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O mar

1 Janeiro (90)

“Quem não se atira no mar alto não conhecerá nunca a profundidade da água azul, nem a embriaguez da onda e das vagas, nem a calma das noites durante as quais o navio traça em silêncio o sulco…

Quem não se atira no mar alto não compreenderá nunca a profunda alegria de ter soltado as amarras e de só se apoiar em Deus, mais seguro que o oceano.

Quem fica na margem nunca perderá o gosto pela terra firme, a terra da gente razoável, segura de si mesmo, sensata e bem pensante. Considera-se rico e está nu. Pensa que construiu, mas acumulou ruínas das quais terá que prestar contas…”

Citação a P.Hoest, no livro Karitós – Viagem em terras do Brasil.

Veleiro australiano encalha em Cabo Frio

veleiro encanhado 1

Um veleiro de bandeira australiana que dava volta ao mundo encalhou em Cabo Frio/RJ na noite da Quarta-Feira, 17. O comandante de 71 anos dormia e não percebeu que o barco derivava para a Praia do Peró, na ocasião soprava ventos fortes e o mar levantava altas ondas. Esse não é o primeiro e nem será o último acidente com essas características, mas é um alerta para todos nós. A ancoragem, que muitos acham ser uma operação fácil, é um dos momentos mais cruciais para o navegante. Não achem que estou aqui condenando o australiano e nunca o faria, pois reconheço a bravura de homens que se lançam ao mar em uma viagem transoceânica, onde muitas vezes o desconforto do cansaço os traem. O verão está chegando com seus dias coloridos de sol, mar e alegria, e muitas praias e recantinhos do litoral acenam chamando o navegante para uma deliciosa ancoragem, mas é bom ficar alerta, pois é justamente no verão que a natureza manda alguns recadinhos ameaçadores e por isso o navegante não deve descuidar da segurança da embarcação.    

VISÕES DE UM DEVOTO NAVEGANTE

                                                                     

                                    Não sei o que é pior, se as doenças da alma ou se as do corpo. Quando viemos morar a bordo viemos em busca de jogar no mar as doenças da alma, o stress, as chateações, os mal entendidos, as agruras cotidianas que a cada dia se tornam mais agressivas, sem limites e, que é pior, sem soluções.

                                   Ao longo de nossa vida a bordo do Avoante, já atiramos no mar uma boa parte dessa carga acumulada, mas ainda falta muita coisa. Um dia a gente chega lá!

                                    As doenças do corpo, essas ficam muito difíceis da gente se desvencilhar. Até porque no decorrer dos anos vamos ficando com a validade vencida e assim o corpo vai precisando cada vez mais de manutenção. Isso é a vida!

                                   Mas vamos deixar de conversa fiada é vamos partir para o nosso Diário, mas se não fosse umas dores do corpo, que me atormentam há dois meses, o nosso Diário teria uma cara muito mais alegre, cheio de aventuras, lugares que lavam a alma e muitas novidades para o prazer de todos nós.

                                   Fui presenteado com uma hérnia cervical que vem tirando minha paciência e me amarrando cada vez mais em terra. O Avoante já me olha meio atravessado, tentando decifrar meus pensamentos e a cada vez que me sento à mesa de navegação o sinto fazer alguns alongamentos, na esperança de que dali saia à ordem para levantar âncoras e içar velas.

                                   Mas, a vida segue o seu rumo e com navegadas ou sem navegadas, a verdade é que continuamos fiéis ao nosso mundo náutico e a cada dia renovamos as nossas esperanças nessa vida que bem escolhemos.

                                   A cada dia que amanhece e que acordamos sobre as águas do Potengí, presenciamos a vida que se renova nessas águas tão incompreendidas pelo homem da cidade.

                                   A cada dia que se vai, somos brindados pela magia e todo esplendor do Pôr-do-Sol sobre o Potengí, num dos mais belos espetáculos de nossa cidade. Uma dádiva da natureza, numa demonstração de sua incrível paciência e tolerância com seus agressores.

                                   Do cockpit do Avoante, nos chega os aromas coloridos da praia que dá as boas vindas ao navegante que adentra o Porto de Natal. A praia da Redinha com seus peixes fritos com tapiocas, suas tainhas deliciosas e seus cajus mais doces. O gosto forte e saboroso da cachaça e o refrescante sabor de uma cerveja bem gelada nos boxes do Mercado.

                                   Plantada nas areias de uma praia que agoniza espremida entre o progresso torto de uma ponte e a beleza da história que ainda ecoa por entre as pedras de uma fortaleza brilhante como a própria estrela dos Reis Magos, avistamos do nosso pequeno espaço, as pedras negras da Igrejinha da Redinha. De lá, uma Nossa Senhora dos Navegantes espera pacientemente a comemoração do seu dia para poder sair de sua redoma e ver com seus olhos, bem abertos, que as promessas dos homens não passam de palavras jogadas ao vento.

                                   Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira dos homens do mar, Mãe dos pescadores e Senhora amada pelos nativos e antigos veranistas de uma Redinha esquecida, mas que de tão simples e apaixonante ainda resiste ao mundo e aos homens que acham que tem o poder.

                                   Do Avoante, vimos Nossa Senhora dos Navegantes, num Domingo de festa, sendo cortejada e levada num dos seus barquinhos, pelas águas de um rio que sempre a acolheu. O seu dia foi festejado com todo fervor por aqueles que reconhecem a sua força e sua bondade.

                                   Faltou a pompa e alegria de uma Banda de Música da Marinha, que em anos passados sempre se fazia presente, mas este ano vimos crescer o número de embarcações a seguir a Santa padroeira. Eu contei 23, poderia ser mais, mas foi bem maior do que as 11 do ano anterior e com certeza bem menor do que as que não quiseram prestigiar a Santa e foram se esbaldar nuns Parrachos para lados de Pirangí. Não acredito que a Santa castigue os navegantes, mas a coisa não anda bem para os lados da bela Pirangi. Foi muita coincidência!

                                   Pedi minhas melhoras a Santa e acho que ela vai conceder.

 

Nelson Mattos Filho

Velejador