Em 2010 o espirito e o sonho aventureiro de três meninas arretadas rendeu moídos nas redes sociais, nas redações dos jornais e o bafafá chegou até as barbas dos tribunais, mas como vontade de adolescente é coisa dura de ser domada, elas traçaram o rumo, subiram a bordo de seus veleiros e se danaram pelos mares.
Nesse cantinho escrevi sobre as aventuras oceânicas das meninas, Abby Sunderland, 16 anos, Laura Dekker, 14 anos, e Jessica Watson, 16 anos, e torci muito. Nem a desventura da Abby, que queria ser a pessoas mais jovem a realizar uma circunavegação de volta ao mundo, mas foi impedida pelos deuses dos oceanos, me fez cessar os aplausos e muito menos tirá-la do rol dos meus ídolos do mar.
Abri o texto sobre Abby, Uma senhora velejadora, com as palavras dela: “Há muitas coisas que as pessoas podem pensar para culpar a minha situação: minha idade, a época do ano e muito mais. A verdade é que eu estava no meio de uma tempestade e não se veleja no Oceano Índico sem passar ao menos por uma tempestade. Não foi a época do ano, foi apenas uma tempestade do sul. Tempestades fazem parte do pacote quando se decide velejar ao redor do mundo. Quando à idade, desde quando a idade cria ondas gigantes e tempestades? ”.
A holandesa Laura Dekker, depois de vários percalços e alguns bordos entre as leis holandesas e portuguesas, porque ela queria levantar velas em Portugal, país que a considerava muito jovem para comandar um barco numa navegada desse porte, o que a fez iniciar a viagem em Gibraltar, território ultramarino britânico sujeito à lei britânica, embora Dekker tenha partido de Gibraltar em segredo para evitar a imprensa e qualquer polícia marítima, concluiu a volta ao mundo numa viagem que durou 518 dias, em 21 de janeiro de 2012. Ela tinha 16 anos e 123 dias.
Jessica Watson, australiana teimosa que nem canguru amulestado, enfrentou a sanha de uma imprensa pitaqueira, rizou as velas para vencer o mau tempo dos tribunais, calou os discursos contrários das casas legislativas, transformou o abalroamento em um navio em traços da rota para o sucesso, soltou as amarras, regulou as velas e partiu mar adentro. Eita menina arretada!
Recentemente, e após 13 anos da navegada histórica e da obstinada Jessica ter cravado seu nome no panteão das heroínas dos oceanos, assisti o filme Destemida, e, além da saudade de reviver os dias diante dos humores destemperados dos deuses Netuno e Éolo, fiquei encantado com a veracidade do roteiro, da produção e até com o personagem Ben Bryante, que não existe na vida real, mas representa todos os amigos e velejadores que se envolveram e se doaram para o sucesso da empreitada.
Me emocionei com as crises existenciais vividas pela personagem enquanto boiava à deriva no purgatório de uma causticante calmaria. Li em seus pensamentos os muitos “o que estou fazendo aqui”, que falei quando, a bordo do Avoante, me via ameaçado e açoitado pelos elementos indóceis, para logo em seguida levantar a cabeça, olhar em volta e ver que a angústia e o medo era apenas fantasias criadas em meus miolos. Cruzei os dedos quando vi os sinais de cansaço e desgaste demostrados pelo casco do veleiro Pink Lady Ella, garota valente, e vibrei quando a determinação da guerreira falou mais alto e ela partiu com uma fita adesiva para os devidos reparos. Barco que não tem armengue não é barco!
Fiquei alguns segundos sem respirar ao ver o poder das ondas que ameaçavam esmagar o Pink e senti meu coração disparar quando avistei a montanha de água e espuma crescendo na popa do veleiro. Fechei os olhos e falei um inaudível PQP quando o monstro olhou para baixo, abriu a bocarra, engoliu o Pink e o levou para as profundezas do oceano até diante do trono do Deus do Mar. Mas o que Netuno queria era apenas conhecer de perto aquela criatura, tão jovem, tão guerreira, tão obstinada e que por ele sempre manteve respeito.
O Pink e sua valente comandante foram devolvidos a superfície mais energizados e com ordens do rei para que todos os oceanos do mundo se acalmassem e lhes rendessem honras.
Jessica Watson escreveu sua história sobre a esteira de 18.582 milhas náuticas, durante 210 dias no mar. Aportou em Sidney, no dia 15 de maio de 2010, porém, pelos critérios do World Sailing Speed Record Council, ela não completou a circunavegação que é de 21.600 milhas náuticas, mas isso não diminui nem pouco a sua glória.
Foi com essas palavras que encerrei o texto que fiz para Abby Sunderland: “O mar é uma grande escola e uma grande universidade para a vida das pessoas. Crianças que navegam sozinhas ou acompanhadas pelos pais assimilam rapidamente fundamentos de liberdade, paz, solidariedade, autocontrole, determinação, ética, razão, ecologia, segurança, planejamento e respeito.”.
O filme Destemida, estrelado pela australiana Teagan Croft, atriz que interpretar Ravena na série Titans, merece ser visto por todos aqueles que amam e se encantam pelos mistérios e segredos dos oceanos.
Viva Jessica Watson! Viva o veleiro Pink Lady Ella!
Nelson Mattos Filho