Enxu Queimado/RN, 24 de fevereiro de 2021
Eh, os caminhos de se caminhar são tantos e tão cheios de surpresas, que jamais adivinharemos o que existirá ao dobrarmos a próxima esquina, mesmo que todos os dias façamos o mesmo percurso.
E assim, as Cartas de Enxu chegam ao fim após 4 anos de contos, fatos, coisas e muitos moídos que marcaram o cotidiano em um dos mais bucólicos povoados praieiro do Rio Grande do Norte.
Queria chegar ao número 100, mas a vida mansa, preguiçosa e por vez laboriosa desse escrevinhador que se dividia entre apreciar o belo quadro natural exposto pela paisagem do coqueiral, com o mar servido de fundo, e a produção artesanal das melhores “pizzas do universo” – pois já disse aqui que criança não mente –, não deixaram cravar a meta. – Será desculpa? – E das esparradas!
O que seria mesmo a pretensão da tal meta diante de uma comunidade pesqueira tão verdadeiramente Brasil? Sempre disse aos amigos, que se refestelavam sob o assombreado da minha cabaninha de praia, que em Enxu Queimado eles estavam no Brasil real e muitas vezes eles achavam graça e brindávamos quando eu nominava o belo recantinho de litoral como, “República Independente de Enxu Queimado”.
O número 83 é o ponto final em uma sequência, mas não dará fim aos escritos dos causos e moídos trazidos e levados pelos alísios em estágios temporãos. Muita coisa boa, muito riso, muito choro, muitas saudades estão arquivadas em minha cachola e não pretendo que fiquem esquecidos sobre os escombros do tempo.
Como deixar passar em branco a estória libidinosa de um coco e uma carne de porco bem lisinha? Como esquecer a peleja do pescador contra sete surrupeios que embarcaram em sua jangada? E a agonia do morador que sempre que chegava em frente de sua casa, depois de uma bebedeira, pedia aos gritos pelos encantos da esposa? E o pescador que só ia pesca depois de ver do beiço da praia aonde estavam os peixes? E as paneladas de galinhas “roubadas”? Não, não posso deixar de lado a riqueza hilária da história de um povo.
Enxu Queimado, segundo uma faixa colocada no centro da comunidade, existe porque persiste, porém, não concordo com ela, apesar de ser favorável a luta dos que ali vivem, pelo reconhecimento e normatização territorial, porque sei que a bela prainha, que tem um lindo coqueiral como sua mais fiel impressão digital, existe pela beleza de seu mar, pela fascinante faixa de praia, pelas dunas apaixonantes, pelo seu povo alegre, acolhedor e festeiro, pela magia de suas ruas, becos e vielas, pela cor do seu céu, pela maciez dos seus alísios, pela riqueza da produção do seu pescado, pelo navegar de suas embarcações e principalmente pela nobreza do coração de seu povo.
Enxu Queimado requer apenas um pouquinho de atenção e muita responsabilidade nas ações dos seus governantes para que se torne, num futuro próximo, um novo porto para o mais fino turismo nacional. No pórtico de entrada em Pedra Grande, sede do município, está escrito, O Brasil começou aqui, é começou mesmo, mas felizmente não progrediu o necessário e ainda é uma terra em estado bruto. Hoje, depois de mais de 500 anos, bem que poderia se lapidar, retomando os passos do progresso, colhendo frutos que deram certo por aí e deixando de lado as ervas daninhas.
Deixo aqui o meu abraço a um povo acolhedor que há trinta anos recebeu a mim e a Lucia, com muito carinho, nos abraçou e nos fez parte de suas famílias quando decidimos, em 2016, estabelecer residência em Enxu e ter dado vida a Avoante Pizzas e Saltenhas, um empreendimento que se propôs a oferecer o melhor da gastronomia e atendimento diferenciado a pequena comunidade.
Aos amigos, aos endereçados das Cartas e aos leitores, agradeço a atenção e mais uma vez os convido a conhecerem um dos poucos paraísos litorâneos ainda existente no Rio Grande do Norte.
Seguiremos a sina das avoantes, aves migratórias, caminharemos por novos campos, seguiremos por novos rumos e levaremos a certeza da volta em alguma Estação Ano.
– Você já foi a Enxu? – Não! – Então vá!
Nelson Mattos Filho