O grande mar – V


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Sinceramente não consigo aceitar o descaso que faz com que as cidades e povoados ribeirinhos do Rio Paraguaçu, e de tantos outros que cortam o nosso país, fiquem sem um píer de embarque e desembarque. Para mim isso é um crime administrativo que está sendo acobertado por aqueles que têm o dever de punir.

O Paraguaçu é uma joia rara para a navegação de esporte, turismo e recreio. A falta do equipamento é no mínimo uma vergonha que precisa ser reparada. Em alguns lugares até que ele existiu em outra época, mas o que sobrou dos escombros está lá, como uma denuncia a céu aberto e as autoridades viram o rosto para não ver.

Dizem que o problema é com a nossa política ambiental, recheada de exigências utópicas que engessam e engavetam ideias e novos projetos. Acredito piamente nessa afirmação, mas alguma coisa tem que ser feita para que se encontre uma saída para o impasse. Por que será que os ambientalistas não caem de pau em cima da construção de novas estradas, ruas e becos? E as comunidades que avançam despreocupadamente sobre os morros e áreas verdes das cidades? Tem alguma coisa fora da ordem!

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São Francisco do Paraguaçu estava lá, entristecido no alto da torre, com seu histórico Convento entregue as agruras do tempo, e depois de uma noite tranquila e silenciosa, desembarcamos para desbravar o lugarejo.

O Convento e a Igreja de São Francisco são dotados de uma beleza arquitetônica de doer na vista por dois motivos: O primeiro é que os prédios são realmente imponentes; O segundo é pelo estado de abandono, apesar de estarem acobertados pelas asas indiferentes do Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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Na visitação ao interior da Igreja é cobrada uma taxa de R$ 5,00, que infelizmente não consegui saber para que serve. Foi dito também que aos sábados é realizada uma missa, porém, não demos conta se ela ocorreu. Para os amantes da arte da fotografia o conjunto arquitetônico é impar e o pôr-do-sol é simplesmente deslumbrante com tantas belas linhas servindo de moldura.

O povoado é pequeno e bem menor do que São Tiago do Iguape. O comercio funciona pela manhã até meio dia e no período da tarde abre somente a partir das 16 horas. Com uma população de dois mil habitantes, São Francisco é uma cidade pacata e segundo os moradores, não existe violência e todos se conhecem. Para quem gosta de festa, o povoado não é um bom lugar, porque não existe a barulheira noturna e nem diurna. O barulho, quando acontece, fica a cargo da ignorância e má educação dos donos dos paredões de som. Para essa raça não existe a palavra respeito e nem lei que os atinja.

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Como aconteceu em São Tiago, os amigos indicaram para que procurássemos os proprietários do restaurante Santo Antônio, Seu José de Souza e Dona Maria José, duas pessoas fantásticas, extremamente atenciosas que nos acolheu com muito carinho. Quando Dona Maria soube que Lucia gostava de cozinhar, se animou toda e o papo rolou solto até umas horas. Era tanta da receita de um lado e do outro que quem estava de longe deve ter ficado com água na boca só de ouvir.

Fomos convidados para almoçar com eles no dia seguinte, mas quem preparou o prato foi Lucia: Moqueca de Fruta Pão, que ela aprendeu com a saudosa Dona Onília, lá das terras de Camamu. Dona Maria gostou tanto que incluiu a iguaria no cardápio do restaurante.

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Como é gostoso momentos assim! São essas coisas que enche a nossa alma de alegria e nos dá a certeza que estamos no caminho da paz e da harmonia. É maravilhoso receber o abraço apertado, o aperto de mão com firmeza, de pessoas que até então nunca tínhamos visto e saber que a partir dali podemos cravar mais uma amizade verdadeira e sem maiores interesses. Foi assim também com o Liu, proprietário do Bar do Liu, na beira do Paraguaçu, que sem nos conhecer se prontificou a olhar o nosso bote inflável na areia e tratando logo de desanuviar qualquer sinal de preocupação de nossa parte: – Pode deixar ai que aqui ninguém mexe em nada!

Deixamos São Francisco do Paraguaçu num domingo pela manhã, aproveitando novamente a maré de vazante, mas levamos uma ponta de saudade daquele lugar onde fizemos boas e sinceras amizades. Não conhecemos muita coisa, além das ruas do povoado e das ruínas do Convento. Soubemos que existem trilhas e cachoeiras na mata que vale o esforço da caminhada. Mas essa parte ficou para a próxima visita.

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Alguém comentou que o fundeio merecia uma dose maior de atenção, mas não pude confirmar a informação. Tivemos três dias de muita paz e tranquilidade com o Avoante despreocupado na ancoragem. Agora posso dizer com muita certeza: A Baía do Iguape é encantadora e o nosso Brasil é lindo sim senhor!

Nelson Mattos Filho/Velejador

5 Respostas para “O grande mar – V

  1. Nossa, que inveja boa de vocês. De ter o privilégio de conhecer um lugar tão espetacular e tão acolhedor. Já estive em Cachoeira, mas não conhecia estes povoados. Da próxima vez visitarei, com certeza, estes recantos.

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  2. Cicero Carlos de Farias

    Fico muito feliz, quando alguém conhece a Bahia, assim como Nelson e Lúcia, confirma o que eu sempre afirmei, ” não existe um povo tão alegre e hospitaleiro como o baiano”. Esse blog é uma oportunidade de mostrar ao mundo, o que é que a Bahia tem também no aspecto das paisagens do lugar. Parabéns. Agora faço um comentário mais técnico.

    Às vezes me ponho a perguntar como pode um país com dimensões continentais como o Brasil, que detém 12% da reserva hídrica do planeta, com as maiores bacias hidrográfica do mundo e cerca de 8.000 quilômetros de costa marítima, utilizar tão pouco a navegação para o transporte de cargas e de passageiros. Na água não se precisa de tanta infraestrutura como na terra, além do que na água não gera o impacto da devastação florestal e da impermeabilização do solo. Então a resposta me vem através da econosfera, ou seja, o liberalismo econômico é que determina o que tem que ser valorizado. As estradas fazem parte de um sistema que amplia os horizontes capitalistas: Asfalto, petróleo, energia, indústrias de base, indústria de bens de capital ( maquinas), industrias automobilísticas, industrias assessoriais etc. Embora essa não seja a nossa lógica, mas é a lógica capitalista. A Nova Divisão Internacional do Trabalho cobrou dos países do então terceiro mundo como o Brasil, o investimento em estradas e rodagem. Assim o nosso país precisou se render as imposições dos países de industrialização clássica para receber os bem vindos investimentos. Recebeu a corda que futuramente iria lhe enforcar, pois hoje mais que nunca a política econômica do Brasil, país emergente, beneficia os grandes grupos transnacionais. Eles dão as cartas.

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  3. Que maravilha de texto, cmte! Temos que embarcar no Avoante e fazer essa rota com vocês.

    Mucuripe e neguinha.

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