Para quem não sabe e não acredita, houve um tempo em que a alegria e o bom humor reinava entre amigos, conhecidos e até entre aqueles que nunca se viram nem mais gordo, nem mais magro, mas era assim. Era nos tempos que apelido pegava mais do que mangaba nos beiços e se o apelidado se metesse a besta e fosse tirar satisfação, estaria ferrado para sempre.
Gordo, magro, feio, bonito, alto, baixo, forte, fraco, valente, manso, branco, preto, amarelo, vermelho, descorado, azulado, esverdeado, poderiam até ser características que ajudavam a definir um apelido, mas eram marcas que desbotavam ligeiro. Tinha que ter uma pitada de maldade. Tinha que fazer ranger os dentes, de escutar borbulhar de sangue fervendo, de ver músculos enrijecer e a mão se armar para desfechar um bofete. Tinha que assistir o apelidado ir embora jogando fumaça pela venta feito trem maria fumaça, porém, todos sabiam e tinham consciência que linha férrea é um vai e vem. E assim a vida seguia com o riso marcando o compasso e a raiva sendo desanuviada pelos novos integrantes de uma lista que nunca parava de crescer.
Cabeça de cuscuz, braço de radiola, galo cego, mamulengo, bucho de fossa, pé de lama, queixo de nós todos, olho de Kombi, beiço de biqueira, venta de vulcão, barriga, pilha, beiço de burra, mula manca, tolete, cabeça de queijo, boi de manga, azogado, venta de carcará, brilhoso, bunda de fole, sobrecu de muriçoca, carai de asa, mão na rola, cabelo de merda, priquito, suvaco de catacumba, mão de cocô, trismegisto, farinha mofada. Conheço todos, alguns se foram para outra melhor e riem e festejam quando olham, lá de cima, que os que por aqui estão não perderam a graça, continuam aporrinhados e não adquiriram os traumas mimizentos das teorias modernosas.
Entre uma dose e outra de cachaça Rainha, numa noite de frio e viola nas encostas do anel do brejo paraibano, perguntei a um dos presentes o porquê do seu apelido e ele respondeu: – Foi o sacana do juiz. – Como assim? – Eu tinha uns 11 anos, era ruim que só a peste. – Era? – Era, porque hoje sou ruim e meio, e vinha da escola arrastando a mochila pela rua quando o juiz, que estava sentado em frente a sua casa, disse para não fazer aquilo e continuei arrastando a mochila. Quando cheguei na esquina gritei, “Vá tomar no c.!” O juiz sorriu e disse que eu era pior do que catinga de merda. Meus amigos da escola escutaram e no outro dia, na hora da chamada, o professor adotou, respondi presente, tentando levar na brincadeira, mais aí já estava ferrado.
Dia desses Pedrinho Carai, cabra que bota apelido até em besta fera, juntou o time de futebol de Enxu Queimado para uma disputa com o time do meu cunhado, Saulo, e colocou um carneiro gordo, da sua criação, de aposta. Quem perder paga! O time de Enxu perdeu de 7×1 para o time do Pé do Galo, Pedrinho traçou um rosário de desculpas, mas a pisa já estava dada e o consolo foi enterrar a cara na mardita e comer uns pedaços do carneiro assado para não perder de tudo. O pior foi aguentar a gozação do goleiro do Pé do Galo, Bunda de Gaveta – que Pedrinho rebatizou para Cu de Caçapa -, que só entrou nos minutos finais do jogo, mas tirou onda: “Só fizeram um gol porque não era eu que estava agarrando!”
Pois é, dia desses dei boas gargalhadas ao saber que um caboclinho, que se acha mais afamado do que as pregas do rei quelé, se avexou com um caboclo de lança que o chamou de cabeça de ovo e por isso subiu nas tamancas, ficou mais sério do que porco mijando, vestiu uma capa de poderes especiais, se armou com uma espada afiada só de um lado, colocou uma venda nos olhos, para mostrar que é certeiro, ajuntou a turma do mexeu com um mexeu com todos, mas em vez de sair em campo aberto para tirar satisfações com o encrenqueiro duma figa, se trancou numa fortaleza, cuspiu no chão e decretou: Se aquele fiidapesta pisar no cuspe vai ver quem é cabeça de ovo! – E ele pisou? – Pisou, se lascou, tomaram a lança, um motoqueiro que ia passando tomou as dores, empurraram de lá, puxaram de cá, o riscado de faca comeu no centro, juntou gente, a gritaria varou o mundo, enquanto isso, o caboclinho com as mãos na careca pensava: Pronto me ferrei!
Pior foi com Mano Walter, mas aí a história é outra.
Nelson Mattos Filho