Visões e saudades diante das sombras


8 Agosto (163)

Texto publicado em 13/09/2015 na coluna dominical Diário do Avoante, no jornal Tribuna do Norte.

O que restou da luminosidade tremulava preguiçosamente em meio às sombras refletidas no silêncio das águas. Eram reflexos disformes de aparência fantasmagórica, mas que formavam um cenário tão belo e tranquilizador que desejei estar ali para sempre. Ao redor de mim zoava um silêncio assustador, uma áurea de paz entrecortada aqui e acolá por ecos embrutecidos de uma cidade que fervia em tentações, mas meus ouvidos escutavam apenas o silêncio.

Imagens de veleiros enuviadas pelas sombras da noite, que começava a cobrir o mundo, bailavam sobre as águas e entre os mastros das embarcações, alegres revoadas de pássaros tomavam o rumo dos ninhos. Era o final de mais um dia e eu estava ali, sozinho e mudo de espanto, presenciado o astro rei se retirar para o merecido descanso. O manto da noite se estendeu e fui despertado do meu transe crepuscular pela luz prateada de uma Lua contadora de histórias e lendas. Como é bela a natureza!

Aquele é o cenário de um mundo que poucos sabem existir e muitas vezes não me acho merecedor de estar vivendo tudo aquilo. Porém, é diante de paisagens assim que minha mente navega em infinitas reflexões e fico em estado de comunhão com os mistérios e segredos do universo.

É diante das sombras do lusco-fusco que me encontro com o meu eu e revivo com alegria os melhores e piores momentos da minha vida. Os melhores momentos me acariciam a alma e os piores me dão a certeza do bom aprendizado. Diante da luz que dança por trás das sombras, me vem à lembrança daqueles aos quais quero bem e desejo que eles estivessem ali ao meu lado.

As primeiras lembranças recaem sobre meus gurus, eternos professores e exemplo de vida que carrego estampado no coração: Nelson Mattos e Iracema – meus pais; Emídio Mattos e Cecília – tios mais amados. Meu Pai e meu Tio – assim mesmo com letra maiúscula – são habitantes do mundo lá de cima e todos os dias sinto o calor de suas presenças a orientar e proteger meus passos. Minha Mãe e minha Tia até hoje são conselheiras e fontes intermináveis de afagos.

Foi sentado solitário na proa do Avoante, observando aquela tarde de luz e sombras, em que o Sol se apresentou com uma roupagem mais linda impossível, que pedi vida longa, conforto, saúde e paz para Ceminha – minha Mãe – e Tia Cecília, que essa semana fazem aniversário.

Foi diante da revoada dos pássaros, em busca do ninho, que pedi a Deus que elas estejam ao meu lado por muitos e muitos anos. Foi diante das sombras que dançavam sobre as águas que pedi aos deuses do mar que me deem proteção para que elas nunca recebam notícias entristecidas.

Foi diante daquele Céu magnífico de pôr do sol que escutei o sussurro de duas vozes que jamais esqueci e nem esquecerei, que dizia assim: Fique em paz filho, seus desejos estão sendo atendidos. Olhei para os lados, agradeci e sorri. Ao longe soaram suaves acordes de um solo de trombone, marcado pela batida de um tantan.

Que vida é essa que me leva a sonhar acordado e me transforma em um louco escrevinhador de um mundo que muitos acham irreal? Que vida é essa que me faz navegar errante pelos mares em busca de viver um sonho colorido? Quantos oceanos terei que navegar para decifrar as entrelinhas existente entre o real e o sonho?

Desde que embarquei no Avoante, e decidi entregar ao mar todas as minhas certezas, o espaço existente entre o real e o irreal se tornou uma bolha de incríveis e inimagináveis transformações. Procuro retirar das espumas de sal e do vento pequeninas lasquinhas de conhecimentos que tragam subsídios para nortear minha proa.

Se isso é loucura, é loucura boa e falar sobre ela me deixa lúcido.

Não tenho o dom da palavra e muito menos da escrita, mas insisto em escrever, para que fique registrada em algum lugar do tempo minha experiência de vida a bordo de um veleirinho de oceano e essa sirva de mote para outros que desejarem um dia viverem a loucura.

As sombras balançantes do lusco-fusco de um pôr do sol me fizeram escutar sussurros de dois anjos da guarda de minha vida e me fizeram escrever com as tintas que restaram da luz essa, talvez indecifrável, homenagem às duas pilastras da minha formação. As lágrimas que escorrem em minha face nesse momento denunciam o amor e carinho que sinto por elas. Se isso é loucura, lucidez, real, irreal ou sonho, apenas eu, o mar é os elementos da natureza saberemos a verdade.

Parabéns minha Mãe, parabéns minha Tia.

Um grande beijo!

Nelson Mattos Filho/Velejador

6 Respostas para “Visões e saudades diante das sombras

  1. Nelson, belíssimo texto! Ao ler suas palavras chego a questionar novamente minhas escolhas. Abraço

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    • diariodoavoante

      Meu amigo Zé, a vida é uma grande pregadora de peças e nos leva sempre ao muro imaginário dos questionamentos. Apareça a bordo meu amigo. Grande abraço, Nelson

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  2. Que TEXTO!!!!!
    O difícil foi ler pra Rô em voz alta com a batata na garganta e os olhos cheios d’água.
    Parabéns! Só esse já merece outro livro.

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  3. Botei em dia pra garantir meu acarajé no final do ano kkk

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    • diariodoavoante

      Tonho, cansei de apertar o dedo na tecla de ler os comentários. Tu estava com a bixiga no couro! Mais uma vez muito obrigado e acho que vou começar a esquentar o tacho de azeite do seu acarajé.

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  4. Provavelmente este foi o último texto publicado na Tribuna, não é? fechou com chave de ouro…

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