desse mundo, que assisti em 2020 um fenômeno estelar que centenas de gerações passadas nunca virão e que ela terá a alegria de ver também em 2080. Coisa de avô! hshshs. Porém, vou dizer a ela que um cearense arretado e conhecedor das coisas das estrelas como ninguém, o velejador e violeiro mais afamado do Nordeste ao Centro-Oeste e descambando para as bandas dos oceanos do Sudeste, Elson Mucuripe, ao ler o enunciado que fiz do rala e rola planetário, Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor!, passou um teretetê dizendo assim: “Pois meu amigo, digo que todos estão errados ao associarem este fenômeno a Estrela de Belém. A estrela do oriente não poderia ser Júpiter e sim Vênus, que neste mês de dezembro nasce por volta das 4horas da manhã, nossa estrela Dalva. Sendo assim, a estrela do oriente, narrada pelos Reis Magos quando do nascimento de Jesus Menino, só poderia ser Vênus. Se eles tivessem dito que haviam visto nessa época a estrela do ocidente, poderia ser Júpiter. Mas isso é apenas uma opinião deste cearense que vos fala.” Maria Giovana, esse seu Tio Mucuripe é cabra bom indo e voltando, viu, e pode apostar que ele não erra uma, mas fique atenta quando ele pegar um sextante para traçar rumo até a Namíbia.  

 

Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor!!!

ALINHAMENTO

Nesta segunda-feira, 21/12, os astros apresentarão um belíssimo espetáculo sobre o manto negro do firmamento, logo após o pôr do sol, e que há mais de 2 mil anos a humanidade registrou como a Estrela de Belém. O alinhamento dos planetas Júpiter e Saturno, em órbitas tão mais próximas que parecerão um só corpo. A última vez que ocorreu o fenômeno, em seu apogeu, foi em 04 de março de 1226, 800 anos atrás. Portanto, quem tiver a felicidade de estar, no finalzinho da tarde, em um local de boa visibilidade e sem nuvens,  vale o registro para poder contar as gerações futuras e assuntar ao redor das  mesas das confraternizações de fim de ano. Quem não se interessar para ver hoje e só empurrar com a barriga e esperar por 2080 ou 2400, quando o espetáculo voltará a ser apresentado.  

Diário de um avô de primeira viagem (1)

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Nesses tempos pandêmicos, onde a razão caminha errante e maltratada pelas estradas e veredas do mundo, não é fácil abraçar a decisão de arrumar mala e cuia para dar um giro por aí, porque os medos e os olhares de reprovação estão camuflados e à espreita em cada curva ao longo do caminho, porém, às vezes, a vida pede seguimento e o que nos resta é se apegar com os apetrechos de segurança a saúde, nossa e dos outros, seguir as normas e regras deliberadas pelos bons profissionais e meter o pé na estrada.

– Mas toda viagem pode ser adiada, ainda mais em tempos sombrios como este que estamos vivendo! – Claro que pode, mas como explicar isso ao coração de um avô apaixonado? – Sei lá! – Pois é, também não soube e por isso criei marra e fui enfrentar a fera de olhinhos puxados, em uma viagem de carro até a baiana Salvador de todos os santos e crenças.

O giro rodoviário teve duração de sete dias, 03 a 09 de dezembro de 2020, e assim foi: A cidade do Natal foi ficando para trás no começo de uma manhã de céu nublado e trânsito ainda se espreguiçado ao longo da BR 101 até que cruzamos a fronteira entre o RN e a Paraíba debaixo de uma chuvinha fina e aprazível que se precipitava, aqui, acolá, até a linha divisória entre a PB e PE.

Na Paraíba, onde o sol nasce primeiro, paramos para reabastecer e comprovar que combustível caro somente no Rio Grande do Norte. Mas sem querer saber pru modé que, pra num seguir disimpaciente, até porque existia no fim da linha uma baianinha linda a me esperar, paguei a conta e arrochei o nó.

De Natal a Recife a BR 101 é completamente duplicada, mas já merecendo uns arremedos de remendo, um tantinho aqui, outro ali, mas merece sim. O nó do borogogó é quando chega na parte urbana de Igarassu, passando por Abreu e Lima, embrenhando no novelo do arrodeio da cidade do Recife e desembocando no beiço do município do Cabo. Seu menino, o moído num é longo, mas dá uma ingrizia da mulesta dos cachorros e é de deixar caboco avexado, pois assim fiquei depois de torrar uma hora de paciência entre o começo e o fim.

Do Cabo/PE até a fronteira com as Alagoas dos canaviais, foi num estirado só, apesar dos 10 km que faltam para concluir a duplicação da BR, mas é um tiquinho tão curto que nem castiga o juízo e assim paramos nos aceitos de São Miguel dos Campos/AL, cidade açucareira, para colocar mais uns grãozinhos de gasolina no possante. – Se era mais barata do que no RN? – Vou nem responder!

Margeados por imensos canaviais seguimos rumo abaixo até que desaguamos na Ponte da Integração, que passa por duplicação, estirada sobre o Rio São Francisco e que faz a ligação de Alagoas com Sergipe, terra dos caranguejos, mas pode apostar também na terra das mangabeiras, pois tem e tem bastante. – E laranja? – Tem e doce que só mel!

Pois bem, a partir de Propriá/SE, banhada pelo velho Chico, a duplicação da BR 101 caminha a passos de tartaruga e assume trejeitos malassombrados, mas com um pouquinho de paciência – muito menos do que precisei para atravessar os aceitos de Recife – e no lusco-fusco, aprumei o rumo na duplicada e bem sinalizada estrada para a Estância/SE, arruado enorme de grande e onde aos sábados é armada uma das melhores feiras livres do nordeste velho de guerras.

A partir de Estância, deixei a vida de estradeiro de BR, já em noite escura, e embrenhei pela Linha Verde, que liga Sergipe com a Bahia, uma via estadual boa, tranquila, mas vale criticar para dizer que o lado sergipano precisa urgentemente de uma maquiagem aprumada, porque a sinalização – sinalização? – desbotou faz tempo. E nessa via que margeia o litoral fomos dando um olá aos poucos vilarejos que povoam a beira da estrada e lembrando dos bons amigos que fizemos por aquelas paragens e que ficariam felizes em nos rever, mas devido ao arteiro e mandingueiro coronavírus, não pretendíamos fazer parada. Primeiro, que o objetivo da viagem era conhecer a netinha que tinha acabado de nascer e para isso, quantos menos contato com pessoas melhor. Segundo, que tendo a responsabilidade com o primeiro, não podíamos ser irresponsáveis com o segundo.

“….Salvador, meu amor, a raiz/De todo o bem, de tanta fé/Do canto Candomblé….”. A partir da famosa Praia do Forte, a estrada deixa de ser Linha Verde e assume nomenclatura baiana, Estrada do Coco.

– Ó pai, ó, já estamos na beiradinha de Salvador! – Que horas são, minha deusa? – Vinte e duas! – Vixe, tô cansando não! – E nem podia, pois você veio no cheiro de Maria Giovana, hshshs! – Pois foi assim!

Vinte e duas horas e trinta minutos, do dia 03/12, depois de dezesseis horas e trinta minutos de viagem, cruzamos a portaria do Hotel Praia da Sereia, na praia de Itapuã, para dormir o sono dos justos e sonhar com o grande encontro que mudaria meu mundo.

Vovô Nelson

Cartas de Enxu 81

 

10 Outubro (161)

Enxu Queimado/RN, 19 de dezembro de 2020

Greicinha, como vai caminhando a vida nos planaltos e serrados desse imenso Brasil de altos e baixos? Aqui, na beira do mar, o moído vai sendo digerido do jeito que dá e pode, mas tendo goma de tapioca, cuscuz, farinha e peixe para a mistura, tá tudo beleza e festejado com uma branquinha ou uma caixinha de louras “escumosas”.

Mas digo que continuamos sob a crueza da ditadura covideana e sendo regidos pelas leis e ordens de uma tal segunda onda sem nem ao menos botarmos a cabeça fora d’água para tomar fôlego dos efeitos da primeira. Tenho na ponta da língua o pitaco de que não existiu primeira onda, segunda e nem existirá as próximas e que o tal chinesinho sanguinolento acha é graça da nossa petulância em procurar motivos para encobrir nossas irresponsabilidades.

Ora, o vírus do mal está aí e ficamos brincando de ondinhas, de trocar acusações tolas, de colocar panos mornos na ferida alheia, de olhar a dor dos outros até a fronteira do nosso nariz, de amealhar créditos políticos para o bolso dos nossos candidatos de estimação e de achar que nada pode acontecer com a gente e quem quiser que se amarmote com os apetrechos de proteção.

Não, Grace, não caio mais na tentação de trocar golpes de espada com quem enxerga o mal apenas pelos quadrinhos – cópia, cola – das redes sociais e nem me alio ao cordão dos que querem invadir a avenida com banda de instrumentos desafinados, regidos por maestros toscos e que só querem tocar fogo no asfalto para poder tirar um retrato, postar no perfil com uma frase irada copiada de uma cartilha guerrilheira qualquer.

Nas redes sociais que me abestalho participar, escrevo meu pensar e me recolho ao primeiro sinal de que espetei, mesmo tendo essa intenção, a ideologia ou crença de terceiros, porque há muito deixamos para trás a arte do diálogo, da reflexão, da maravilha do pensar diferente, do gostar dos sabores adversos e diversos, da paz. Não temos mais paz. Perdemos a razão de ser. Perdemos o foco do zelo pela vida do outro. Não conseguimos ver nada além de nós.

Sobrinha, não foi a Covid-19 que nos deixou assim, pois há muito entramos nesse processo de autoflagelo, automutilação. O terrorista apenas nos mostrou o quanto somos terrivelmente malcriados, irresponsáveis. Incrivelmente petulantes, donos de uma verdade que nem ao menos conhecemos uma vírgula e governados por verdadeiros gênios do mal que vislumbram o poder a todo custo, e nesse custo, está incluído até caminhar de mãos dadas com a peste.

Não queria e nem pretendia escrever essa cartinha falando de coisas tão maléficas a alma, mas hoje, um sábado que marca os últimos passos para os festejos do nascimento do Menino que veio a mundo para anunciar boas novas, ao sentar diante da telinha em branco para ajuntar letrinhas, me enchi de angústia ao saber as últimas da carnificina que se espalha mundo afora. Quanta crueldade!

Não, não foi para isso que o Menino, iluminado pela Estrela de Belém e Anunciado por todos os anjos do Céu, veio viver entre nós. Logo Ele, que trazia em seu peito o pulsar de um novo mundo. Que tinha o choro da esperança. Que sabia, que um dia deixaria encravada no coração dos homens a Cruz da salvação. No alto da Sua altivez e ainda deitado em sua manjedoura, Ele trazia a cura para todos os males, a mão estendida para nos tirar da beira do abismo, o líquido para matar a nossa sede. Sob a sombra da cabaninha de palha e embalado pelo conforto rústico do seu berço, Ele se cercou de humildade, justamente a humildade que hoje desprezamos.

Não temos a humildade de reconhecer nossos erros, de reconhecer a fúria das doenças, das desgraças. Não temos a humildade de olhar para o outro com um olhar de amor. Não temos a humildade de ouvir, de calar, de respirar, de respeitar, de sentir que ferimos e nem de sermos feridos quando precisamos ser, porque esquecemos a humildade em alguma curva da estrada e focamos apenas no pragmatismo delirante da economia. Mas a humildade está lá, paciente a esperar a redenção da nossa consciência.

Eh, Grace Benfica Matos, hoje sentindo o calor do sol que amorna essa Enxu mais bela e apreciando o bailar do coqueiral sob a brisa dos alísios, me sinto entristecido, mas não desesperançado. Muitos amigos perderam a luta, muitas vidas ficaram perdidas no campo de batalha, tantas outras ainda cairão diante da foice de fogo do terrorista pestilento, mas a grande maioria dos combatentes saíram machucados, porém, vitoriosos. Temos que levantar a cabeça e seguir em frente com a bandeira hasteada do ensinamento, pois assim nos ensinou o Menino.

Antes de colocar o ponto final, desejo-lhe um Feliz Natal e digo que o que mais dói é ouvir o grito estridente dos hipócritas, potenciado pelo megafone da justiça, justiça essa que nada vê, mas segundo dizem por aí, faz acordos que é uma beleza. Para eles!

Um beijo!

Nelson Mattos Filho

Covid-19 – Um relato emocionante

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O empresário potiguar, Silvio Bezerra, que recebeu alta, após dura batalha contra a Covid-19, fez um emocionante testemunho de fé para relatar a luta que teve com a doença. As palavras de Silvio me fizeram reviver  os momentos de angústia e dor que minha família passou ao ter meu irmão, Iranilson, recentemente afetado pelo monstruoso vírus. No relato do meu irmão uma frase ficará para sempre grafada em minha memória: “…o que fiz muito nesse período de UTI foi rezar e chorar. Noites de terror e desespero…” .  Enquanto isso, a hipocrisia, que desfilou de cara lisa durante a última campanha eleitoral, discute, xinga e esperneia para festejar com fogos, festas e champanhe a virada do ano.  

Meus amigos,

Há cerca de 10 meses Melissa, minha esposa, me chamou para participar de um grupo de orações, via internet. Ela havia descoberto, antes de mim, a importância de se ter espiritualidade nas nossas vidas, de aprender a falar com Deus na intimidade, através das orações. E queria dividir comigo esse conhecimento.

Até então, eu só sabia rezar o Pai Nosso e a Ave Maria. Rezar o terço diariamente passou a ser parte da minha rotina de aprendizado espiritual. Fizemos isso quase que diariamente. Virei devoto de São Miguel Arcanjo e de São Bento.

A segunda onda da pandemia explodiu e assim como a maioria das pessoas sensatas, estávamos tendo todo o cuidado possível para não adoecer da Covid, recusando sair para lugares de risco e tomando as precauções recomendadas. No último dia 18 de novembro fomos convidados para a festa de aniversário de um grande amigo. Não resistimos e fomos. No dia seguinte Melissa já amanheceu baqueada e três dias depois eu comecei com os sintomas da Covid.

Começamos o tratamento médico. Ela reagiu bem e não sofreu tanto! Eu, passados 12 dias, não estava conseguindo me curar. Tive que dar entrada no hospital para tomar medicação na veia, pois já tinha tomado todas as Ivermectinas, Azitromicinas e Cloroquinas dos protocolos médicos, que não surtiram efeito em mim.

Falei com meu amigo Tarcísio Barros sobre a possibilidade de ser internado no Hospital São Lucas, mas não havia vaga. Ele falou com Dr. Nelson Solano e este me mandou ir para o Hospital do Coração. Era quinta feira dia 3/12. Ao ser examinado, fui informado que teria que ficar internado na UTI do hospital. Não sei se vocês estão familiarizados com o protocolo, mas me tomaram tudo!

Tiraram meu celular, tablet, relógio, corrente com crucifixo, aliança, roupas, tudo! As únicas coisas que me deixaram ficar foi uma pulseira de São Bento, que tenho no braço, e um terço de borracha que carrego no peito. Também fui informado que minha mulher não poderia me acompanhar, mesmo ela já tendo tido a Covid. Fiquei sozinho 11 dias na UTI!

Minha formação de engenheiro sempre me fez ser racional e disciplinado. Até então não havia questionado o médico sobre qualquer das regras protocolares, concordei com todas, pois entrei pensando que com dois ou três dias logo ficaria curado, pois estaria tomando a medicação direto na veia e achava que minha recuperação seria rápida. Não foi o que ocorreu!

Fui imediatamente apresentado ao pior exame que já fiz na minha vida. A famosa gasometria arterial. A agulha entra no pulso do paciente em busca de encontrar o sangue da artéria que corre no meio do nosso punho. Imaginem como é agradável essa procura! Ao longo dos dias na UTI fiz mais de 15 vezes o mesmo exame.

Minha vontade de ficar bom era tanta, que raciocinei e trabalhei minha mente para não sentir dor na picada da agulha, deu certo em 99% dos casos. A exceção se deu quando fui surpreendido as duas horas da manhã com a picada da agulha durante meu sono. Tomei um susto violento e reclamei por não ter sido acordado e preparado para fazer o exame.

Na primeira noite fui apresentado a famosa comida de hospital. Eu tinha duas opções: comer ou não comer. Não tive dúvida, pensei comigo mesmo: Quantas pessoas estão na minha situação e não estão tendo a oportunidade de comer aquilo que me foi servido, mesmo sendo gelado e ruim.

Eu não estou num restaurante! Eu estou num hospital, e portanto se me foi servido aquilo, certamente é porque deve ser bom pra mim. Vou comer o que vier, preciso me nutrir e ajudar meu corpo a reagir. E assim foi! A comida era gelada e ruim, mas eu havia decidido engolir o que viesse pra poder vencer a briga! Mesmo comendo tudo que me foi servido, emagreci 10kg em uma semana de UTI, para vocês sentirem a violência do vírus. Durante o dia passava a maior parte do meu tempo rezando e pedindo a Deus para me curar.

A outra parte do tempo dando uns cochilos e fazendo exames e tomando os medicamentos. Os dias foram passando e esse meu jeito expansivo e extrovertido logo me permitiu construir amizades com alguns dos enfermeiros e enfermeiras da UTI.

Por coincidência ou não do destino, encontrei na UTI em que eu estava uma enfermeira, que fazia parte do mesmo grupo de orações que Melissa havia me apresentado em março passado. Wilma (ela gosta de ser chamada Uilma) Ela viu minha angústia e meu desespero e veio falar comigo. Imediatamente nos identificamos, rimos e celebramos esse encontro. Eu agora tinha dentro da UTI uma amiga de Fé!

Minha mulher, que até então, passada quase uma semana, não havia conseguido me visitar, passou a ter através dela notícias minhas. E eu dela! Melissa, passava o dia orando na capela do hospital e brigando para deixarem ela me visitar. Até hoje, Fiquei sem entender qual o mal que ela poderia me fazer se lhe fosse permitida 15 minutos por dia pra me ver. Ela já tinha tido a Covid portanto não corria risco algum. Afastar um doente da sua família por 10 dias sem lhe dar direito a um contato sequer é devastador para a cabeça de ambos. O meu quadro foi piorando, os medicamentos foram trocados mais uma vez na tentativa de fazer meu corpo reagir à doença.

Fui surpreendido com alucinações, como efeitos colaterais e eu não entendia do que se tratava. Por volta das duas da manhã e eu sem conseguir dormir, pois a tosse não dava trégua. Comecei a perder a noção de onde estava, não entendia o que estava fazendo ali, olhava pra os meus braços e via um monte de agulhas espetadas neles, chegou uma hora que eu tentei sair da cama, aí vieram meus amigos enfermeiros me socorrer e me acalmar. Eu chorava e pedia a Deus para ficar!

Eu implorei a Deus dizendo que eu tinha seis filhos para criar e que continuava cheio de planos para viver. E o principal, que eu queria muito viver, se ele assim permitisse! Eu estava muito confuso e não entendia o que estava vendo. Rezei muito a oração de São Bento, (A Cruz Sagrada seja minha Luz, não seja o dragão meu guia, retira-te satanás, nunca me aconselhe coisas vãs, se é mal que tu me ofereces, bebe tu mesmo o teu veneno! Amém!) e também aquela que diz “eu Silvio Bezerra, em nome de Jesus Cristo te proíbo de tocar em mim e em minha família”. Eu pedi muito a Deus que afastasse de mim todo tipo de coisa ruim que pudesse estar ali. Depois de rezar por horas, e por inúmeras e repetidas vezes, consegui me sentir seguro, me acalmar, e até dormir um pouco.

O dia amanheceu e meu médico veio me ver. Eu narrei todo o meu pesadelo vivido na noite anterior e disse para ele que se minha mulher não entrasse na UTI por quinze minutos, eu não suportaria mais a solidão e o peso do tratamento.

Eu disse que entendia ter ficado sem contato com o mundo, para não absorver as notícias ruins do dia-a-dia, mas não dava mais para ficar sem o carinho o abraço de minha mulher. Ele decidiu aceitar meu argumento e deixou Melissa entrar na UTI. Tenho certeza que a alegria que ela me trouxe foi um divisor de águas no meu tratamento.

Passamos a rezar juntos!

Melissa passava praticamente o dia todo na UTI. Só saía à noite para dormir em casa. Recebi de volta o meu tablet com a promessa de usá-lo apenas para ouvir músicas.

Desse dia para frente, as coisas mudaram completamente, meu humor mudou! A depressão foi embora, e o remédio começou a fazer efeito! A equipe médica mudou o medicamento mais uma vez pra evitar as alucinações.

Transformei totalmente o astral do lugar aonde estava. Passei a tocar música o tempo todo para me animar. As piores rotinas da UTI passaram a ser executadas sob o som de músicas animadas. Criei até uma playlist do Spotify chamada “músicas para UTI” pra compartilhar com quem está hospitalizado e precisando melhorar o astral. Finalmente, na sexta passada dia 11/12 tive alta da UTI. Me mandaram pra semi-UTI para desmamar do oxigênio e poder ir pra casa.

Hoje, 17/12, estou na expectativa de receber alta amanhã, pois já não estou precisando de oxigênio para respirar. Agradeço a Deus por ter atendido aos meus pedidos e ter me deixado aqui para testemunhar a força da minha Fé, que foi fundamental pra eu chegar aqui hoje.

Agradeço também aos meus médicos Dr. Sérvulo, Dr. Aretto, Dra. Manoela, Dr. Wallid, Dr. Luís, Dra. Ângela e a todos os enfermeiros, enfermeiras e fisioterapeutas nas pessoas de Wilma e Naldo, que cuidaram de mim quando mais precisei.
Agradeço também aos Amigos Tarcísio Barros e Nelson Solano por tudo que fizeram por mim.

Agradeço a minha mulher pela dedicação e insistência em cuidar de mim pessoalmente, fato que sem dúvida nenhuma fez uma diferença brutal na minha virada. Melissa me falou que eu fui preparado inconscientemente ao longo desses 10 meses de orações para enfrentar o que eu enfrentei e poder testemunhar aqui minha história vivida! Eu estou certo disso!

Confesso que uma das maiores emoções sentidas quando estava na UTI, foi quando ouvi meu nome sendo citado pelo grupo de orações pedindo minha cura. Esse grupo de orações possui mais de 1 milhão de seguidores, é liderado por um cearense do Crato, chamado Geraldinho, que transmite diariamente pelo Instagram e pelo YouTube suas orações pedindo graças a todos que lhe procuram. Um cara do bem! Ali, mais do que nunca, me senti um membro de verdade do grupo! Um protegido de Deus, de São Miguel Arcanjo e de todos os santos!

Resolvi dar esse testemunho como forma de mostrar para todos, o drama que eu vivi , e os riscos enormes que esse vírus carrega.
Espero que ninguém precise passar pelo que eu passei. O vírus que peguei era muito forte! Não é à toa que muitos conhecidos nossos não resistiram.

Cumpram os protocolos de segurança! A Covid-19 não brinca!

Se cuidem!

Por fim o meu agradecimento mais especial de todos, ao meu amigo meu irmão, Maurício Arruda, que me visitou todos os dias na UTI, não deixou de ir um dia sequer. Jamais esquecerei esse seu gesto de amizade.

Beijos e abraços a todos que rezaram por mim durante esses dias de aperto que passei.

Sinto que saio dessa doença mais forte do que nunca!
Vamos viver um 2021 de muitas alegrias e felicidades!

Silvio